O descaso com que o governo tratou, em 2012, a agenda socioambiental, é prova contundente de que o país se coloca de costas para a problemática e caminha na contramão do debate mundial. Aos poucos vai se sedimentando a percepção de que o governo brasileiro, apesar da retórica quando fala de temas relacionados ao meio ambiente, não percebe – ou não quer perceber – que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional, que tem na mudança climática um dos seus fatores preponderantes.
http://www.ecodebate.com.br/2013/01/03/especial-2012-agendas-ambiental-e-indigena-sofrem-retrocessos-em-2012/
No debate ambiental o governo não pecou por omissão. Foi ainda mais grave. Foi conivente, negligente e leniente com o retalhamento dos temas que envolvem a agenda ambiental e indígena. O governo tratou o tema como um aborrecimento que lhe cria problemas e divide a sua base de apoio político. Há sinais evidentes de que se experimentou nesta área retrocessos injustificáveis para um país com as potencialidades do Brasil.
Na agenda do governo, os temas prioritários foram os econômicos e sociais. Os problemas ambientais e indígenas foram laterais, secundários. Estorvos que vira e mexe voltam à tona e que precisavam ser administrados para se evitar maiores danos à base política. Eventuais recuos do governo em relação ao atropelamento da agenda ambiental e indígena apenas se deram quando houve forte pressão do movimento social e ambientalista ou devido ao mal-estar junto à comunidade internacional.
As agendas ambiental e indígena não foram estratégicas no governo Dilma Rousseff e não se inserem no seu projeto de Nação. Não se viu, por parte do governo, iniciativas ousadas nessas áreas. Pelo contrário, a agenda governamental é reativa e subordinada aos setores conservadores, como se viu em questões como o Código Florestal, a matriz energética e mineral, a transposição do Rio São Francisco e a agenda indígena, entre outros.
Entretanto, esse modus operandi do governo – mas também em muitos casos do Estado – não está dissociado das tendências atuais do capitalismo no mundo, sedento de recursos naturais e de commodities, razão pela qual, aliás, toda a América Latina volta a figurar no cenário mundial como grande – e último? – “reservatório e fornecedor de recursos naturais” sobre o qual empresas multinacionais se lançam qual abutres sobre a carniça.
O Brasil participa desta expansão capitalista através do modelo neodesenvolvimentista. As bases do modelo neodesenvolvimentista se fazem a partir da recuperação do papel do Estado como indutor do crescimento econômico. Um Estado que alavanca a infraestrutura para assentar as cadeias produtivas do capital privado.
Uma das pontas de lança do modelo em curso é a hiperexploração de uma das últimas fronteiras do país: a Amazônia legal. A região já foi palco de um primeiro ciclo de exploração, nos anos 70, a partir da tese da geopolítica de segurança dos militares que decidiram ocupá-la com o projeto de transferência de populações para a região. O ciclo desenvolvimentista em curso na região nesse momento, entretanto, é incomparavelmente maior e o aumento da violência e dos impactos ambientais e sociais na região está relacionado a essa nova dinâmica.
Ainda mais grave, e na raiz da tensão dos acontecimentos sociais e ambientais, está o fato de que o modelo de exploração é exógeno à região e implantado a custa das riquezas e populações locais. Os grandes projetos que chegam à região estão voltados para interesses externos. Por um lado, tem-se a exportação de madeira, da soja, da carne, de ferro-gusa e alumínio, sobretudo para países que não querem arcar com os custos socioambientais dessas atividades, que são pesados; por outro, e para viabilizar essa lógica econômica, tem-se os grandes investimentos em projetos de infraestrutura energética – hidrelétricas – e de apoio logístico – rodovias e hidrovias. A região presta-se ainda à expansão dos interesses do agronegócio – soja, etanol e pecuária.
Plataforma de exportação. É nisso que vem se transformando a Amazônia legal, uma região que produz commodities – primarização da economia – para outros países e para o consumo do Brasil desenvolvido, a região sudeste. É nesse contexto que se insere a construção de mega-hidrelétricas – Belo Monte, Complexo Madeira, Complexo Tapajós, abertura de rodovias e hidrovias, ampliação da exploração de madeira e minérios, expansão da pecuária e das monoculturas da soja e da cana-de-açúcar.
Na contramão, mas como constitutivo desse modelo, deu-se nos últimos anos um recrudescimento da violência na região amazônica brasileira sofrida por posseiros, mas também por indígenas. Esses fatos, aparentemente isolados, relacionam-se a partir da dinâmica expansionista do capitalismo brasileiro na região Norte do país e que tem a Amazônia legal como novo cenário.
Por essas razões, em março passado, diversas organizações da sociedade civil lançaram em São Paulo, em uma coletiva de imprensa, um documento para alertar a sociedade brasileira sobre os retrocessos que vêm sendo constatados na área socioambiental e estimular a reflexão para incentivar ações que revertam esse quadro.
A timidez e o retrocesso na agenda socioambiental tornam-se especialmente visível em alguns temas: Código Florestal, transposição do Rio São Francisco, matriz e política energética e no tratamento dado à questão indígena. Vejamos, embora sucintamente, cada um em particular.