Modelo de integração e de paz para muitas democracias do mundo, a Europa está escorrendo por várias veias, entre elas a Grécia. É o que aparece no manifesto assinado por personalidades como Umberto Eco, Salman Rushdie e Bernard-Henri Lévy.
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A reportagem é de Eduardo Febbro e está publicada no jornal Página/12, 28-01-2013. A tradução é do Cepat.
“A unidade da Europa era o sonho de uns poucos. Tornou-se uma esperança para muitos. Hoje é uma necessidade para todos nós”. A frase do ex-chanceler alemão Konrad Adenauer tem um lugar na história. Foi pronunciada 10 anos antes que França e Alemanha assinassem, no dia 22 de janeiro de 1963, o tratado de cooperação franco-alemão conhecido como o Tratado dos Elíseos. Esse texto marca um passo definitivo rumo à reconciliação entre Paris e Berlim e reforçou a construção europeia. Transcorreram exatamente 50 anos e esse “sonho” e essa “necessidade” estão hoje em pleno marasmo. A Europa está indo a pique. É precisamente isso que constata um grupo importante de intelectuais europeus que publicaram um manifesto cujos três primeiros parágrafos dão conta da orfandade que ameaça o Velho Continente: “A Europa não está em crise, está morrendo. Não a Europa como território, naturalmente, mas a Europa como Ideia. A Europa como sonho e como projeto”.
Este grupo de filósofos, escritores, psicanalistas e jornalistas, entre os quais se encontram personalidades como Umberto Eco, Salman Rushdie, Fernando Savater, Bernard-Henri Lévy, Claudio Magris ou Julia Kristeva apela à consciência dos dirigentes para que não se apague o sonho da unidade europeia surgido depois da Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, os intelectuais anotam que “esta Europa como vontade e representação, como quimera e como obra, esta Europa que nossos pais colocaram em pé, esta Europa que soube tornar-se uma ideia nova, que foi capaz de proporcionar aos povos que acabavam de sair da Segunda Guerra Mundial uma paz, uma prosperidade e uma difusão da democracia inéditas, mas que, diante dos nossos próprios olhos, está se desfazendo mais uma vez”. Em termos de produto interno bruto, PIB, a Europa é sem dúvida a maior potência econômica que existe. Mas isso não basta porque, para os autores do manifesto, essa potência econômica tragou a ideia de Europa e o Velho Continente sonhado por seus pais fundadores está se “desfazendo em Atenas, uma de suas cunhas, em meio à indiferença e ao cinismo de seus países irmãos”.
Modelo de integração e de paz para muitas democracias do mundo, a Europa vai morrendo por várias veias, começando por um de seus pilares, isto é, a Grécia: “Dá a impressão de que os herdeiros daqueles grandes europeus, enquanto os helenos travam uma nova batalha contra outra forma de decadência e sujeição, não têm nada melhor a fazer que castigá-los, estigmatizá-los, pisoteá-los e, a partir dos planos de rigor e de austeridade impostos, são despojados do princípio de soberania que, há tanto tempo, eles mesmos inventaram”. Esse diagnóstico vale também para a Itália, país onde se inventou a “distinção entre a lei e o direito, entre o homem e o cidadão”, país “que está na origem do modelo democrático que tanto contribuiu”, e, hoje, está “doente de um ‘berlusconismo’ que não acaba mais”. Doença crucial que envolve também o ideal europeu e que faz da Itália “o doente do continente. Que miséria! Que ridículo!”.
O apelo destes intelectuais do Velho Mundo é tão dramático quanto lúcido. Em sua breve e apaixonada demonstração, o texto mergulha na grande miséria europeia contemporânea: miséria moral, ética, miséria da solidariedade, miséria dos ideais que os europeus impulsionaram pelo mundo.
Daí que o manifesto insista em que a Europa faz água por todos os lados: “De leste a oeste, de norte a sul, com a ascensão dos populismos, dos chauvinismos, das ideologias de exclusão e ódio que a Europa tinha precisamente como missão marginalizar, esfriar, e que voltam vergonhosamente a levantar a cabeça. Quão distante está a época em que, pelas ruas da França, em solidariedade com um estudante insultado pelo dirigente de um partido de memória tão escassa como suas ideias, se cantava ‘todos somos judeus alemães’? Quão distante parecem hoje os movimentos de solidariedade, em Londres, Berlim, Roma, Paris, com os dissidentes daquela outra Europa que Milan Kundera chamava de Europa cativa e que parecia o coração do continente! E, quanto à pequena internacional de espíritos livres que lutavam, há 20 anos, por essa alma europeia que encarnava Sarajevo, sob as bombas e presa de uma impiedosa ‘limpeza étnica’, onde está? Por que já não é mais ouvida?”
Sonho e realidade dos quais, imediatamente, milhões de indivíduos acordam sacudidos pela crise do euro, “essa moeda única abstrata, flutuante porque não está ancorada na economia, nos recursos e em um sistema fiscal convergente”. O horizonte desenhado pelos abaixo-assinantes do manifesto para voltar a dar corpo ao sonho europeu é a união política do Velho Continente, sem a qual não haverá vida possível: “O teorema é implacável. Sem federação não há moeda que se sustente. Sem unidade política, a moeda dura algumas décadas e depois, aproveitando uma guerra ou uma crise, será dissolvida”.
O apelo divulgado neste final de semana coloca um paradigma curioso: “Antes se dizia: socialismo ou barbárie. Hoje é preciso dizer: união política ou barbárie. Melhor dito: federalismo ou explosão e, na loucura da explosão, regressão social, precariedade, desemprego disparado, miséria. Melhor dito: ou a Europa dá um passo a mais, e decisivo, rumo à integração política, ou sai da História e se afunda no caos. Já não resta outra opção: ou a união política ou a morte”. A corrida vertiginosa para esse fim da Europa já começou, dizem os autores, e se não forem tomadas as medidas adequadas e não simples maquiagens, nada a deterá: “A Europa sairá da História. De uma ou de outra forma, se não se fizer algo, desaparecerá. Isto deixou de ser uma hipótese, um vago temor, um pano vermelho que se agita diante dos europeus recalcitrantes. É uma certeza. Um horizonte insuperável e fatal. Todo o resto – truques de magia de alguns, pequenos acordos de outros, fundos de solidariedade por aqui, bancos de estabilização por ali – serve apenas para atrasar o fim e entreter o moribundo com a ilusão de uma sobrevida”.
Serão escutados estes herdeiros do pensamento crítico que ainda parece conservar essa dimensão tão europeia que consiste em nunca perder a capacidade crítica frente ao comportamento dos Estados? Apostar nisso seria outro sonho: entre socialdemocratas que desenham políticas liberais, socialistas ajoelhados diante das grandes corporações e capazes de voltar a servir a bandeja da “guerra contra o terrorismo islâmico” para justificar intervenções militares em outros países – Mali –, enquanto as pessoas morrem como moscas na Síria, entre governos liberais sacudidos por níveis de corrupção dignos de comédias, que não se vê por onde possa aparecer alguém capaz de encarnar o grande sonho europeu. Ao menos que aqueles que o fomentaram se levantem de suas tumbas.