
Uma megaoperação foi deflagrada nesta quinta-feira (28) para desmantelar um esquema bilionário de fraudes no setor de combustíveis, com a participação de integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), que envolvia a importação irregular de metanol pelo Porto de Paranaguá. A “Operação Carbono Oculto” cumpriu mandados em oito estados, revelando uma complexa rede de desvio e adulteração de combustíveis que lesava consumidores e gerava lucros exorbitantes ao crime organizado • MPSP
Michael Pooler , Joe Daniels , Aanu Adeoye , Monica Mark , Chloe Cornish e Leslie Hook, Itaituba (PA), Bajo Cauca, Lagos (Nigéria), Joanesburgo (África do Sul), Dubai e Londres | Financial Times
21 ago 2025
[Nota do Website: O interessante de como o empreendorismo pode ir para bandas sombrias. E agora não estou falando do que esta matéria mostra, mas das corporações como as que produzem agrotóxicos, ‘forever chemicals’, plásticos que se tornam micro e nanoplásticos. Mas estas últimas não são consideradas ‘organizações criminosas’, apesar de todos os ilícitos que cada vez mais se tornam públicas. E mais, estas últimas geram moléculas que nos contaminam no nosso dia a dia, em nosso alimento, na nossa atmosférica, na nossa água e assim por diante. Sem tirar o horror das práticas das ‘organizações criminosas’, perguntamos: por que as corporações de todas as ‘Bigs’ não são como as primeiras, consideradas tão criminosas como essas?].
Conforme os preços globais do ouro dispararam, os residentes de Stilfontein, uma pacata cidade sul-africana cercada por minas abandonadas da era de ouro da mineração do país, começaram a notar alguns recém-chegados intimidadores.
“Vemos seus carros carregados de armas e equipamentos,” disse um comerciante local sobre os criminosos armados que começaram a frequentar as lojas de ferragens de Stilfontein. “Eles não são daqui. Apenas vêm por alguns dias e depois desaparecem novamente.”
Os gangsters estavam lá para lucrar com uma economia subterrânea brutal, mas próspera, na qual milhares de garimpeiros selvagens empobrecidos são colocados para trabalhar nas profundezas das minas desativadas da África do Sul —antes entre as mais lucrativas do mundo— enquanto criminosos lutam pelo controle.

“Há miniguerras acontecendo no subsolo,” diz Louis Nel, consultor de segurança de mineração sul-africano. “Eles lutam entre si, usam IEDs [dispositivos explosivos improvisados]”.
Este é o lado sombrio da corrida do ouro do século 21, à medida que grupos de crime organizado da África Subsaariana ao Sudeste Asiático e às profundezas da Amazônia se envolvem na mineração ilícita para alimentar um dos comércios mais lucrativos dos últimos anos.
O valor do ouro triplicou na última década e aumentou mais de um quarto apenas desde o início deste ano, à medida que investidores buscam segurança contra guerras comerciais, inflação e tensões geopolíticas.
Sua fungibilidade, que torna o metal precioso fácil de lavar em centros de comércio e refinamento como os Emirados Árabes Unidos e a Suíça, transformou a mineração em um ímã para todos, desde o Clan del Golfo, o maior grupo armado da Colômbia, até os lados em guerra no ruinoso conflito civil do Sudão.
As estimativas variam, mas a indústria de mineração ilícita de ouro vale dezenas de bilhões de dólares anualmente, com a ONU (Organização das Nações Unidas) afirmando que grupos de crime organizado estão “incorporados” nas cadeias de suprimentos.
Conforme os preços globais do ouro dispararam, os residentes de Stilfontein, uma pacata cidade sul-africana cercada por minas abandonadas da era de ouro da mineração do país, começaram a notar alguns recém-chegados intimidadores.
“Vemos seus carros carregados de armas e equipamentos,” disse um comerciante local sobre os criminosos armados que começaram a frequentar as lojas de ferragens de Stilfontein. “Eles não são daqui. Apenas vêm por alguns dias e depois desaparecem novamente.”
“Há miniguerras acontecendo no subsolo,” diz Louis Nel, consultor de segurança de mineração sul-africano. “Eles lutam entre si, usam IEDs [dispositivos explosivos improvisados]”.
A organização sem fins lucrativos SwissAid estimou no ano passado que 435 toneladas de ouro —o equivalente a US$ 31 bilhões na época— foram contrabandeadas da África em 2022, o dobro do volume de uma década antes. E no Peru, maior produtor de ouro da América do Sul, o regulador financeiro estimou que mais de 40% dos US$ 15 bilhões em exportações de ouro do ano passado eram ilegais.
“Empresas criminosas estão ganhando mais dinheiro com o comércio de ouro do que com drogas,” diz Sasha Lezhnev, consultor de políticas do The Sentry, uma organização investigativa que busca desativar redes que se beneficiam de conflitos armados. “Este é um comércio enorme”.
Essas forças do mercado negro global estão cada vez mais presentes na América do Sul, onde a floresta amazônica está na linha de frente do aumento dos chamados “narcogarimpeiros”.
“Grupos de crime organizado vieram para a Amazônia por causa da cocaína, usando esses territórios remotos como esconderijos para laboratórios de drogas e corredores de tráfico,” disse Bram Ebus, codiretor da Amazon Underworld, uma plataforma investigativa. “Mas eles ficaram pelo ouro”.
Garimpos em MT põem em xeque capacidade de fiscalizar mineração
A parte brasileira da floresta tropical há muito tempo abriga mineração artesanal em pequena escala e frequentemente não autorizada, conhecida como garimpo. Por décadas, a atividade tem sido um sustento econômico em lugares como Itaituba, a capital não oficial da lavagem de ouro do país.
Em uma clareira na floresta a algumas horas de distância, o gerente de um garimpo aponta para um buraco de três metros de profundidade contendo água azulada, de onde um motor bombeia lama para um quadro de madeira para filtragem através de tecido. Mercúrio será adicionado e queimado para separar o metal de seu minério.
Em 60 dias, disse o homem, o local rendeu 2kg —valendo cerca de R$ 1,1 milhão (US$ 200 mil) em taxas legais. “Pessoas vêm de todo o Brasil com o sonho de enriquecer,” acrescentou.
Entre os recém-chegados, segundo autoridades, ativistas e líderes indígenas, estão gangues de drogas como o PCC (Primeiro Comando da Capital) de São Paulo e o CV (Comando Vermelho) do Rio de Janeiro, que nos últimos anos começaram a fornecer desde segurança e armas para acampamentos até envolvimento direto em algumas operações de mineração.
Humberto Freire, diretor da Amazônia e meio ambiente da Polícia Federal brasileira, disse que traficantes de cocaína e garimpeiros ilegais usam logística semelhante, como aeronaves leves e pistas de pouso clandestinas. “Identificamos membros de gangues que foram presos em locais de mineração e entraram em confronto com forças policiais,” disse ele.
“Garimpos ilegais estão cada vez mais armados, inclusive com armas de alto calibre, como fuzis AK-47 e metralhadoras,” disse o procurador federal André Porreca, acrescentando que havia evidências de ouro ilícito sendo exportado para o exterior através de máfias italianas.
“Narcogarimpeiros” já são conspícuos em países vizinhos. Pichações em lojas, casas e placas de rua marcam a presença do Clan del Golfo da Colômbia na rica região mineral do noroeste de Bajo Cauca.
O Clan, sucessor de paramilitares que lutaram contra guerrilheiros de esquerda nos anos 1990, há muito tempo taxa garimpeiros locais e mineradores de pequena escala, mas nos últimos anos expandiu-se para operar dragas no rio Cauca e escavadeiras que cavam suas margens, segundo analistas. Moradores falam de intimidação e dizem ter medo de viajar à noite.
“Todo mundo tem que pagar a eles,” disse um minerador que opera uma draga. “Não apenas os mineradores, mas todos os empresários, até o vendedor de empanadas na rua”.
Os gangsters estão até se infiltrando em operações legítimas de ouro em escala industrial. No complexo Buritica na Colômbia, de propriedade da chinesa Zijin Mining, o Clan tomou quilômetros de túneis, resultando em confrontos mortais.
Cenas semelhantes ocorreram no Peru, onde 39 trabalhadores foram mortos nos últimos três anos em ataques de gangues criminosas roubando ouro diretamente dos veios da mina Poderosa nas encostas andinas.
Esta caça criminosa ao ouro na Amazônia está ameaçando os povos nativos. Em Sawré Muybu, um pequeno assentamento da tribo Munduruku nos arredores de Itaituba, os moradores dizem que o garimpo selvagem afugentou animais de caça, poluiu cursos d’água com mercúrio e trouxe outros males.
“Quando o garimpo chega, também chegam a malária, o álcool e as drogas,” disse o ancião local Juarez Saw. “Isso ameaça nosso modo de vida”.
Uma vez extraído, o ouro ilegal rapidamente se espalha pelo mundo através de centros como Miami, Mumbai e Hong Kong.
Os Emirados Árabes Unidos emergiram como um dos principais centros de comércio de ouro do mundo e, segundo críticos, um importante centro de lavagem graças a requisitos de conformidade historicamente mais fracos e à disposição dos compradores em pagar em dinheiro.
Marc Ummel, chefe de matérias-primas da SwissAid, disse que os Emirados Árabes Unidos atuam como uma “máquina de lavar” para o metal, com ouro de outros lugares sendo refinado e rotulado como emiradense, antes de ser vendido para outros centros como Suíça e Reino Unido.
Barras de ouro refinado são quimicamente quase idênticas, tornando impossível distinguir suas origens. Um funcionário dos Emirados Árabes Unidos disse que o país “desempenha um papel responsável”, acrescentando que as autoridades intensificaram a fiscalização com milhares de inspeções.
Grande parte do ouro que flui para os Emirados Árabes Unidos vem da África, onde riquezas naturais, conflitos e estados fracos se combinaram para tornar o continente um epicentro da mineração ilícita.

A África do Sul, em um momento o maior produtor de ouro do mundo, é um alvo fácil graças ao seu alto desemprego e criminalidade desenfreada. Milhares de minas desativadas foram tomadas por mineradores conhecidos como zama zama, muitos dos quais são trabalhadores migrantes empobrecidos de países como Eswatini e Moçambique.
Mas enquanto as autoridades reprimiram —cortando comida e água nas minas e detendo aqueles que emergem— analistas dizem que as forças por trás disso são mais difíceis de parar. “Você tem que chegar aos financiadores e aos caras que realmente lucram,” disse Nel, o consultor de segurança.
Pode-se argumentar que as consequências distópicas desta nova corrida do ouro têm sido mais evidentes no Sudão, onde os lucros da mineração ajudaram a financiar uma guerra civil na qual pelo menos 150 mil pessoas foram mortas.
Um relatório da ONU deste ano alegou que as Forças de Apoio Rápido, um grupo paramilitar que os EUA acusaram de cometer genocídio, financiaram operações incluindo “armamento sofisticado” através do saque de ouro.
Segundo pesquisadores, grande parte disso acaba nos Emirados Árabes Unidos, que diante de intensa pressão internacional —incluindo ser colocado em uma lista de vigilância de lavagem de dinheiro em 2022— apertou os controles e introduziu regras de fornecimento responsável.
Mas apesar das novas medidas, vendedores no movimentado souk de ouro de Dubai admitem que não têm ideia de onde vêm as joias e o ouro que vendem.
“Não vamos ao Sudão buscar ouro e vendê-lo,” disse um vendedor de joias que pediu para não ser identificado. “Vamos a um grande mercado atacadista, damos dinheiro e recebemos ouro.”
O devastador custo humano da extração ilícita de ouro na Amazônia foi trazido à atenção do mundo há alguns anos por uma crise de fome e doenças entre o povo indígena Yanomami do Brasil, que foi atribuída ao assédio e à violência por garimpeiros invasores.
Após uma explosão do garimpo sob o ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (PL), o governo de esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou em 2023 uma contraofensiva com operações para fechar acampamentos e destruir equipamentos.
O governo alega sucessos, apontando para uma queda de 98% nos locais de mineração ilegal no território Yanomami. Paralelamente, o STF (Supremo Tribunal Federal) do país encerrou uma presunção de ‘boa-fé’ para compradores que, segundo críticos, permitia que toneladas de ouro ilícito obtivessem status legal.
Pesquisadores dizem que as ações estão dando frutos. As exportações declaradas de ouro do Brasil caíram dois quintos para 62 toneladas no ano passado em comparação com 2022, com remessas para a Índia despencando 97% e para os Emirados Árabes Unidos 64%, de acordo com a ONG Instituto Escolhas.
Mas a fiscalização é limitada por financiamento restrito, pela vastidão da Amazônia e, em alguns casos, pela conivência das autoridades. “Municípios emitem licenças de mineração para propriedades que são então usadas para lavar ouro ilegal”, disse um funcionário.
Ativistas indígenas afirmam que garimpeiros clandestinos retornam assim que as operações de segurança terminam ou se espalham para diferentes áreas, inclusive atravessando a fronteira para Guiana e Venezuela.
Em última análise —como na África do Sul e em outros lugares— há sérias dúvidas sobre se as repressões governamentais podem vencer as redes criminosas cada vez mais bem financiadas, com o Conselho Mundial do Ouro alertando que a escala dos fluxos ilícitos de ouro, corrupção e lavagem de dinheiro é “sem precedentes”.
“O garimpo não apenas suja o rio, destrói a floresta e contamina os peixes, mas também está servindo ao crime organizado”, disse Alessandra Korap, uma ativista Munduruku. “Queremos que as pessoas no exterior saibam disso”.