Reprodução Instagram
Anna Beatriz Anjos
21 de setembro de 2023
[NOTA DO WEBSITE: Chega até a ser irônico como a violência tem persistido por mais de 500 anos, depois da famigerada Bula Papal ‘Inter caetera’. O autoritarismo e a arrogância vem nutrindo os corações e mentes ‘cristãs’ dos invasores de todos os tempos!].
Movimento ocorre logo depois que avançou o processo de demarcação da terra indígena; a área é disputada por fazendeiros.
Associação Juruna denuncia que houve intimidação aos indígenas
Quase 80% da área requerida pelos indígenas é ocupada por fazendas
A Associação Pastana Yudja Juruna do Xingu (Apyjx) denunciou e repudiou uma “visita técnica” realizada sem autorização por deputados federais do Partido Liberal (PL) no último sábado (16) à Terra Indígena (TI) Kapôt Nhinore, localizada na divisa entre os estados de Mato Grosso e Pará.
Em um ofício enviado na segunda-feira (18) à Fundação dos Povos Indígenas (Funai), aos ministérios dos Povos Indígenas e da Segurança Pública, ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, o presidente da entidade, Daniel Yudja Juruna, pediu às autoridades que investiguem a ida dos deputados Coronel Fernanda e José Medeiros, do Mato Grosso, e Silvia Waiãpi, do Amapá, ao território. Ainda no dia 16, Juruna também registrou um boletim de ocorrência sobre o fato na delegacia da cidade de Confresa (MT).
A TI Kapôt Nhinore, ocupada tradicionalmente pelos povos Yudja e Mebengokrê (conhecidos como Juruna e Kayapó, respectivamente), é onde o cacique Raoni Metuktire nasceu e passou sua juventude. Alguns de seus familiares, como seu pai, estão enterrados lá. Hoje, ele vive em uma terra indígena vizinha, Capoto Jarina, também no Mato Grosso.
A ida dos deputados ao local ocorreu no âmbito dos trabalhos da recém-criada Comissão Externa Sobre a Delimitação da Terra Indígena Kapôt Nhinore, instituída pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em 9 de agosto, a pedido da Coronel Fernanda, que assumiu sua coordenação.
A solicitação foi feita poucos dias depois que o processo de demarcação da terra indígena começou a avançar. No fim de julho, durante o “Chamado de Raoni”, evento que reuniu diversas lideranças indígenas e autoridades na aldeia Piaraçu, na TI Capoto Jarina, a Funai anunciou que haviam sido aprovados os estudos de identificação e delimitação da Kapôt Nhinore – uma das primeiras etapas do processo. Os trabalhos de identificação da área se arrastaram durante quase vinte anos, desde 2004.
A justificativa para criar a comissão foi “apurar e acompanhar” o trabalho da Funai na demarcação do território e “seus impactos” para os três municípios pelos quais a TI se estende: Santa Cruz do Xingu e Vila Rica (MT) e São Félix do Xingu (PA). A área requerida pelos indígenas é fortemente disputada com fazendeiros. Levantamento feito pela Agência Pública revelou que 79% do território de 362 mil hectares é reivindicado também por proprietários rurais. É a TI em processo de demarcação com maior área em disputa no país.
Coronel Fernanda (ao meio) fala em uma das audiências públicas realizadas em Mato Grosso em 15 de setembro. À esquerda, Silvia Waiãpi
A reunião foi promovida para discutir a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhinore
O plano de trabalho da comissão, assinado pela Coronel Fernanda, alega que na região da Kapôt Nhinore há agricultores que “ali desenvolvem suas atividades agropecuárias há mais de 40 anos” e que o reconhecimento oficial da terra indígena pode “resultar em intermináveis conflitos agrários”.
Em documento onde descreve detalhes da visita – nomeado como “relatório da invasão política em nossa comunidade” –, a Apyjx aponta que a comitiva liderada pelos deputados teria chegado ao território por volta das 15h30 de sábado, sem autorização ou aviso prévio aos indígenas e à Funai. Naquele momento, os caciques estavam reunidos fora da aldeia, organizando uma viagem à Brasília para acompanhar o julgamento do marco temporal, retomado nesta quarta-feira (20) no Supremo Tribunal Federal (STF).
(Nota do website de 22.09.23: por acachapante 9:2, o famigerado Marco Temporal caiu por terra. Logicamente que os dois votos contra são dos bolsonaristas. Percebem agora o que representou a vitória da democracia sobre o neo-colonialista, com arroubos de fascismo, supremacista branco eurocêntrico que ainda persiste entre corações e mentes dos adeptos da doutrina da colonialidade entre nós, os nascidos no chamado Brasil?).
“Dentro da nossa comunidade, eles [os deputados e demais visitantes] falavam muito e tiravam fotos e faziam vídeos, fazendo sempre anotações, e com o tom de palavras no sentido de intimidar as poucas pessoas presentes naquela hora”, descreve a associação. Questionada pelos indígenas sobre o motivo da ida, Coronel Fernanda teria dito “que é autoridade e pode entrar em qualquer lugar, ‘somos deputados federais vamos entrar onde queremos’”, relata, ainda, o documento (Nota do website: perceba-se a maneira imperialista e autocrática como a deputada se manifesta. Deve seguir à risca a bula papal de 1493 quando ele dizia que aos europeus, os invasores de então, podiam fazer o que lhes aprouvesse onde fossem, afinal eram ‘cristãos e europeus’ e, pelo papa, tudo podiam. NÃO É INCRÍVEL QUE MAIS DE 500 ANOS DEPOIS OS SUPREMACISTAS BRANCOS QUE PROFESSAM A DOUTRINA DA COLONIALIDADE, FAÇAM O MESMO!!??).
A Apyjx considera que, ao comparecer sem autorização ao território dos Yudja, junto à “Polícia Militar e fazendeiros que são contrários à demarcação da terra indígena, e pondo em risco os indígenas que aqui estão, constrangendo as pessoas”, a deputada Coronel Fernanda tinha “o intuito de colocar pressão e colocar medo” na comunidade.
Na sexta-feira (15) anterior à “visita técnica”, os parlamentares realizaram audiências públicas em Vila Rica e Santa Cruz do Xingu, também como parte dos trabalhos da comissão externa. A Apyjx diz que, após esses episódios, a comunidade passou a sofrer intimidações.
Por isso, no ofício enviado às autoridades no dia 18, a organização pede “providências urgentes” sobre a visita da comissão parlamentar. Os deputados, aliados a autoridades locais, afirma a Apyjx, estariam “tentando afrontar a comunidade e querendo impedir a demarcação da terra indígena Kapôt Nhinore”.
Para evitar conflitos com os habitantes dos municípios onde fica a terra indígena, o ofício solicita ainda a instalação de uma base de segurança no território. “Querem colocar a população local das cidades de Santa Cruz do Xingu e Vila Rica contra nós, sendo que estamos aqui em um lugar [em] que temos a nossa história, temos a nossa cultura, temos o conhecimento deste lugar, que tem uma importância ancestral para o nosso povo Yudja”, informa ainda o relatório da organização.
No sábado, Coronel Fernanda publicou em seu perfil no Instagram fotos das reuniões realizadas em Santa Cruz do Xingu e Vila Rica. “As audiências que trataram sobre os impactos da demarcação da TI [Kapôt Nhinore] na região e os desdobramentos nos municípios de Mato Grosso e Pará contaram com a presença de produtores rurais, população, prefeitos, líderes indígenas, autoridades locais e deputados”, diz a legenda da postagem.
Publicação da Coronel Fernanda sobre as reuniões realizadas em Santa Cruz do Xingu e Vila Rica
Além das agendas no Mato Grosso, a comissão externa realizou, em 12 de setembro, uma audiência pública na Câmara do Deputados, na qual a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e a presidente da Funai, Joenia Wapichana, foram convocadas a explicar as condições do processo de demarcação da TI Kapôt Nhinore. Na terça (19), o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), participou de “debate” no gabinete da Coronel Fernanda para tratar do assunto.
Os deputados federais foram procurados pela Agência Pública para comentar o caso. Por meio de nota, Coronel Fernanda repetiu o que disse aos indígenas. Declarou que o ingresso ao território de Kapôt Ninhore “é livre, já que não se trata de um local delimitado como Terra Indígena, dispensando assim, os procedimentos exigidos pela Funai”.
Afirmou ainda que, como parlamentar, “possui prerrogativas legais, como fiscalizar e acompanhar assuntos de interesse público para que as políticas públicas adotadas sejam objeto de debates e estudos.”
José Medeiros informou, também por nota, que todos os participantes das audiências públicas promovidas pela comissão externa “tiveram o direito de se manifestar sobre o tema em discussão” e que as visitas técnicas foram realizadas “para subsidiar o trabalho da comissão em conjunto com lideranças indígenas e políticas”. Disse ainda: “Qualquer informação diferente do que foi exposto nesta nota é inverídica, ou seja, fake news”.
Silvia Waiãpi não respondeu até o fechamento da reportagem.
Edição: Giovana Girardi