Queimada na região do rio Xingu, em Altamira, na noite de sábado, 20 de agosto de 2022. (Foto de Jonathan Watts/Sumaúma)
https://amazoniareal.com.br/fumaca-de-queimadas-encobre-altamira-novo-progresso-e-manaus/
21/08/2022
Manaus (AM) – Queimadas ilegais em municípios do sul do Amazonas e do sudoeste do Pará estão espalhando, desde sexta-feira (19), uma nuvem de fumaça tóxica que polui o ar e compromete a saúde da população de cidades amazônicas, entre elas as paraenses Altamira e Novo Progresso, além da capital amazonense. Conforme dados do monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os focos de incêndios florestais se concentram dentro do arco do desmatamento na Amazônia.
De 1º de agosto, mês em que a estiagem e a temporada do fogo está mais avançada, até neste domingo (21), o monitoramento do Inpe já registra 16.088 focos de queimadas na Amazônia brasileira. O Pará lidera o ranking pelo terceiro ano consecutivo com 7.495 focos, seguido do Amazonas com 3.974.
No Amazonas, na primeira semana de agosto, o número de focos de queimadas era de 2.220. Na segunda semana, passou para 4.371. Neste dia 21, o Inpe registrou 8.151 focos, o que significa que o número saltou de 15,1% para 55,3% desde o dia 1º deste mês até neste domingo no estado.
Na sexta-feira (19), dia em que completou três anos que uma nuvem de fumaça da Amazônia encobriu São Paulo, o fenômeno se repetiu em Manaus e nenhuma política pública e ambiental foi executada pelos governos para evitar que a região amazônica voltasse a ser tomada pelas chamas. O coordenador de monitoramento de queimadas do Inpe, Alberto Setzer, disse à agência Amazônia Real, que a nova trajetória da pluma de fumaça vem dos municípios que mais queimam neste momento: os paraenses Altamira, Novo Progresso, Jacareacanga, Itaituba, São Félix do Xingu e Trairão. Também contribuem para o céu de fumaça as queimadas nas cidades amazonenses de Apuí, Novo Aripuanã e Manicoré, no sul do Amazonas, segundo Setzer.
Há dois dias, a fumaça já encobria algumas áreas dos bairros da zona norte de Manaus. No sábado (20), a nuvem de fumaça se espalhou por toda a cidade, mesmo com a chuva que caiu pela madrugada. O meteorologista Willy Hagi, da empresa Meteonorte, disse à reportagem que a fumaça de queimadas foi trazida pela direção do vento em um fenômeno conhecido como “passagem de sistema frontal”, deixando a qualidade do ar na capital muito baixa, causando problemas respiratórios na população.
Hagi observou que manchas amareladas que aparecem em um mapa que ele analisou neste sábado apontaram grande concentração de monóxido de carbono, que funciona como sinalizador de queimadas.
Neste domingo (21), devido ao vento da noite de sábado, a pluma de fumaça em Manaus está se dispersando lentamente. Mas isso não pode ser considerado uma trégua. O fogo avança em todas áreas pressionadas por desmatamento e grilagem, conforme alertam outros especialistas ouvidos pela reportagem.
Heitor Pinheiro, analista do Programa Geopolítica da Conservação da organização Fundação Vitória Amazônica (FVS), alertou que o dióxido de carbono está vindo para Manaus, neste momento, da região do município de Manicoré. No sábado, segundo ele, a poluição e a fumaça vinha de Novo Progresso, no sudeste do Pará.
“Costumo dizer que quanto mais vermelho for o pôr do sol, pior está a situação do ar. E em Manaus, já podemos observar esses eventos há algum tempo. A alta temperatura, baixa umidade e o momento político são agravantes. Enquanto não chover para limpar o ar, vai ficar assim”, explicou.
Imagem do aplicativo Windy mostra queimada em Novo Progresso (PA)
A reportagem procurou o governo do Amazonas para saber as medidas tomadas para combater as queimadas no sul do estado e em também nas comunidades ribeirinhas de Manicoré, cujos incêndios se intensificaram nesta semana. Em resposta, disse que o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) “identificou suposto ato criminoso por meio do Centro de Monitoramento Ambiental e Áreas Protegidas (CMAAP) e enviou, na sexta-feira (19), uma equipe que sobrevoou a área para fazer o reconhecimento do local e verificar a situação”.
A nota faz menção às ações permanentes, como a atuação do Corpo de Bombeiros desde o dia 7 de agosto, “com prioridade em combater queimadas que causam maior danos a natureza e aqueles localizados próximos a áreas que concentram maior número de pessoas” e que a Secretaria Executiva-Adjunta de Planejamento e Gestão Integrada (SEAGI), coordena a atuação das equipes que compõem a Operação Tamoiotata 2, com equipes em campo no sul do Amazonas para realização do acompanhamento e fiscalização dos focos de desmatamento.
Capital amazonense está sob intensa poluição do ar. Incêndios florestais se intensificaram nas últimas semanas na região. Ambientalistas e jornalistas relatam a crise ambiental (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Céu tomado pelo fogo
No sudoeste e no sul do Pará, as queimadas se intensificaram neste fim de semana assustando os moradores de Altamira e Novo Progresso – cidade que no dia 10 de agosto de 2019 os fazendeiros criaram o “Dia do Fogo”.
Um ambientalista de Novo Progresso, que pediu para não ser identificado, disse que o fogo das queimadas ilegais chegou na Terra Indígena Baú. “De ontem (19) para hoje (20) a fumaça tomou conta, está bem complicado, eu acredito que está vindo aqui da região de Altamira. O fogo está tomando conta, bastante fogo mesmo, muita fumaça, muita. Acho que eles mudaram o dia [o “Dia do Fogo”] e incendiaram. Incendiaram tudo e a região toda está pegando fogo, em tudo”, disse.
De Altamira, a jornalista Eliane Brum relatou nas redes sociais que de sua casa presenciou uma queimada do outro lado do rio Xingu. Ela declarou que a Amazônia está em chamas sem que as autoridades façam alguma coisa para impedir. “Se esses bandidos se reelegerem será o fim de tudo. A floresta não sobreviverá a mais anos de destruição. Gente querida, vocês não imaginam a dor que é assistir à floresta queimar. Estou arrasada. O que eu vejo agora, da varanda da minha casa, em Altamira. A floresta queima. Me sinto morrer”, disse.
Eliane Brum é uma das fundadoras do jornal Sumaúma, que estreia em setembro, junto com o marido, o jornalista britânico Jonathan Watts, também editor de meio ambiente global do The Guardian. Ele, que fotografou as imagens do fogo em Altamira, enviou a seguinte mensagem à Amazônia Real:
“A princípio, pensei que o brilho no horizonte fosse a lua nascendo. Mas era muito brilhante, muito vermelho, muito zangado. Ficou mais forte e pude ver que era um incêndio do outro lado do rio Xingu, a cerca de 5 a 10 km de distância de nossa casa. Foi uma visão horrível. Eu me senti mal do estômago, pensando na morte. A destruição da floresta causa esse brilho alaranjado assustador. É essa lógica de mercado distorcida que torna as florestas mais valiosas mortas do que vivas. Antes da eleição, temo que haverá muito mais fogo na Amazônia”.
Sem políticas públicas
Manaus encoberta pela fumaça de queimadas no sul do Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Só em 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou cerca de 35,1 milhões de reais no valor previsto para o Ministério do Meio Ambiente (MMA). A maior parte do valor, 25,8 milhões, eram destinados ao controle de incêndios em terras públicas. O incentivo na construção da BR-319 que corta a Amazônia está concretizada com a licença prévia expedida em 28 de julho de 2022, para as obras no meio da rodovia e que abrangem os municípios que estão na mira do desmatamento, como Manicoré e Canutama.
“O fogo, todos os anos, pode ser previsto pelo desmatamento. Todas as áreas desmatadas serão queimadas. Então não é [suficiente] só controle de queimadas e sim controlar o desmatamento. Para isso se necessita de todas as esferas, Federal, Municipal e Estadual. Entretanto, sabemos o alinhamento do desgoverno Bolsonaro com as ilicitudes dos crimes ambientais”, explica o analista e geógrafo da FVA, Heitor Pinheiro.
Conforme Pinheiro, sem ajuda do governo federal as operações de combate ao fogo são pouco impactantes. “A questão do fogo em 2022 já era esperada. E está acontecendo neste momento a Operação Aceiro do Governo do Estado no Sul do Amazonas para tentar minimizar os impactos, porém, pela grande extensão da área é difícil controlar todos os focos. E a questão só entra a tona, quando Manaus é coberta pela fumaça, mas Humaitá, Apuí, no Amazonas e Novo Progresso no Pará, estão há meses com focos ativos”, ressalta.
Segundo o monitoramento da rede Observatório BR-319, os municípios ao entorno da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) apresentaram em junho de 2022 um aumento de 9% no número de focos de queimadas em comparação ao mesmo mês, em 2021.
“Com a abertura de estradas nós temos o famoso efeito espinha de peixe, onde ramais são abertos transversalmente permitindo que as populações ocupem uma área mais ramificada dessas estradas. Isso obviamente intensifica ações de extração de madeira, de produção de gado, o que variavelmente depende de atividade com fogo e é o que tem impacto nas taxas de incêndio da região”, explica Fabiano Silva, coordenador executivo da Fundação Vitória Amazônica, Fabiano Silva.
Um agravante nas queimadas este ano é o aumento da temperatura média na região após o fim de dois anos de efeito La Ninã (que intensifica o período chuvoso na Amazônia), conforme explica Silva. “A tendência é que com o final da La Ninã a gente entre em momentos de estiagem mais fortes. Ao que tudo indica, esses eventos extremos enfraquecem a floresta e propiciam incêndios de maior proporção”.
Consequências a longo prazo
A política de desenvolvimento econômico da Amazônia traz consequências que custam mais caro do que a própria conservação, segundo Fabiano Silva. “Infelizmente o modelo posto hoje é um modelo predatório que beneficia poucos […] Essas ações de fiscalização e controle são ainda mais baratas do que efetivamente cuidar dos desdobramentos, desses efeitos e da saúde da população”, frisa.
O desmonte, segundo Silva, “permitiu o fortalecimento de uma série de atividades ilícitas na região, do garimpo, mineração, exploração de madeira, tráfico de drogas entre outros”.
“Uma vez que essas atividades se instalam é muito mais difícil propor uma alternativa sustentável no território. A gente vai ter que lidar por mais um bom tempo com os efeitos de uma gestão equivocada da região Amazônica”, conclui. (Colaboraram Kátia Brasil e Elaíze Farias)
Manaus encoberta pela fumaça de queimadas no sul do Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Manaus encoberta pela fumaça de queimadas no sul do Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Rea
Manaus encoberta pela fumaça de queimadas no sul do Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Manaus encoberta pela fumaça de queimadas no sul do Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Manaus encoberta pela fumaça de queimadas no sul do Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Wérica Lima
É formada em comunicação social com ênfase em jornalismo pela Universidade Nilton Lins. Atualmente cursa Ciências Biológicas no Instituto Federal do Amazonas (IFAM). Possui experiência na assessoria de comunicação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e publicou artigos pela organização internacional de mudanças climáticas Climate Tracker. Em 2019, participou da 1ª Oficina de Jornalismo Socioambiental da Amazônia Real e foi social media na agência entre julho de 2020 e janeiro de 2021. Empenha-se em fazer reportagens que representem a diversidade amazônica e dê vozes aos silenciados, a partir do jornalismo científico e socioambiental. Entre 2021 e 2022 coletou dados e fez diagnóstico da comunicação científica em comunidades ribeirinhas da Rebio Abufari, RDS Piagaçu Purus, Catalão e Ilha da Paciência, por meio de um Projeto de Iniciação Científica (PIBIC). ([email protected])