Declaração final da Cúpula dos Povos na Rio+20.

Justiça social e ambiental em defesa dos bens comuns, contra a mercantilização da vida.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510768-declaracao-final-da-cupula-dos-povos

 

 

DECLARAÇÃO FINAL
CÚPULA DOS POVOS NA POR JUSTIÇA SOCIAL E AMBIENTAL
EM DEFESA DOS BENS COMUNS, CONTRA A MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA

Movimentos sociais e populares, sindicatos, povos e organizações da sociedade civil de todo o mundo presentes na Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, vivenciaram nos acampamentos, nas mobilizações massivas, nos debates, a construção das convergências e alternativas, conscientes de que somos sujeitos de uma outra relação entre humanos e humanas e entre a humanidade e a natureza, assumindo o desafio urgente de frear a nova fase de recomposição do capitalismo e de construir, através de nossas lutas, novos paradigmas de sociedade.

A Cúpula dos Povos é o momento simbólico de um novo ciclo na trajetória de lutas globais que produz novas convergências entre movimentos de mulheres, indígenas, negros, juventudes, agricultores/as familiares e camponeses, trabalhadore/as, povos e comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito a cidade, e religiões de todo o mundo. As assembléias, mobilizações e a grande Marcha dos Povos foram os momentos de expressão máxima destas convergências.

As instituições financeiras multilaterais, as coalizões a serviço do sistema financeiro, como o G8/G20, a captura corporativa da ONU e a maioria dos governos demonstraram irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta e promoveram os interesses das corporações na conferência oficial. Em constraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro.

Há vinte anos o Fórum Global, também realizado no Aterro do Flamengo, denunciou os riscos que a humanidade e a natureza corriam com a privatização e o neoliberalismo. Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global. À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema economico-financeiro.

As múltiplas vozes e forças que convergem em torno da Cúpula dos Povos denunciam a verdadeira causa estrutural da crise global: o sistema capitalista associado ao patriarcado, ao racismo e à homofobia.

As corporações transnacionais continuam cometendo seus crimes com a sistemática violação dos direitos dos povos e da natureza com total impunidade. Da mesma forma, avançam seus interesses através da militarização, da criminalização dos modos de vida dos povos e dos movimentos sociais promovendo a desterritorialização no campo e na cidade.

Avança sobre os territórios e os ombros dos trabalhadores/as do sul e do norte. Existe uma dívida ambiental histórica que afeta majoritariamente os povos do sul do mundo que deve ser assumida pelos países altamente industrializados que causaram a atual crise do planeta.

O capitalismo também leva à perda do controle social, democrático e comunitario sobre os recursos naturais e serviços estratégicos, que continuam sendo privatizados, convertendo direitos em mercadorias e limitando o acesso dos povos aos bens e serviços necessários à sobrevivencia.

A atual fase financeira do capitalismo se expressa através da chamada economia verde e de velhos e novos mecanismos, tais como o aprofundamento do endividamento público-privado, o super-estímulo ao consumo, a apropriação e concentração das novas tecnologias, os mercados de carbono e biodiversidade, a grilagem e estrangeirização de terras e as parcerias público-privadas, entre outros.

As alternativas estão em nossos povos, nossa história, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemônico e transformador.

A defesa dos espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular, a economía cooperativa e solidária, a soberania alimentar, um novo paradigma de produção, distribuição e consumo, a mudança da matriz energética,  são exemplos de alternativas reais frente ao atual sistema agro-urbano-industrial.

A defesa dos bens comuns passa pela garantia de uma série de direitos humanos e da natureza, pela solidariedade e respeito às cosmovisões e crenças dos diferentes povos, como, por exemplo, a defesa do “Bem Viver” como forma de existir em harmonia com a natureza, o que pressupõe uma transição justa a ser construída com os trabalhadores/as e povos. A construção da transição justa supõe a liberdade de organização e o direito a contratação coletiva e políticas públicas que garantam formas de empregos decentes.

Reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, a cultura, a liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação, e à saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

fortalecimento de diversas economias locais e dos direitos territoriais garantem a construção comunitária de economias mais vibrantes. Estas economias locais proporcionam meios de vida sustentáveis locais, a solidariedade comunitária, componentes vitais da resiliência dos ecossistemas. A maior riqueza é a diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada e as que estão intimamente relacionadas.

Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo enérgico está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para corporações.

A transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas comuns a partir das resistências e proposições necessárias que estamos disputando em todos os cantos do planeta. A Cúpula dos Povos na Rio+20 nos encoraja para seguir em frente nas nossas lutas.

Rio de Janeiro, 15 a 22 de junho de 2012.
Comitê Facilitador da Sociedade Civil na Rio+20 – Cúpula dos Povos.

 

 

Vitória do ativismo, na Cúpula dos Povos

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510777-vitoria-do-ativismo-na-cupula-dos-povos

 

Durante uma semana, 14 mil ativistas se concentraram no Aterro do Flamengo, transformando-se num gigantesco contraponto mundial, às atividades do sistema ONU, no Riocentro. Os grandes jornais brasileiros desconheceram as atividades das organizações não governamentais, de centrais sindicais, frentes de trabalhadores, e de representantes do campo, como a Via Campesina, que trouxe a maior delegação à Cúpula – dois mil integrantes, de 40 países.

A reportagem é de Najar Tubino e publicada por Carta Maior, 23-06-2012.

Durante uma semana, 14 mil ativistas se concentraram no Aterro do Flamengo, transformando-se num gigantesco contraponto mundial, às atividades do sistema ONU, no Riocentro. Os grandes jornais brasileiros desconheceram as atividades das organizações não governamentais, mas também de centrais sindicais, frentes de trabalhadores, e de representantes do campo, como a Via Campesina, trouxe a maior delegação à Cúpula – dois mil integrantes, de 40 países.

Embora 930 jornalistas brasileiros e 312 internacionais tenham se inscrito na Cúpula, a informação sobre as atividades de 36 tendas autogestionadas, além de 14 tendas coordenadas por entidades específicas, circulará em meios direcionados. O volume de informações geradas foi muito grande, se contarmos 681 atividades nacionais nas tendas e mais 330 internacionais. Um total de 1011 atividades. Nos Territórios do Futuro foram 171 nacionais e 48 internacionais, num total de 219. Isso tudo coordenado por 36 redes internacionais. O número de ONGs participantes: sete mil organizações.

“- A Cúpula dos Povos é o momento simbólico de um novo ciclo na trajetória de lutas globais que produz novas convergências entre movimentos de mulheres, indígenas, negros, juventude, agricultores familiares e camponeses, trabalhadores/as, povos e comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito a cidade, e religiões de todo o mundo.

As assembléias, mobilizações e a grande Marcha dos Povos, foram os momentos de expressão máxima dessas convergências”.

Esse é um trecho do documento final da Cúpula dos Povos, divulgado numa entrevista coletiva realizada ao lado os Arcos da Lapa, na sexta-feira à tarde. Durante a manhã, uma delegação do Grupo de Articulação da Cúpula esteve reunida com o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon. Relataram a ele os resultados das discussões, durante a semana.

Resumindo: a posição de rejeição à economia verde, por se tratar de mais uma estratégia do capitalismo e dos países ricos, para mercantilizar os serviços naturais; denunciaram a violação dos direitos das mulheres, negros, índios e movimentos sociais em diversos países; as atividades das corporações que não tem nenhum tipo de punição por parte do sistema ONU; pela garantia do direito dos povos à terra e território urbano e rural; pela mudança da matriz e modelo energético vigente; pelo reconhecimento da dívida social e ecológica.

Ban Ki-moon ficou surpreso pela rejeição da economia verde. Perguntou qual seria a alternativa para uma economia sustentável. Darcy Frigo, um dos membros da delegação, disse que existiam várias já sendo usadas pelo mundo, mas principalmente deveria envolver a soberania do conhecimento dos povos tradicionais, baseada na agroecologia e na economia solidária, e não ficar na mão das grandes corporações e do sistema financeiro mundial.

Outro ponto focado foi justamente a participação das grandes corporações no sistema ONU. Com acesso em todos os níveis da entidade, com voz e poder para interferir em resultados que influem na vida dos países e das pessoas. Os mecanismos utilizados pela ONU não dão legitimidade a participação dos movimentos sociais e das organizações não governamentais, que não concordam com os princípios adotados pela ONU. Muito menos sobre suas práticas. Para deter o poder das corporações Banki-Moon disse que já existia o Global Compact, uma espécie de carta de princípios adotada por várias transnacionais, que respeitam direitos trabalhistas, ambientais e sociais. É o modelo da autorregulação.

Na verdade 20 anos se passaram desde a Eco-92. As crises econômicas do capitalismo se sucederam, agora com os ricos e industrializados no centro do vulcão. De repente começam a apontar como a grande saída para o modelo a valorização dos serviços da natureza, transformando em ativos, em títulos negociados no mercado financeiro. Não há saída sem mudança no sistema geral.

Os 14 mil ativistas, a maioria deles articulados pela internet com representantes do mundo inteiro, ao vivo e online, retransmitiram todas essas questões aos seus respectivos coletivos, articulações e frentes de trabalho. A partir de agora, milhares estão programando novas ações concretas para interferir nas manobras dos dirigentes do setor financeiro e das corporações. Independente do que a ONU ou os países formalmente aderirem, uma rede mundial de organizações estará preparada para rebater. Muitas ações concretas de enfrentamento já foram confirmadas entre eles. Outras tantas estão em andamento. E o Dia Mundial de Greve, em breve fará parte desse cenário.