
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o secretário de Defesa, Pete Hegseth, em uma reunião de gabinete na Casa Branca, em Washington, em 26 de fevereiro. Andrew Harnik/Getty Images.
https://foreignpolicy.com/2025/06/27/us-foreign-policy-traditional-masculinity-trump-iran
27 jun 2025
[Nota do Website: Reflexão importante porque estamos no mundo, atualmente, vivendo ações e reações que extrapolam o conceito natural de masculinidade e feminilidade. O que se destaca, sem estar expresso, é um movimento que demonstra muito mais do que masculinidade, uma triste infantilidade. Quando um homem ou uma mulher quer se posicionar como seres no mundo, acima de todos e descartando o diálogo e a conjunção de pontos de vista, o que se escracha são crianças, que independente das suas fases etárias, ainda estão com sentimentos e emoções de crianças mal resolvidas, magoadas e vingativas. Assim, não estamos vivendo tempos onde homens, com poderes políticos e econômicos globais, mesmo na sua fase etária que deveria ser de adultos e mesmo anciões com sabedoria, se percebe serem meninos que se consideram, arrogantemente, os ‘donos da bola’].
A abordagem de Trump ao Irã mostra que a crise de masculinidade dos Estados Unidos atingiu o cenário global.
Nos dias que antecederam o ataque surpresa dos EUA ao Irã, o Politico noticiou que um homem no Departamento de Defesa tinha uma influência descomunal na estratégia de Washington para o Irã: Erik Kurilla, o líder linha-dura do Comando Central dos EUA conhecido como “O Gorila”. “Ele é um cara grande, musculoso, tem exatamente essa aparência de ‘letalidade’ que eles buscam”, disse um ex-funcionário anônimo. Enquanto os conselheiros militares “parecerem durões e combatentes”, acrescentou a fonte, o Secretário de Defesa, Pete Hegseth, “é facilmente persuadido a aceitar o ponto de vista deles”.
A influência de Kurilla ilustra uma verdade mais ampla sobre as prioridades atuais de Washington: no segundo mandato do presidente Donald Trump, a hipermasculinidade tornou-se a lógica que rege a política externa dos EUA. A masculinidade em si — associada a características como liderança, força e coragem — não é prejudicial. Mas um tipo de masculinidade tradicional, definida por agressividade, falta de regulação emocional e baixo controle de impulsos, o é, e se tornou uma força motriz em uma administração que favorece ataques preventivos em busca do interesse nacional em detrimento dos valores americanos.
A guerra tarifária entre EUA e China — uma disputa simbólica baseada em metáforas masculinas de recusa em recuar ou demonstrar fraqueza — exemplifica essa dinâmica. Mas seu ápice, até agora, tem sido a abordagem do governo Trump ao conflito com o Irã. Como a decisão de Trump de atacar o programa nuclear iraniano deixa claro, a hipermasculinidade agora molda diretamente as ações táticas dos EUA, sobrepondo-se a considerações sobre consequências diplomáticas ou riscos de escalada.
Líderes mundiais começaram a policiar a legitimidade uns dos outros com base na forma convincente como desempenham seu papel de protetores linha-dura dos interesses nacionais. Considere a desconsideração de Trump pelo ataque retaliatório “muito fraco” do Irã na segunda-feira, ou o político britânico que virou acadêmico Rory Stewart observando que “a legitimidade do Irã depende de tentar lançar uma reação contra os EUA”.
Essa lógica não é nova. Mesmo táticas de negociação mais tradicionais na história dos EUA apresentavam retórica masculina. (O presidente John F. Kennedy se gabou de ter “cortado os tomates [de Nikita Khrushchev]” durante a crise dos mísseis cubanos.) Mas sua ubiquidade pode ser. Hoje, a política externa está se transformando cada vez mais em uma disputa de soma zero, em que os líderes são incentivados a exercer um tipo de masculinidade que sinaliza domínio, controle e força — ou correm o risco de parecer fracos.
Após a Segunda Guerra Mundial, o presidente americano Dwight D. Eisenhower estabeleceu uma arquitetura moral para a política externa americana que priorizava a diplomacia. Defendendo a paz e alertando contra envolvimentos desnecessários, ele se opôs ao ataque inicial e à noção de “guerras preventivas”. Em seu discurso de despedida em 1961, Eisenhower alertou contra a crescente influência do “complexo militar-industrial” (nt.: sempre nos surpreende essa declaração de um presidente militar no final do seu mandato. Perguntamos: por que não fez nada enquanto estava no poder?).
Essa visão está em grande parte em desacordo com a adoção da hipermasculinidade pelo governo Trump. Antes dominada por elites sociais, a diplomacia tende a se basear em um roteiro rígido de como se comportar e agir. Como observou um estudioso da Inglaterra moderna , esse código é inerentemente distante das demonstrações tradicionais de masculinidade por meio de “destreza física”. Historicamente, a diplomacia se baseava em relacionamentos pessoais e negociações sutis, e como as noções de masculinidade variavam de cultura para cultura, era difícil exercer a masculinidade ao conduzir a política externa.
Agora, essa abordagem — de tato, cooperação e contenção — foi reformulada como emasculadora. Um funcionário do governo Trump, falando anonimamente à NBC News, recentemente descartou a diplomacia tradicional como um “jogo de telefone”. A diplomacia também se tornou cada vez mais pública. Como escreveu Ravi Agrawal, da Foreign Policy, Trump inaugurou uma presidência de reality show, que subverte a ideia de que a diplomacia nunca foi feita para consumo público.
Assim como nos reality shows, representar o próprio Estado-nação tornou-se altamente pessoal. Stewart argumentou que a diplomacia de Trump é movida por tudo o que o faz “parecer o cara durão”. Seu governo está repleto de homens que personificam esse ethos; basta considerar Hegseth se gabando do número de flexões que fez na manhã de sua audiência de confirmação no Senado.
Essa reviravolta na política externa foi, em parte, impulsionada pela tendência global de que a masculinidade se torna cada vez mais importante para a identidade política. Muito se tem escrito sobre o acerto de contas cultural em torno do ressentimento masculino, visto que os homens ficaram para trás na educação, lutaram para se adaptar à força de trabalho em transformação e vivenciaram uma piora na saúde mental. Em todo o mundo, esses jovens descontentes estão se voltando para a direita.
Os ecossistemas online, ou a chamada manosfera, normalizaram as hierarquias de gênero, reforçando narrativas de que os homens são vítimas da modernidade, do feminismo e da suavidade. Conteúdo misógino está alcançando os meninos em um ritmo sem precedentes — de acordo com o New York Times, após menos de nove minutos de navegação no TikTok. A incapacidade das sociedades de oferecer orientação sobre o papel dos homens na sociedade deixou os jovens vulneráveis a vozes que jogam a culpa nas mulheres, com 60% dos homens da Geração Z em 31 países acreditando que a igualdade de gênero foi longe demais.
Essa indignação fabricada em torno da vitimização masculina — o tipo que sustentou muitos massacres a tiros — elevou a emoção acima da ideologia na política. E a direita americana parece estar apelando para essas emoções. Especialistas conservadores apostaram que as tarifas resolveriam a chamada crise de masculinidade do país. Enquanto isso, em um tuíte de abril, agora apagado, o Departamento do Trabalho dos EUA compartilhou uma imagem romantizada de um retorno à indústria — homens brancos, capacetes e rostos sujos, gerados por inteligência artificial — um futuro que até mesmo um comentarista do direitista Cato Institute reconheceu como “nem preferível nem possível”.
Quando a formulação de políticas se enraíza na masculinidade alfa, os líderes se distanciam ainda mais de quaisquer horrores vividos na guerra. Após o bombardeio do Irã pelos Estados Unidos, Keith Kellogg, enviado especial dos EUA para a Ucrânia e a Rússia, postou no X sobre a “sensação diferente” na Ala Oeste, que ele comparou a um “time esportivo que venceu um jogo importante ou, no mundo dos negócios, a um contrato competitivo importante” — dois espaços tradicionalmente codificados por homens, movidos por decisões de soma zero. “Você ‘se pavoneia’ de forma diferente”, acrescentou, antes de chamar Trump de “Bad Ass” (abreviação de legitimidade masculina, militarismo e bravata).
Enquanto isso, após a operação, Trump enquadrou os Estados Unidos como um país vencedor cujos “grandes guerreiros americanos” “nunca, jamais falharão“, ignorando qualquer potencial custo humano das consequências do conflito. Essa dissonância existe há muito tempo na política externa, onde o sofrimento é defensável em nome da soberania nacional, mas a postura do governo Trump essencialmente transforma as crises internacionais em um espetáculo de vestiário.
Além disso, a atitude de Trump reduz a política externa — e a governança em geral — a resultados claros e viáveis. Isso marginaliza a complexidade da construção da paz, denegrindo o consenso arduamente conquistado que definiu a diplomacia do século XX. Para que a paz seja duradoura, ela precisa estar enraizada em esforços de diálogo e compreensão mútua.
Esta crise de masculinidade não se limita aos Estados Unidos. Trump é apenas uma expressão particularmente saliente de uma mudança mais ampla, à medida que jovens homens ao redor do mundo buscam líderes que reflitam sua raiva e descontentamento: o presidente argentino Javier Milei, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Em contraste, uma figura como a ex-candidata presidencial dos EUA Kamala Harris é descartada como alguém sobre quem esses homens, nas palavras de Trump, “pisariam”.
As repercussões são graves neste momento de policrise. Das mudanças climáticas à IA e à migração, os desafios transfronteiriços que exigem soluções coletivas estão sendo enfrentados com competição e isolacionismo. Em todo o mundo, os eleitores sentem cada vez mais que o contrato social está se desgastando — que, apesar de seus sacrifícios pessoais, a omissão das sociedades em agir deixa o futuro sombrio. À medida que a confiança na capacidade dos governos de promover mudanças se esvai, a lógica de “retribuição e vingança” — contra as elites, as mulheres, os imigrantes e o sistema internacional — ganha força.
Neste ponto crítico para a regulamentação da IA e a ação climática, essa lógica masculina estreita a imaginação política, tornando os Estados mais suscetíveis a riscos interconectados. Como doutrina de dominância, a masculinidade certamente criará alguns vencedores, mas à custa de instituições subequipadas para ameaças de longo prazo. Sua lógica permite que as pessoas acreditem que líderes individuais podem gerenciar crises sob o sistema atual — por exemplo, com soluções tecnológicas milagrosas. Isso permite que alguns poucos lucrem com soluções de curto prazo sem reformular os sistemas que as causaram.
A masculinidade em si não é o problema. Quando as sociedades permitem que a masculinidade abranja uma gama de identidades que rompem com o roteiro tradicional, ela pode até se tornar uma força . Papéis frequentemente associados à masculinidade — como o de protetor ou provedor — são valiosos para a sociedade. Mas, em vez de serem levados a guerras de ego, os homens devem basear sua liderança no cuidado e na cooperação.
Nomear a hipermasculinidade como lógica de governo é essencial para entender o que impulsiona a política externa atual — e o que isso pode custar aos cidadãos de todos os países, não apenas dos Estados Unidos. Os formuladores de políticas têm uma escolha: permanecer em ciclos de nacionalismo e vingança emocional ou retornar à luta pelo futuro da humanidade, juntos.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2025