Saúde: Nova via biológica pode explicar a associação entre exposição ao BPA e transtorno do espectro autista

Autismo: A Epidemia Oculta

E-book de nosso website que trata do autismo na visão de uma médica da Inglaterra.

https://portugues.medscape.com/verartigo/6511681

Patrice Wendling

18 de setembro de 2024

[NOTA DO WEBSITE: A questão do BPA já teve sua repercussão mundial em meados dos anos 2000, mas cada vez que se lê um sugestão que se ‘precisa mais estudos’, são mais crianças que ainda nem nasceram, que estão sob alto risco. Não seria mais ético e humano se todas as moléculas sintéticas que até se supõe serem danosas, fossem imediatamente retiradas do mercado até que as corporações comprovassem que seriam inócuas? Por que se continua a utilizá-las e com isso ‘podendo-se’ lesar as futuras gerações até um ponto que tudo se torne irreversível?].

A exposição pré-natal ao produto químico bisfenol A (BPA) está associada a maior risco de transtorno do espectro autista (TEA) em homens, possivelmente devido à interferência em uma enzima essencial no cérebro em desenvolvimento.

O BPA é um potente disruptor endócrino encontrado em plásticos de policarbonato e resinas epóxi e foi proibido pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para uso em mamadeiras, copinhos com canudinhos e embalagens de fórmulas infantis (nt.: e o restante dos produtos de consumo diário que também têm estas resinas? Podemos simplesmente ignorá-las?).

“Já foi demonstrado em vários estudos que a exposição ao BPA está associada ao autismo na prole”, afirmou em comunicado a pesquisadora principal, Dra. Anne-Louise Ponsonby, Ph.D., do The Florey Institute of Neuroscience and Mental Health, na Austrália.

“Nosso trabalho é importante porque revela um dos mecanismos biológicos potencialmente envolvidos. O BPA pode interromper o desenvolvimento cerebral do feto masculino controlado por hormônios de várias maneiras; entre elas, ocasionando o silenciamento da aromatase, enzima que controla os neuro-hormônios e é especialmente importante no desenvolvimento do cérebro fetal masculino. Isso parece fazer parte do quebra-cabeça do autismo”, disse ela (nt.: conseguem perceber que estes danos se dão na fase fetal dos seres vivos, humanos ou não? E o que acontece nesta fase é absoluta e totalmente irreversível? Nada se pode fazer, até pela impossibilidade de se definir quando esta ação dos disruptores estão se processando. Não é um crime civilizatório de todos nós, consciente ou inconscientemente?)

A aromatase cerebral, codificada pelo gene CYP19A1, converte andrógenos neurais em estrogênios neurais e tem sido relacionada ao TEA. Análises post-mortem de homens com TEA também mostraram redução acentuada na atividade da aromatase (nt.: aqui não está dito, mas a interrupção dos hormônios masculinizantes acabam gerando o que a ciência está dizendo: os machos estão sendo, fisiologicamente, feminizados. Por essas ações de interrupção hormonal, impedem que os seres XY possam fazer as passagens naturais dos seus hormônios masculinos, transformando, fisiologicamente as estruturas femininas em masculinas.)

Os achados foram publicados on-line em 07 de agosto no periódico Nature Communications.

Novo mecanismo biológico

Para o estudo, os pesquisadores analisaram dados de 1.067 crianças da coorte australiana BIS. Na faixa etária de sete a 11 anos, 43 delas apresentaram um diagnóstico confirmado de TEA, e 249 participantes com dados da Child Behavior Checklist (CBCL) tinham pontuações para TEA acima da mediana aos dois anos.

Os pesquisadores criaram um escore genético do CYP19A1 para a atividade da aromatase, com base em cinco polimorfismos de um nucleotídeo específico, associados a níveis mais baixos de estrogênio. Entre 595 crianças com BPA e CBCL pré-natais, as que apresentaram três ou mais variantes foram classificadas como “baixa atividade da aromatase”, enquanto as demais receberam classificação de “alta atividade da aromatase”.

Na análise de regressão, meninos com baixa atividade de aromatase e alta exposição pré-natal ao BPA (quartil superior > 2,18 µg/L) tiveram probabilidade 3,5 vezes maior de apresentar sintomas relacionados ao TEA aos dois anos de idade (razão de chances [RC] de 3,56; intervalo de confiança [IC] de 95% de 1,13–11,22).

As chances de um diagnóstico confirmado de TEA foram seis vezes maiores aos nove anos apenas em meninos com baixa atividade da aromatase (RC = 6,24; IC de 95% = 1,02-38,26).

Os pesquisadores também constataram que níveis mais altos de BPA foram capazes de predizer uma maior metilação no sangue do cordão umbilical na região PI.f do promotor cerebral do CYP19A1 (P = 0,009).

Para replicar os achados, foram utilizados dados da coorte estadunidense Columbia Centre for Children’s Health Study-Mothers and Newborns. O nível de BPA foi novamente associado à hipermetilação do promotor cerebral da aromatase PI.f (P = 0,0089).

Em ambas as coortes, houve evidências de que o efeito do aumento do BPA na hipermetilação do fator neurotrófico derivado do cérebro foi mediado em parte pela maior metilação do gene da aromatase (P = 0,001).

Para validar os achados, os pesquisadores analisaram as linhas celulares SH-SY5Y do neuroblastoma humano e constataram que os níveis da proteína aromatase foram reduzidos em mais da metade na presença de BPA 50 µg/L (P = 0,01).

Além disso, estudos em modelos murinos mostraram que animais machos expostos ao BPA 50 µg/L na metade da gestação e animais machos geneticamente modificados para inativar o gene da aromatase — mas não animais fêmeas — apresentaram déficits de comportamento social, como a interação com outros animais, além de alterações cerebrais estruturais e funcionais.

“Constatamos que o BPA suprime a enzima aromatase e está associado a alterações anatômicas, neurológicas e comportamentais em animais machos, o que pode ser consistente com o TEA”, afirmou em um comunicado a Dra. Wah Chin Boon, Ph.D., copesquisadora principal e pesquisadora associada ao The Florey Institute of Neuroscience and Mental Health.

“Esta é a primeira vez que uma via biológica identificada pode ajudar a explicar a conexão entre TEA e BPA”, acrescentou.

“Neste estudo, os níveis de BPA eram superiores àqueles aos quais a maioria das pessoas seria exposta, e, em pelo menos um dos experimentos, os animais receberam injeções com BPA diretamente, enquanto os humanos foram expostos por meio de alimentos e bebidas”, observou o Dr. Oliver Jones, Ph.D. e professor de química da RMIT University, na Austrália. “Se você ingerir o alimento, ele é metabolizado antes de chegar à corrente sanguínea, o que reduz a dose efetiva”.

Ele explicou que são necessários mais estudos com amostras maiores e com aferição do BPA durante a gestação, bem como de outros produtos químicos aos quais a mãe e a criança foram expostas, para confirmar qualquer associação desse tipo. “Só porque há um possível mecanismo em vigor, não significa automaticamente que ele seja ativado”, argumentou ele.

A Dra. Anne-Louise destacou que o BPA e outros produtos químicos disruptores endócrinos são “quase impossíveis de se evitar nos indivíduos”, podendo entrar no organismo por meio de embalagens plásticas de alimentos e bebidas, fumaça de reformas residenciais e cosméticos.

Ácido graxo é útil?

Com base em observações anteriores de que o ácido 10-hidroxi-2-decenoico (10HDA) pode ter atividades moduladoras estrogênicas, os pesquisadores conduziram estudos adicionais sugerindo que o 10HDA pode ser eficaz como um ligante competitivo capaz de neutralizar os efeitos do BPA na sinalização de estrogênio no meio intracelular.

Além disso, entre filhotes de camundongos de três semanas de idade expostos ao BPA no período pré-natal, injeções diárias de 10HDA por três semanas mostraram melhoras significativas na interação social. A interrupção do 10HDA resultou em um déficit nesse comportamento, que foi novamente amenizado pelo tratamento subsequente com 10HDA.

“O ácido 10HDA demonstrou potencial preliminar para ativar vias biológicas opostas e melhorar características semelhantes ao TEA em animais expostos ao BPA durante o pré-natal”, afirmou a Dra. Wah. “Isso justifica a realização de estudos adicionais para verificar se esse potencial tratamento pode ser realizado em humanos”.

O Dr. Oliver comentou que “os estudos em humanos são limitados”, em grande parte porque os níveis de BPA foram testados apenas uma vez em 36 semanas na coorte BIS.

“Eu argumentaria que, se o BPA está na urina, ele foi excretado e não está mais na corrente sanguínea; portanto, não é capaz de influenciar a criança”, disse ele ao Medscape. “Eu também diria que uma única medição em 36 semanas não é capaz de oferecer uma visão completa da exposição da mãe ao BPA durante o restante da gestação, ou ao que a criança foi exposta após o nascimento”.

O estudo foi financiado pela Minderoo Foundation, pelo National Health and Medical Research Council of Australia, pelo Australian Research Council e por vários outros patrocinadores. A Dra. Wah Chin Boon é uma coinventora em “Methods of treating neurodevelopmental diseases and disorders” e é membro do conselho da Meizon Innovation Holdings. A Dra. Anne-Louise Ponsonby é consultora científica da Meizon Innovation Holdings. Os demais autores informaram não ter conflitos de interesses.

Este conteúdo foi traduzido do Medscape