
https://portugues.medscape.com/verartigo/6512840_2
Teresa Santos e Ilana Polistchuck
06 jun 2025
[Nota do Website: Mais um estudo que mostra como os venenos agrícolas interferem efetivamente na saúde da população. Por que não mudarmos isso? Temos no Brasil e no mundo, várias e várias propriedades que produzem alimentos sem a presença destas moléculas. Não entendemos como os agricultores que deveriam saber disso, não lhes chega esse conhecimento. Tanto dos efeitos maléficos como das soluções agrícolas que são produtivas e isentas de venenos].
Alguns agrotóxicos são citados com frequência
Os estudos observacionais incluídos na pesquisa citaram mais frequentemente o uso de alguns agrotóxicos, entre eles glifosato, paraquat (nota do website: herbicida) e manebe (nota do website: fungicida). Conforme ressalta a Dra. Tuane, somente o glifosato é liberado para uso no Brasil. No entanto, ela lembra que a revisão não permite inferir uma relação direta entre esses agentes e a doença de Parkinson.
“É importante enfatizar a nossa preocupação em não superestimar a associação encontrada entre a exposição a agrotóxicos e a ocorrência de doença de Parkinson no Brasil, porém também não podemos subestimá-la, já que nosso estudo corrobora o que diversas revisões sistemáticas e metanálises têm demonstrado em outros países”, diz a pesquisadora.
Para a Dra. Anna Letícia de Moraes Alves, médica neurologista, especialista em distúrbios do movimento e membro do Departamento Científico de Distúrbios do Movimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), a associação entre agrotóxicos e a doença de Parkinson no Brasil não é uma surpresa. Essa associação vem sendo demonstrada desde a década de 1990 e início dos anos 2000, evidenciando principalmente o herbicida paraquate como um fator de risco ambiental.
A literatura mostra, segundo a Dra. Anna Letícia, que o risco de doença de Parkinson aumenta “em até três vezes em pacientes que têm exposição ambiental, residencial ou ocupacional aos agrotóxicos”. Além disso, há algumas substâncias que são classicamente apontadas nessas associações, entre elas, além do paraquat, o herbicida rotenona; os inseticidas organoclorados como o diclorodifeniltricloroetano (DDT), proibido desde 1985 no Brasil; o fungicida manebe e o herbicida glifosato, o agrotóxico mais vendido no mundo.
Alguns agrotóxicos, como a rotenona e o paraquat, conseguem interferir no funcionamento mitocondrial das células. “Eles causam doenças neurodegenerativas e sintomas neurológicos justamente por aumentar o estresse oxidativo, por aumentar [a produção de] fatores que provocam adoecimento dessas células”, explica.
A evidência da causalidade vem de estudo em modelos animais. “Animais expostos a essas substâncias desenvolvem doenças neurodegenerativas, incluindo a doença de Parkinson, com neurodegeneração da substância negra, que é o cerne da doença de Parkinson”, explica.
Já o mecanismo molecular é justamente a disfunção mitocondrial, que leva a alteração do metabolismo da célula. Para a médica, o que mais surpreende é o fato de o paraquat só ter sido suspenso definitivamente do Brasil apenas em 2020, apesar do conhecimento dessa associação já ser antigo.
Associação potencializada
A revisão mostrou ainda que a associação entre exposição aos agrotóxicos e doença de Parkinson foi potencializada pela predisposição genética, particularmente por variações nos genes PINK1 e GST. Exposição ocupacional, residência em área não urbana, baixo nível de escolaridade e sexo masculino também foram outros fatores que potencializaram a associação.
Segundo a Dra. Tuane, esses fatores de risco são reportados por estudos semelhantes conduzidos em outras populações. “A etiologia da doença de Parkinson é considerada multifatorial, então é esperado que fatores intrínsecos ao indivíduo — a exemplo da predisposição genética — sejam encontrados”, destaca.
Mas ela lembra que somente uma pequena parcela dos diagnósticos de doença de Parkinson estão associados a questões hereditárias, o que demonstra a importância de outros fatores associados ao meio ambiente e ao estilo de vida. “Nesse contexto, era esperado que os indivíduos mais expostos aos agrotóxicos — como homens, residentes da área rural e pessoas que realizam o manejo direto [das substâncias] em suas atividades laborais — apresentassem maior ocorrência da doença”, afirma.
Impactos sobre tratamento e prevenção
Segundo a Dra. Anna Letícia, pacientes com doença de Parkinson que têm história de uso de agrotóxicos apresentam frequentemente uma forma tremulante, ou seja, eles tremem mais e a progressão da doença é um pouco mais rápida. O quadro, de acordo com a médica, demanda muito mais cuidados e doses maiores dos medicamentos. No entanto, o tratamento acaba sendo muito parecido com o de quem tem doença de Parkinson sem relação com agrotóxicos.
Já no campo da prevenção há muito espaço para mudança. Segundo a Dra. Tuane, a revisão brasileira evidencia fragilidades no monitoramento de agrotóxicos no país. Isso porque agrotóxicos de comercialização proibida há muitos anos foram citados nos estudos revisados, demonstrando a existência de um mercado ilegal que possibilita o acesso e uso de agentes químicos sabidamente danosos à saúde.
“Nossos achados são um alerta para a necessidade da implantação de políticas públicas efetivas e conscientização da população — principalmente a mais exposta — quanto aos riscos associados aos agrotóxicos e à necessidade do uso correto de equipamentos de proteção individual no manejo dessas substâncias”, defende.
Para a Dra. Tuane, a prevenção também passa por uma legislação mais rígida de controle do uso de agrotóxicos. Ela lembra ainda que as doenças neurodegenerativas também são preveníveis com mudança de estilo de vida. “A prática de exercício físico e uma alimentação com menos álcool, laticínios, gorduras saturadas e açúcar, mais composta por óleos, vegetais e frutas impactam muito na incidência dessas doenças”, explica.
No entanto, a especialista pontua que a questão dos agrotóxicos traz um contrassenso. “Tentamos corrigir os fatores de risco dessas doenças recomendando o consumo de alimentos que teoricamente são mais saudáveis do que os industrializados, mas esses alimentos contêm uma alta taxa de agrotóxicos, que pode estar associada a essas doenças. Então é algo muito preocupante: é preciso debater de forma séria como sociedade”, alerta.
Referências
- Santos JR, Mendes MC, Dallabrida KG et al. Pesticide exposure and the development of Parkinson disease: a systematic review of Brazilian studies. Cad Saude Publica 2025. doi: 10.1590/0102-311XEN011424.
- Ou Z, Pan J, Tang S et al. Global trends in the incidence, prevalence, and years lived with disability of Parkinson’s disease in 204 countries/territories from 1990 to 2019. Front Public Health 2021. doi: 10.3389/fpubh.2021.776847
- Dorsey ER, Elbaz A, Nichols E et al. Global, regional, and national burden of Parkinson’s disease, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet Neurol 2018. doi: 10.1016/S1474-4422(18)30295-3