Como a Amazônia se tornou um polo global de exportações agrícolas

Gráfica – Lucas Gomes

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Felipe Betim

15 de setembro de 2022

Em uma nova série, traçamos a história da Amazônia desde a década de 1970, quando o governo militar do Brasil promoveu sua ocupação, atraindo migrantes para desmatar e desenvolver a agricultura.

Este artigo é um resumo do primeiro episódio de Amazônia Ocupada , uma nova série de podcasts da Diálogo Chino, disponível apenas em português. Ouça aqui .

Integrar para não entregar –  integrar para não se render. Sob esse slogan nacionalista que alimentava o medo de uma suposta ameaça estrangeira, milhares de brasileiros migraram para a Amazônia no início dos anos 1970, em busca da prosperidade que o governo militar havia prometido.

Naquela época, os agricultores pobres do sul do Brasil viam novos horizontes na propaganda da ditadura, que dizia que as terras eram abundantes e acessíveis – até gratuitas – em uma área inexplorada da região Centro-Oeste.

“Sou catarinense, criado lá no sul, e em geral bastante excluído, financeira e socialmente”, diz Elmo Leitzke, hoje abastado agricultor e proprietário da fazenda Minuano, de 7 mil hectares, em Sinop, Mato Grosso.

Este foi o início de um movimento maciço de colonização nas terras de transição entre os biomas Cerrado e Amazônia. E assim, foram dados os primeiros passos em direção a um modelo extrativista e explorador que ainda define como o país vê suas florestas hoje: como um obstáculo ao progresso que precisa ser removido do caminho da produção agrícola.

“Até 1975, a floresta estava praticamente intacta”, disse o historiador ambiental José Augusto Pádua, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Então temos que entender o movimento [migratório] a partir daí.”

Essa história intrincada e seus personagens fazem parte da nossa primeira série de podcasts em português, Amazônia Ocupada , que será lançada hoje. Criado pela Diálogo Chino em parceria com a Trovão Mídia, em cinco episódios, contamos como a maior e mais famosa floresta do mundo foi colonizada para a exploração de commodities.

BR-163, uma rodovia ‘espinha de peixe’

Os ouvintes percorrerão a rodovia BR-163, no Brasil, um projeto de infraestrutura iniciado pelo governo militar que buscava impulsionar a ocupação da Amazônia. Talvez mais do que qualquer outra rota, as histórias e paisagens encontradas ao longo da BR-163 ilustram como a soja, o gado, a mineração e a exploração madeireira se estabeleceram na região.

A construção da rodovia, que corta o Brasil de norte a sul por mais de 3.500 quilômetros, teve papel fundamental no processo de ocupação, pois foi ao longo das estradas desse eixo que surgiram povoados, alguns dos quais se tornaram maiores vilas e cidades.

Ilson Redivo, presidente de um sindicato rural de Sinop, migrou do sul do Brasil na década de 1980 (Imagem: Felipe Betim/Diálogo Chino)

“Imagine uma espinha de peixe”, disse Ilson Redivo, presidente de um sindicato rural da cidade de Sinop, Mato Grosso, e vice-presidente da Aprosoja Norte, associação de produtores de soja. “O que alimenta uma espinha de peixe é a coluna central. Essa coluna central é a BR-163.”

Os resultados da colonização desenfreada estão sendo sentidos hoje, com o surgimento de conflitos de terra, deslocamentos e mortes de populações tradicionais e o desmatamento da Amazônia, que recentemente registrou os maiores índices dos últimos 15 anos.

“Quando abriram a BR-163, muitas pessoas morreram, principalmente o povo Panará”, disse Krekreansã Panará, líder de um dos grupos indígenas deslocados de suas terras pela construção da estrada.  Krekreansã explica que por conta do contato com doenças recém-introduzidas, como o sarampo, apenas cerca de 80 pessoas sobreviveram e partiram para o Parque Indígena do Xingu.

Sinop, capital da soja

Município do norte de Mato Grosso, Sinop foi um dos primeiros destinos de imigrantes do sul. É um primeiro porto de escala lógico em nossa nova série. Nos últimos 50 anos, a cidade tornou-se o epicentro da produção brasileira de soja, commodity que hoje é a principal exportação do do país.

Com a ocupação de seus biomas pela monocultura, e com o incentivo governamental, o Brasil tornou-se o maior produtor e exportador de soja do mundo, com mais de 60% de sua produção sendo vendida para outros países, principalmente a China, segundo dados do comércio exterior. Se Mato Grosso fosse uma nação, seria o terceiro maior produtor de soja do mundo, atrás do próprio Brasil e dos Estados Unidos.

Campo de soja em Sinop, Mato Grosso, estado que é a ‘capital’ do agronegócio brasileiro (Imagem: Felipe Betim/Diálogo Chino)

Sinop é um acrônimo para Sociedade Imobiliária no Noroeste do Paraná, a empresa que começou a desmatar a floresta tropical e fundou a cidade. Hoje, abriga 150 mil hectares de cultivo, segundo dados oficiais de 2020.

Apesar de ser um município rural, Sinop não se parece muito com uma cidade do interior. No centro urbano, carros importados circulam por avenidas bem pavimentadas. Há shopping centers, lojas de grife e restaurantes caros mais encontrados nas cidades maiores. A paisagem é pontilhada de outdoors anunciando novos empreendimentos imobiliários, voltados para a elite do agronegócio que mora em Sinop.

O município se consolidou como um importante centro de abastecimento de produtos, serviços e oportunidades na região. Segundo dados oficiais, cerca de 150 mil pessoas vivem em Sinop, que registrou um PIB per capita de mais de 46 mil reais (US$ 8.860) em 2019, superior à média nacional daquele ano, de cerca de 35.000 reais (US$ 6.740).

Antes de chegar a esse zênite da soja, Sinop viu outros ciclos de produção. A primeira, que coincidiu com a fundação da cidade, foi a extração e venda de madeira. “A extração de madeira foi o que pagou as contas dos primeiros estágios da mecanização agrícola [muitas vezes sinônimo de desmatamento] que eu perseguia na época. Era comum buscar novas fronteiras agrícolas”, diz Leitzke.

Com a abertura das cidades, a região experimentou um ciclo de pecuária, uma forma de ocupar esses espaços livres a baixo custo. E finalmente, nas últimas três décadas, veio o boom da soja e do milho.

Uma avenida central em Sinop. As estradas nesta cidade agrícola são pavimentadas e os veículos importados são uma visão regular (mago: Felipe Betim / Diálogo Chino)

Essa força crescente atraiu para Sinop traders multinacionais de commodities, incluindo Bunge e Cargill, dos Estados Unidos, a chinesa COFCO e a brasileira Amaggi. São essas empresas que atuam como intermediárias entre agricultores e compradores, além de terem trazido crédito, insumos e técnicas que impulsionam a monocultura brasileira.

O que é bastante contraditório é que a propaganda divulgada pelo governo militar afirmava que a Amazônia era alvo de “ganância estrangeira” – especialmente dos Estados Unidos. A colonização do bioma serviria, portanto, para defender o território de uma ameaça iminente – uma visão nacionalista que ainda hoje ecoa na política brasileira.

“Houve uma grande pressão internacional para que a Amazônia não fosse brasileira, para que fosse do mundo”, lembra Leitzke. “A ideia era colocar o povo brasileiro na Amazônia.”

O primeiro episódio de Amazônia Ocupada já está disponível, apenas em português, no Spotify , Apple , Amazon e Deezer . O episódio dois e o artigo em inglês que o acompanha serão lançados na segunda-feira, 19 de setembro.

Felipe Betim é um jornalista brasileiro radicado em São Paulo. Escreve sobre política, meio ambiente, segurança pública e direitos humanos, tendo passado oito anos no El País.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2022.