Campo e cidade se uniram em marcha da abertura da 21ª Jornada de Agroecologia, em Curitiba. – Foto: Lia Bianchini/ Comunicação Jornada de Agroecologia
Mayala Fernandes
08 de dezembro de 2024
[NOTA DO WEBSITE: Parece que as soluções para a produção de alimento verdadeiro e não ‘commodities’ que servem para alimentar porcos, salmões, vacas e outros animais tanto na China como na Europa, temos tudo aqui bem vivo e vivido no Brasil. Onde estamos nós os consumidores nacionais que não elevamos esse belo e humano trabalho de outros brasileiros que fazem tudo isso não só para eles, mas para nós também? Nossa opção política é que muito poucos tenham toda a vantagem da devastação do ‘ogronegócio/agronecrócio’ ou por muitos que estão a serviço de todos nós?].
Produtores e artesãos destacam caminhos para a sustentabilidade, preservação ambiental e integração dos povos.
A agroecologia tem sido apontada como uma solução para crises ambientais, sociais e alimentares no Brasil. Para Antônio Capitani, produtor agroecológico e um dos fundadores da Cooperativa Terra Livre, ela vai além da técnica. “A agroecologia é um modo de vida que nos salva do fim do mundo”. Capitani reforça que o sistema agroecológico é essencial para preservar recursos naturais e evitar a destruição ambiental. “A gente não vive sem a terra, a água e a floresta. A natureza nos dá alimentos e remédios; precisamos cuidar disso.”
O movimento agroecológico tem ganhado força como alternativa ao modelo do agronegócio. Seu papel é importante para fortalecer a agricultura familiar, combater a insegurança alimentar e reduzir os impactos da crise climática. Além de produzir alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos, promove a autonomia dos povos, o trabalho coletivo e a valorização das culturas locais.
Na 21ª Jornada de Agroecologia, realizada em Curitiba, no Paraná, entre os dias 4 e 8 de dezembro, esses valores estiveram em evidência em debates, oficinas, apresentações culturais e em uma feira de produtos agroecológicos.
“A Jornada nasceu para fortalecer nosso projeto de vida e demonstrar para a sociedade o que estamos construindo”, afirmou Capitani. “É um espaço de encontro entre povos, uma confraternização entre o campo e a cidade”.
O campus Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi palco de uma troca de saberes entre povos do campo, das águas e das florestas, que apresentaram soluções agroecológicas para transformar a produção de alimentos e incentivar estilos de vida sustentáveis.
Elizandra Fysanh Freitas, educadora indígena da maior Terra Índigena (TI) do Paraná, Rio das Cobras, localizada em Nova Laranjeiras, região Central do Paraná, destacou que a agroecologia é parte da essência indígena. “Queremos mostrar que o modo de fazer agroecologia vem do nosso ser e saber tradicional”, explicou. “Praticamos a agroecologia há muito tempo, ela não é algo distante do nosso modo de pensar.”
A TI Rio das Cobras exemplifica práticas agroecológicas como o cultivo sustentável da terra, extrativismo responsável e iniciativas como a produção de geleias naturais com frutas nativas. Agricultores indígenas também fornecem alimentos orgânicos certificados para ações como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Elizandra Fysanh Freitas é educadora do campo pela Universidade Federal da Fronteira Sul e mestre em educação. / Foto: Mayala Fernandes
Além do modo de vida alinhado aos princípios da agroecologia, os povos indígenas desempenham um papel fundamental na preservação ambiental no Brasil. Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA), realizado em 2022, revelou que nos últimos 35 anos Terras Indígenas preservaram 20% das florestas nacionais.
Essas áreas também são responsáveis pela sobrevivência de grande parte do agro brasileiro. Um estudo recente divulgou que 80% da área coberta por lavouras e pastagens no Brasil depende das chuvas geradas pelas florestas mantidas de pé nas TI da Amazônia. O estado do Paraná é o estado mais impactado por essas chuvas, 25% da precipitação do estado é oriunda dessas TI. O estudo foi desenvolvido pelo Instituto Serrapilheira, organização que financia projetos de ciência e jornalismo científico no Brasil.
Contudo, os territórios indígenas continuam enfrentando ameaças constantes. “Nossos territórios estão sendo invadidos por arrendamento de terras. Para conter o avanço do agronegócio, precisamos de união entre os movimentos sociais e o movimento indígena”, alertou Elizandra.
A presença indígena na Jornada este ano trouxe uma novidade: espaços dedicados a debates e discussões, algo inédito nas edições anteriores. “Estamos aqui para colaborar e construir juntos, não apenas vender artesanatos”, ressaltou Elizandra. Segundo ela, a luta por demarcação de terras, comida saudável e preservação da natureza une os movimentos.
Produção de alimentos
A Cooperativa Terra Livre produz cerca de 20 toneladas de alimentos orgânicos semanalmente. / Foto: Giovani Sella/ Comunicação Jornada de Agroecologia
Um dos destaques da 21ª Jornada de Agroecologia foi a feira da agrobiodiversidade, que reuniu dezenas de empreendimentos da economia solidária, agroecologia e reforma agrária. O evento destacou a produção das redes, movimentos sociais, coletivos e cooperativas populares de todo o Paraná.
Entre os expositores, estava a Cooperativa Terra Livre, presidida por Antônio Capitani. A cooperativa apresentou uma variedade de produtos, como verduras e hortaliças, fruto do trabalho de cerca de 250 sócios certificados como produtores orgânicos. Juntos, produzem aproximadamente 20 toneladas de alimentos livres de agrotóxicos por semana.
“Nossa proposta é trabalhar com produção orgânica certificada e apoiar famílias que desejam fazer a transição. Queremos mudar a consciência das pessoas”, afirma Capitani.
A agricultura familiar responde por cerca de 70% dos alimentos que chegam às casas brasileiras, segundo o Instituto Brasilieiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O setor ocupa 67% das áreas rurais do país, com quase 4 milhões de propriedades, e é a oitava maior produtora de alimentos do mundo.
Com uma economia ativa em 90% dos municípios com até 20 mil habitantes, que representam 68% do total de cidades brasileiras, a agricultura familiar gera 23% do Valor Bruto da Produção Agropecuária nacional, conforme dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Os produtos da Cooperativa Terra Livre, em maior parte, são comercializados por meio de programas governamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).Na cooperativa, trabalhamos em união. Sozinho não tenho força, mas, cooperando, somos fortes”, ressalta Capitani.
Ele explica que cerca de 80% da renda dos agricultores da cooperativa vem de programas governamentais. “Graças a isso, as famílias têm qualidade de vida. Hoje, temos acesso a muito mais coisas”, diz.
Antônio Capitani é presidente da Cooperativa Terra Livre e produtor agroecológico. / Foto: Mayala Fernandes
O Pnae atende mais de 40 milhões de estudantes em todo o país, oferecendo mais de 50 milhões de refeições diariamente. A Lei nº 11.947 determina que 30% do valor repassado ao Pnae deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar. Em 2023, o valor de recursos do programa teve um aumento de 75%, passando de R$ 4,5 bilhões em 2021 para R$ 7,9 bilhões.
“Já superamos a fase em que diziam que produtos orgânicos eram feios e de baixa qualidade. Hoje, entregamos padrão e qualidade nos alimentos”, diz Capitani orgulhoso. “E o maior benefício dessa produção é para a nossa saúde, deixamos de consumir alimentos com veneno”.
Capitani conta que trabalhou como servente de trator aplicando agrotóxico em lavouras durante um ano. “Naquele período eu percebi que aquela não era a vida que eu escolhi. Veneno mata, não apoio ninguém a passar veneno”, diz.
Um estudo revelou níveis elevados de 11 agrotóxicos na água que abastece 127 cidades produtoras de grãos no Paraná, que abrigam cerca de 5,5 milhões de pessoas. Segundo a pesquisa, feita por pesquisadores da Universidade do Oeste do Paraná (Unioeste), o problema está associado a pelo menos 542 casos de câncer diagnosticados em moradores da região Oeste do estado, entre 2017 e 2019.
Além de mais saudável, o alimento orgânico vem ganhando espaço entre os brasileiros. Uma pesquisa do Panorama do Consumo de Orgânicos no Brasil, realizada em 2023, mostrou que 46% da população brasileira consome alimentos orgânicos. Entre 2021 e 2023, houve um crescimento de 16% no consumo desses alimentos.
“Quem produz diversidade? Os pequenos agricultores familiares. Se o governo apostar mais na agricultura familiar e na reforma agrária, o campo vai gerar ainda mais diversidade e abastecer as mesas das famílias brasileiras”, diz Capitani.
Eduardo de Sá Mendonça, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), destaca que o Brasil possui uma grande necessidade de ações dentro do olhar agroecológico. “É preciso criar mais ações afirmativas e proporcionar para as pessoas do campo uma vida digna. Não falamos apenas sobre poder financeiro, mas também aumento da qualidade de vida. São olhares diferentes e é isso que a agroecologia traz”.
Economia solidária
Bernadete e seus colegas artesão da Feira Permanente de Curitiba / Foto: Lucas Botelho
Outro destaque da Jornada foi a participação de artesãos da economia solidária, vindos tanto da capital quanto do interior do Paraná. Os produtos variaram entre biojoias, acessórios, artes gráficas e itens sustentáveis para o lar.
Para a artesã Bernadete Cosme da Silva, que integra a Associação Feira Permanente de Curitiba e a Rede Mandala, a economia solidária transforma vidas. “Ela impacta nossa autoestima, consciência, entendimento do mundo e do nosso território. Conforme as pessoas participam, se tornam seres humanos melhores”, reflete.
Bernadete enfatiza o papel desse modelo econômico na vida das mulheres, frequentemente excluídas de outras oportunidades. “A economia solidária acolhe as mulheres, independente da idade. Nosso grupo é formado, em sua maioria, por mulheres.”
Além de promover justiça nos preços e minimizar desperdícios, a economia solidária aposta na sustentabilidade. “Priorizamos produtos que não agridem a natureza e aproveitamos o máximo possível do material”, explica Bernadete.
Apesar dos avanços, Bernadete aponta desafios, como a falta de reconhecimento do poder público, “As leis não nos favorecem. Lutamos constantemente por espaços para trabalhar e expor nossos produtos. O que temos nesta Jornada é muito importante”, destaca.
A economia solidária é feita através do trabalho coletivo e se apresenta como uma contra proposta para o sistema de produção capitalista. “O nosso trabalho não é solitário, mas sim coletivo. Mesmo que eu esteja sozinha na barraca, estou comercializando o que meu grupo produz. Na economia solidária não existe o ‘eu’, apenas o ‘nós’”, diz a artesã.