Saúde: Os botos-cor-de-rosa, espécie ameaçada de extinção, enfrentam uma ameaça crescente de mercúrio na Amazônia

Pescadores ajudam cientistas e veterinários a capturarem botos-cor-de-rosa no Rio Amazonas para exames de saúde em Puerto Narino, Colômbia, domingo, 7 de setembro de 2025. (Foto AP/Fernando Vergara)

https://apnews.com/article/amazon-river-colombia-pink-river-dolphins-mercury-14f0d273d999d6be5731355c426bccca

STEVEN GRATTAN

16 set 2025

[Nota do Website: Mais uma demonstração da violência ideológica e humana da atual civilização global. Para quem não sabe o que foi Minamata, ler o link que está abaixo para se entender o que representa o elemento mercúrio no ambiente. E ele é imprescindível na mineração do ouro que está disperso entre as camadas inferiores do solo. O mercúrio concentra as pequenas e pequeníssimas pepitas que estão entremeadas com as estruturas do subsolo. E ao concentrar, queimam o conglomerado e daí fica uma pepita bruta que será depois trabalhada e lapidada. E assim, o mercúrio vai para a atmosfera e para as águas e em seguida para a cadeia alimentar, até o ser humano. Em Minamata provavelmente havia muita ignorância, mas hoje a ação é verdadeiramente criminosa, a partir de Minamata, desde as barrancas na floresta até os dedos, limpos e cuidados, dos/as consumidores/as finais].

PUERTO NARINO, Colômbia (AP) — Um lampejo de rosa rompe a superfície lamacenta do Rio Amazonas enquanto cientistas e veterinários, com água até a cintura na corrente morna, pacientemente trabalham uma rede de malha em torno de um grupo de botos. Eles a apertam mais a cada passagem, e um punhado de peixes prateados brilha sob o sol forte enquanto saltam para escapar da rede.

Quando a equipe puxa um golfinho para dentro de um barco, ele se debate enquanto a água jorra de suas laterais salpicadas de rosa, e a equipe o transporta rapidamente para a margem arenosa do rio, onde os pesquisadores, cheios de adrenalina, o colocam em uma esteira. Eles têm 15 minutos — o tempo limite para um golfinho ficar fora d’água em segurança — para concluir seu trabalho.

Fernando Trujillo, biólogo marinho que lidera o esforço, ajoelha-se ao lado da cabeça do animal, protegendo seu olho com um pequeno pano para que ele não veja o que está acontecendo. Ele pousa a mão delicadamente sobre o animal e fala em voz baixa.

“Eles nunca sentiram a palma da mão. Tentamos acalmá-los”, disse Trujillo, usando uma bandana de boto rosa. “Tirar um golfinho da água é uma espécie de abdução.”

Uma pessoa conta a respiração do golfinho. Outra molha sua pele com uma esponja, enquanto os outros realizam diversos exames médicos que ajudarão a mostrar a quantidade de mercúrio que circula pelos predadores mais graciosos da Amazônia.

Ameaça do mercúrio se espalha pela cadeia alimentar da Amazônia

Trujillo dirige a Fundação Omacha, um grupo de conservação focado na vida selvagem aquática e nos ecossistemas fluviais, e lidera avaliações de saúde de botos-de-rio. É uma operação meticulosa que envolve pescadores experientes, veterinários e moradores locais, que leva meses de planejamento e acontece algumas vezes por ano.

“Coletamos amostras de sangue e tecido para avaliar o mercúrio”, disse Trujillo à Associated Press, da cidade ribeirinha colombiana de Puerto Narino. “Basicamente, estamos usando golfinhos como sentinelas da saúde do rio.”

A contaminação por mercúrio vem principalmente da mineração ilegal de ouro — uma indústria crescente na Bacia Amazônica — e do desmatamento que leva o mercúrio naturalmente presente no solo para os cursos d’água.

Os mineradores usam mercúrio para separar o ouro dos sedimentos e, em seguida, despejam o lodo de volta nos rios, onde ele acaba sendo consumido por peixes e golfinhos. A alta dos preços globais do ouro impulsionou um boom na mineração (nt.: a responsabilidade pessoal e global por esse ecocídio que se pratica contra todos – humanos e não-humanos), e a poluição por mercúrio em cursos d’água remotos aumentou.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde e a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, o mercúrio pode causar danos ao cérebro, rins, pulmões e sistema imunológico, além de causar alterações de humor, perda de memória e fraqueza muscular. Gestantes e crianças pequenas correm maior risco, com a exposição pré-natal associada a atrasos no desenvolvimento e redução da função cognitiva.

“O máximo que qualquer ser vivo deveria ter é 1 miligrama por quilo”, disse Trujillo. “Aqui, estamos vendo de 20 a 30 vezes essa quantidade.”(nt.: números que já nos aterrorizam)

Em anos anteriores, sua equipe encontrou de 16 a 18 miligramas por quilo de mercúrio em golfinhos (nt.: aqui demonstra como o processo e crescente e parecendo que vai se maximizando com o decorrer dos tempos), que podem sofrer os mesmos danos neurológicos, danos a órgãos e outros problemas que os humanos. No rio Orinoco, na Colômbia, os níveis em alguns golfinhos chegaram a 42, níveis que os cientistas dizem estar entre os mais extremos já registrados na espécie.

Trujillo disse que é difícil provar que a toxina está matando diretamente os golfinhos. Estudos adicionais estão em andamento, acrescentou, observando que “qualquer mamífero com uma grande quantidade de mercúrio morrerá”.

Quando Trujillo e sua equipe testaram seu próprio sangue há três anos, os resultados mostraram mais de 36 vezes o limite de segurança — 36,4 miligramas por quilo —, um nível que ele atribui a décadas de trabalho em áreas afetadas por mercúrio e a uma dieta rica em peixes. Com assistência médica, seus níveis caíram para cerca de 7 miligramas.

“O mercúrio é um inimigo invisível até atingir uma quantidade suficiente, quando então começa a afetar o sistema nervoso central”, disse Trujillo à AP depois que sua equipe conseguiu capturar e testar quatro botos-cor-de-rosa. “Já estamos vendo evidências disso em comunidades indígenas.”(nt.: aqui já começa a aparecer os humanos o que se estuda na vida selvagem).

Uma série de estudos e relatórios científicos — incluindo trabalhos da Rede Internacional de Eliminação de Poluentes e pesquisadores acadêmicos — constatou alta exposição ao mercúrio entre povos indígenas em toda a Amazônia, incluindo Brasil, Peru, Colômbia, Suriname e Bolívia. Amostras de cabelo apresentaram médias bem acima do limite seguro da OMS de 1 parte por milhão, com uma comunidade colombiana registrando mais de 22 miligramas por quilograma.

As populações de golfinhos nesta parte da Amazônia diminuíram drasticamente, com o monitoramento de Trujillo mostrando um declínio de 52% nos botos-cor-de-rosa e uma queda de 34% nos botos-cinzentos, uma espécie diferente, nas últimas décadas (nt.: destaque em negrito dado pela tradução). A União Internacional para a Conservação da Natureza listou o boto-cor-de-rosa como ameaçado de extinção em 2018. Trujillo disse que os números exatos para a Amazônia são desconhecidos, mas sua organização estima entre 30.000 e 45.000 em toda a bacia.

Os botos-cor-de-rosa também enfrentam ameaças de pesca excessiva, enroscos acidentais em redes, tráfego de barcos, perda de habitat e seca prolongada.

A Colômbia afirma estar combatendo a mineração ilegal e a poluição por mercúrio. O país proibiu o uso de mercúrio na mineração em 2018, ratificou a Convenção de Minamata (nt.: tragédia que ocorreu no Japão na década de vinte do século XX. Ver- o link), que visa reduzir o mercúrio no meio ambiente, e apresentou um plano de ação em 2024. As autoridades citam operações conjuntas com o Brasil e recentes medidas de fiscalização, mas os órgãos de fiscalização afirmam que os esforços continuam desiguais e que a mineração ilegal persiste em grande parte do país.

Outros países da Amazônia afirmam estar se mobilizando. O Brasil lançou operações e restringiu a internet via satélite usada por garimpos ilegais que utilizam mercúrio, com o objetivo de interromper a logística e as linhas de abastecimento. O Peru apreendeu recentemente um recorde de 4 toneladas de mercúrio contrabandeado. Equador, Suriname e Guiana apresentaram planos de ação para reduzir o uso de mercúrio na mineração de ouro em pequena escala.

Uma operação delicada para testar golfinhos com segurança

A operação de teste dos golfinhos conta com José “Mariano” Rangel, um carismático ex-pescador venezuelano. Ele lidera a operação na hora de içar os animais — que podem pesar até 160 quilos — para os pequenos barcos. É um momento que pode terminar com uma pancada forte no maxilar enquanto os golfinhos se debatem para se libertar.

“A parte mais difícil das capturas é cercar os golfinhos”, disse Rangel.

Um aparelho de ultrassom portátil examina pulmões, coração e outros órgãos vitais em busca de doenças. A equipe verifica problemas respiratórios, lesões internas e sinais de reprodução, fotografa a pele e as cicatrizes dos animais, coleta amostras de espiráculos e aberturas genitais para culturas bacterianas e coleta tecido para teste de mercúrio. Microchips são implantados para que os pesquisadores possam identificar cada animal e evitar a duplicação de testes.

Omacha registrou resistência antimicrobiana — bactérias que não podem ser eliminadas por medicamentos comuns — e problemas respiratórios. Eles também identificaram possíveis doenças emergentes, como o vírus do papiloma, que podem representar riscos tanto para golfinhos quanto para humanos.

Após uma longa manhã coletando e testando golfinhos, os cientistas retornam a um laboratório em Puerto Narino, coberto de pôsteres de golfinhos e peixes-boi, além de ossos e crânios de golfinhos e outros animais. Eles testam algumas amostras, preparam outras para enviar a instalações maiores e terminam o dia consertando redes e reabastecendo kits para fazer tudo de novo ao amanhecer.

Para Trujillo, cada captura, exame de sangue e exame de sangue faz parte de uma luta maior.

“Estamos a um passo de ficarmos criticamente em perigo e depois extintos”, disse Trujillo.

Traduções livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2025

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