Descarte irregular de remédio faz peixes perderem capacidade de reprodução, mostra pesquisa.

O descarte irregular de remédios pela rede de esgoto faz com que os peixes masculinos percam a capacidade de fecundar óvulos e, em casos mais graves, até desenvolvam ovas, característica feminina. Essa é a constatação do professor do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Wilson Jardim, em uma pesquisa no rio Atibaia, que abastece 90% de Campinas.

 

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A quantidade de princípios de medicamentos varia de região para região, mas, de acordo com o estudo, há mais de uma centena de substâncias que atingem o sistema de reprodução dos peixes correndo nos rios da região de Campinas, todas em quantidades suficientes para causar danos a seu delicado sistema reprodutor.

De acordo com o ambientalista Henrique Padovani, da Associação Paulinense de Proteção Ambiental e integrante do Greenpeace Brasil, que trabalha in loco no Atibaia, o ciclo reprodutivo tem sido “drasticamente modificado” por conta do descarte irregular de substâncias no esgoto. “A reprodução não ocorre mais como deveria. Existe um fenômeno que não é natural. Já retirei do rio exemplares masculinos com ovas”, comentou.

Segundo Wilson, uma das grandes vilãs para a situação é a pilula anticoncepcional, que tem efeito direto nas glândulas sexuais nos animais. Dependendo da quantidade de substâncias, os machos têm reações que vão desde perder o interesse nas fêmeas até mudança no sistema reprodutor, com produção de ovas. “Já dispomos de estudos científicos que apontam que esses compostos têm causado sérios danos aos organismos aquáticos. Está comprovado, por exemplo, que eles podem provocar a feminização de peixe”, disse.

Descarte – O coordenador da comissão de resíduos sólidos do CRFSP (Conselho Regional de Farmácia de São Paulo), Rafael Corrêa Figueiredo, explica que os medicamentos devem ser descartados no local certo, e então, incinerados. “Muitas das farmácias não fazem do modo certo, alegando os mais variados fatores. A maior parte tem que ser incinerados ou então, descartado como resíduos químicos”, comentou.

A Anvisa (Agência Nacional da Vigilância Sanitária) disse que o descarte aleatório traz agressões ao meio ambiente, e por isso, trabalha na PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), na qual prevê a implantação e operacionalização dos sistemas de logística para a restituição e destinação correta dos resíduos sólidos.

Saneamento – Jardim também ressaltou que o descarte irregular, normalmente feito por pessoas que jogam medicamentos sem uso no vaso sanitário ou na pia, ou mesmo em algum pequeno rio perto de casa, não é o único problema. “Há também o descarte natural, que vai junto com a urina e as fezes. Esse é impossível de se controlar, então, o foco tem que mudar. Além do trabalho de conscientização, tem que haver o trabalho bom de saneamento dos esgotos”, explicou.

O professor criticou o atual trabalho de saneamento das cidades do Brasil. “O nível de saneamento é ruim para a sexta economia do mundo, e isso gera um problema de qualidade dos rios. Temos um padrão de consumir como francês, pagar imposto de sueco e ter saneamento do continente africano”, comentou.

Contaminação chega à torneira – Uma outra pesquisa da qual Jardim participa, que analisa a água distribuída pelo sistema de abastecimento de 16 capitais, onde moram 40 milhões de pessoas, mostrou que, além de materiais que podem afetar o sistema reprodutor dos peixes, os cientistas encontraram nas amostras analisadas elementos químicos como herbicidas e até cafeina que não puderam ser retiradas da água e chegaram às torneiras dos consumidores mesmo depois do tratamento.

Os pesquisadores identificaram, por exemplo, a presença de cafeína em todas as 49 amostras coletadas no cano de entrada de residências espalhadas pelas cinco regiões do país. “Esse dado é relevante, pois a cafeína funciona como uma espécie de traçador da eficiência das estações de tratamento de água. Ou seja, onde a cafeína está presente, há grande probabilidade da presença de outros contaminantes”, explica Jardim.

Quanto aos humanos, prossegue Wilson Jardim, há indícios de que os contaminantes não legislados, especialmente hormônios naturais e sintéticos, como o estrógeno, podem provocar mudanças no sistema endócrino de homens e mulheres. Uma hipótese, que carece de maiores estudos, considera que esse tipo de contaminação poderia estar contribuindo para que a menarca (primeira menstruação) ocorra cada vez mais cedo entre as meninas.

(Fonte: UOL)