O que a indústria de agrotóxicos não quer que se saiba

Crédito: Mike Mozart/flickr

https://www.ehn.org/pesticide-misinformation-monsanto-2658899533.html

Stacy Malkan; Kendra Klein; Anna Lappé

12 de dezembro de 2022

Confrontando o negacionismo científico da indústria de agrotóxicos.

Na esteira da cúpula climática global deste ano, os defensores estão alertando sobre como a indústria continua a distorcer a política climática com o giro das relações públicas.

De fato, um dos desafios mais críticos de nossos tempos é a necessidade de enfrentar a desinformação corporativa. Embora os riscos do negacionismo climático e da lavagem verde das grandes petrolíferas sejam cada vez mais claros – à medida que incêndios florestais devastam comunidades, nações inteiras são ameaçadas pelo aumento do nível do mar e terras agrícolas são devastadas por condições climáticas extremas – um conjunto mais furtivo de impactos devastadores se esconde por trás das mentiras fabricadas por grandes corporações de agrotóxicos (nt.: estamos voltando, agora noutro nível tanto do poder das corporações dos venenos como da disseminação entre a população sobre os crimes que elas vêm praticando desde o final da IIª Grande Guerra, num outro tempo daqueles do pioneirismo de Rachel Carson com seu livro Primavera Silenciosa quando ela foi literalmente massacrada pelas corporações. E esse combate de pulsos é o âmago de uma imprescindível mudança nos conceitos e nas práticas da produção agrícola).

Como as grandes petrolíferas, as empresas petroquímicas com seus agrotóxicos gastam centenas de milhões de dólares, todos os anos em estratégias enganosas de relações públicas para manterem seus produtos perigosos no mercado, mesmo com evidências crescentes de que muitos deles ainda usados ​​hoje, estão ligados a certos tipos de câncer, danos ao cérebro em desenvolvimento de crianças (nt.: ver documentário nesse site: ‘Amanhã, seremos todos cretinos?), colapso da biodiversidade e mais.

Em um novo relatório, Merchants of Poison, documentamos um estudo de caso exatamente dessa desinformação da indústria de agrotóxicos, revelando um manual de relações públicas semelhante em estratégia, instituições – e às vezes os mesmos atores individuais – como o da indústria de combustíveis fósseis. Como quase todos os produtos químicos agrícolas são derivados de combustíveis fósseis, essa interconexão não deve ser uma surpresa.

Aumento de cultivos geneticamente modificados

Hoje, mais de 98 por cento das culturas geneticamente modificadas plantadas nos EUA são tolerantes ao glifosato. Crédito: Merchants of Poison

Merchants of Poison mostra como a gigante dos venenos agrícolas Monsanto (comprada pela Bayer em 2019) gastou milhões em estratégias de comunicação enganosas ao longo de décadas para promover a narrativa de que seu herbicida glifosato, mais conhecido como Roundup, é seguro – tão seguro quanto o sal de mesa, como a Monsanto já fez essa reivindicação.

Essa mensagem encorajou regulamentos negligentes que levaram ao uso generalizado, especialmente porque o milho e a soja geneticamente modificados para resistir à pulverização com o herbicida passaram a dominar as áreas agrícolas a partir de meados da década de 1990.

Hoje, mais de 98 por cento das culturas geneticamente modificadas plantadas nos EUA são tolerantes ao glifosato, e o glifosato é o agroquímico mais amplamente utilizado no mundo. Só nos Estados Unidos, cerca de 14 milhões de quilos são usados a cada ano em fazendas, parques públicos, terrenos escolares e jardins domésticos. Isso apesar do fato de que, já em 1984, o glifosato foi sinalizado como potencialmente causador de câncer pelos cientistas da Agência de Proteção Ambiental dos EUA/US EPA. E, em 2015, o glifosato foi designado como provável carcinógeno pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) da OMS/ONU. A ciência recente também ligou o produto químico a menores pesos ao nascer entre os bebês, impactos na saúde reprodutiva e outros problemas graves de saúde.

Dúvidas fabricadas quanto à veracidade da ligação do glifosato com o câncer

As empresas de agrotóxicos gastam centenas de milhões todos os anos em estratégias enganosas de relações públicas para manter seus produtos perigosos no mercado. Crédito: Merchants of Poison, dados de Food Barons, ETC Group 2022

Então, como a Monsanto frustrou a regulamentação baseada na ciência e enganou o público por mais de três décadas? Milhares de páginas de documentos corporativos internos trazidos à tona por meio de ações judiciais recentes sobre o risco de câncer do Roundup, revelam algumas respostas. Os documentos mostram uma máquina de relações públicas em marcha acelerada para fabricar dúvidas sobre a ciência que liga o glifosato ao câncer e revelam as muitas estratégias que a Monsanto usou para manipular o registro científico ao longo de décadas – de estudos de escrita fantasma a campanhas agressivas para desacreditar cientistas que levantaram preocupações sobre o veneno.

Os documentos também expõem como a empresa cultivou cuidadosamente uma legião de grupos de fachada e outros aliados terceirizados que incluíam as principais universidades, organizações científicas e professores que afirmavam ser independentes mesmo enquanto trabalhavam nos bastidores com a Monsanto para proteger as vendas do Roundup.

Os documentos também reforçam o quanto a “indústria da desinformação” financiada por empresas de agrotóxicos se tornou um grande negócio. Nossa análise descobriu que apenas sete dos grupos de frente mencionados nos documentos estratégicos internos da Monsanto gastaram um total de US$ 76 milhões em um período de cinco anos, começando em 2015, promovendo uma ampla gama de mensagens antirregulamentares. Além disso, seis grupos comerciais da indústria mencionados nos documentos da Monsanto gastaram mais de US$ 1,3 bilhão durante o mesmo período, o que inclui esforços de defesa para produtos químicos agrícolas, incluindo o glifosato.

Agrotóxicos disparam nos EUA 

Embora o relatório se concentre no Roundup, o produto químico é apenas uma das dezenas de agrotóxicos que permanecem no mercado graças aos esforços da indústria em negar e fabricar dúvidas sobre evidências científicas de danos. De fato, 85 agrotóxicos proibidos em outros países ainda são usados ​​nos Estados Unidos. E durante apenas um ano, de 2017 a 2018, a EPA aprovou mais de 100 novos contendo ingredientes considerados altamente perigosos. A desinformação da indústria também permitiu o crescimento das vendas de venenos em todo o mundo; o uso global saltou mais de 80 por cento desde 1990.

O resultado? Bilhões de quilos desses venenos cobrem a terra, contaminando terras selvagens e riachos, dizimando populações de polinizadores e acabando em nós também. Hoje, mais de 90 por cento de nós temos agrotóxicos detectáveis ​​em nossos corpos. Muitos desses produtos químicos são conhecidos por causar câncer, afetar os sistemas hormonais do corpo, interromper a fertilidade, causar atrasos no desenvolvimento de crianças ou Parkinson, depressão ou Alzheimer à medida que envelhecemos. E como todos os petroquímicos, conhecemos outro custo devastador desses venenos: suas sobre nosso clima.

As apostas dessa desinformação são altas. No momento, os formuladores de políticas nos EUA e na Europa estão deliberando sobre a imposição de maiores restrições ao glifosato. E uma proposta histórica da União Europeia para sistemas alimentares mais sustentáveis ​​e amigáveis ​​ao clima, visando reduzir o uso de agrotóxicos pela metade. Mas essas medidas de são ameaçadas por campanhas agressivas de lobby lideradas pela indústria, usando táticas furtivas como as descritas em nosso relatório.

Assim como um número crescente de pessoas está vendo a necessidade de enfrentar a desinformação do Big Oil para garantir uma ação real na crise climática, devemos levantar o véu sobre as táticas de desinformação do Big Pesticide e confrontar corajosamente as mentiras que a indústria espalha e acabar com o envenenamento indiscriminado de nosso planeta e a nós mesmos e garantir um planeta saudável para todos.

Stacy Malkan é a c-fundadora da US Right to Know. Kendra Klein, PhD, é vice-diretora de ciências da Friends of the Earth US. Anna Lappé é autora e fundadora da Real Food Media.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2023.