‘Frankenstein Chemicals’ são ainda piores do que as ‘Forever Chemicals’

O que tem aí ? Fotógrafo: Franck Fife/AFP/Getty Images

https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2023-07-05/PFAS-are-bad-but-other-water-polluting-chemicals-are-even-worse

F. D. Flam
5 de julho de 2023

Os PFAS recebem muita atenção, mas existem outros compostos em nossa água tratada que são mais perigosos – e muito mais comuns.

Susan Richardson, ex-química da EPA agora na Universidade da Carolina do Sul, tem trabalhado para estabelecer uma visão geral – usando um instrumento que pode medir a abundância relativa de diferentes tipos de contaminantes químicos. Ela acompanha os ‘químicos eternos/forever chemicals‘ (substâncias polifluoralquil, ou PFAS) há 30 anos, mas percebeu que, para a maioria de nós, eles provavelmente representam uma ameaça menor em comparação com outra coisa – os produtos químicos que se formam espontaneamente como um subproduto da desinfecção da água .

Na maioria das áreas, a concentração desses subprodutos de desinfecção (DBPs/disinfection byproducts) é 1.000 vezes maior do que os ‘químicos eternos/forever chemicals‘. E a toxicidade dos DBPs é pior.

[NOTA DO WEBSITE: no link anterior e acima, a autora do estudo brasileiro em São Paulo, traz nas citações, três vezes o nome da autora desse artigo que ora traduzimos. Isso já mostra que o que é dito aqui tem muita importância apesar de ser tão curta sua reflexão sobre o que se gera com os químicos usados para tornar potável a água que chega às nossas casas. Por isso a importância de se saber que o tratamento das estações de tratamento de água não é nada inócuo pelos subprodutos que se formam, bem ao contrário, eles são extremamente perigosos. Fica o alerta! ].

Richardson diz que acha que os subprodutos de desinfecção estão recebendo menos atenção do público e da EPA, porque “químicos para sempre” é um nome que chama muito a atenção de todos. Por isso sugere que chamássemos os DBPs de “químicos do dia-a-dia/everyday chemicals”, mas esse rótulo não tem o mesmo som ameaçador. Talvez os “químicos Frankenstein/Frankenstein chemicals” chamem mais atenção – e sublinhem que esses compostos são feitos de uma miscelânea assustadora de peças diferentes.

Ela teme que os novos regulamentos da EPA sobre PFAS/químicos eternos possam estar concentrando seus recursos limitados enquanto outros contaminantes estão sendo ignorados.

O consultor de comunicação de risco Peter Sandman disse que a experiência de risco das pessoas é a soma do perigo (a probabilidade de ser morto ou ferido) e um fator ultrajante. Os ‘químicos eternos/forever chemicals’ criados por uma grande empresa podem causar indignação – mas é difícil deixar as pessoas furiosas com compostos que não são feitos por nenhuma empresa em particular, mas se formam espontaneamente após um processo considerado um triunfo da .

Muitos de nós já nos acostumamos com aquele cheiro de cloro das nossas torneiras. Mas não precisamos aceitar produtos químicos em nossa água para garantir que ela esteja livre de parasitas, bactérias e algas causadores de doenças. Estão existindo muitas maneiras de desinfetar a água – cloração, ozonização, dióxido de cloro, UV – e algumas são mais propensas do que outras de criarem subprodutos de desinfecção/DBPs perigosos.

A filtragem usando carvão ativado pode capturar subprodutos de desinfecção e produtos químicos eternos, mas é cara e deve ser implantada onde é mais necessária. As pessoas podem pagar pelos filtros em casa, mas isso é injusto para muitas pessoas que não podem adquirir tal alternativa.

Fornecer água limpa se tornará mais desafiador com as mudanças climáticas e as secas cada vez mais prolongadas. Em El Paso, Texas, a estação de tratamento de água municipal está se preparando para reutilizar águas residuais – algo que pode se tornar mais necessário lá e em outros lugares. Também na Califórnia existem sistemas onde as águas residuais são injetadas no subsolo e depois desinfetadas para reutilização “indireta”.

Tem sido difícil, até recentemente, obter uma comparação geral de diferentes tipos de contaminantes químicos porque existem centenas de compostos que se enquadram na categoria de DBPs e PFAS.

Os subprodutos de desinfecção específicos em sua comunidade dependem não apenas de como a água municipal é desinfetada, mas de quanta matéria orgânica natural e sal há na fonte de água. Os sais podem vir da proximidade do oceano ou mesmo de um oceano antigo cujos sais residuais se infiltram nas águas subterrâneas. Freqüentemente, o fracking desaloja o sal de iodeto natural, que tende a formar os subprodutos de desinfecção mais tóxicos.

Então, o que acaba na sua água inclui uma mistura complicada de compostos formados em reações entre matéria orgânica natural, sais, resíduos industriais e outros poluentes e os produtos químicos adicionados para desinfecção.

No momento, existem cerca de 700 compostos formados a partir da desinfecção, mas apenas 11 são regulamentados. E esses não são os mais perigosos, disse Richardson.

Também há implicações aqui para o PFAS. Alguns estudos sugeriram que existem milhares de PFAS, mas Richardson diz que não existem milhares de produtos PFAS industriais. Alguns podem estar se fragmentando ou se combinando com outros produtos químicos, formando novos compostos não naturais e de vida longa.

Richardson está resolvendo isso com um instrumento raro que faz cromatografia de íons de combustão. Com ele, ela pode colher uma amostra de água potável e medir a concentração total de todos os compostos orgânicos que contêm flúor – o que corresponde aproximadamente ao total de todos os contaminantes PFAS porque existem poucas outras fontes de compostos orgânicos fluorados na água. (Observe que, embora pareça semelhante, o flúor – adicionado à água para a saúde bucal – é um produto químico diferente e irrelevante aqui.)

Ambos PFAS e DBPs são considerados produtos químicos orgânicos halogenados porque incluem átomos dos halogênios – flúor, cloro, bromo e iodo. Os DBPs são a fonte primária de tais compostos com cloro, bromo e iodo, e o instrumento também pode medir a carga total deles.

Também importa quais desses compostos realmente causam danos ao corpo humano. Estudos de toxicologia usando animais ou outros modelos de sistemas mostraram que tanto PFAS quanto DBPs podem potencialmente causar câncer e outros problemas de saúde. Mas é preciso epidemiologia para conectar as exposições no mundo real a grupos de câncer ou outras doenças. Há uma epidemiologia convincente ligando o PFAS ao colesterol alto e algumas evidências de diminuição da fertilidade masculina (nt.: aqui demonstra serem os ‘forever chemicals’ disruptores endócrinos. OU SEJA, ELES AGEM COMO HORMÔNIOS = DOSES INFINITESIMAIS). Para os DBPs, estudos epidemiológicos revelaram conexões com câncer de bexiga e cólon.

Esses estudos não podem conectar nenhum caso individual de câncer à poluição química – mas sugerem que uma fração das pessoas com câncer não teria adoecido se não fosse pelos DBPs na água. Isso é inaceitável. Todos nós deveríamos poder beber da torneira e sabermos que estamos melhorando nossa saúde – não colocando-a em risco.

FD Flam é uma colunista da Bloomberg Opinion que cobre ciência. Ela é a apresentadora do podcast “Follow the Science”.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2023.