https://www.ehn.org/fda-chemical-regulation-2657184101.html
Linda S. Birnbaum, uma das maiores toxicologistas do mundo.
21 de abril de 2022
A FDA (Food and Drug Administration dos EUA), agência que fiscaliza alimentos, drogas/medicamentos e produtos químicos nos EUA, precisa aproveitar a oportunidade para modernizar sua abordagem científica para avaliar a segurança de produtos químicos para alimentos e cosméticos.
A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA é responsável por proteger a saúde do público e garantir a segurança do suprimento de alimentos de nossa nação.
Infelizmente, como o Politico noticiou este mês, a agência “falha repetidamente em tomar medidas oportunas em uma ampla gama de questões de segurança e saúde que a agência tem conhecimento há vários anos, incluindo patógenos perigosos encontrados na água usada para irrigar e metais pesados na contaminação de alimentos para bebês”.
Aqui, concentro-me em outro mandato crítico da agência: proteger o público de produtos químicos nocivos em alimentos e cosméticos. Aqui também a agência está falhando em proteger os consumidores.
Produtos químicos em alimentos e cosméticos – presentes como aditivos ou contaminantes – geralmente não causam efeitos negativos imediatos ou óbvios, mas representam um risco significativo de longo prazo para a saúde pública. Os consumidores querem saber que seus alimentos e produtos que usam todos os dias, sejam seguros e que nem os produtos químicos individuais nem seus impactos cumulativos prejudiquem sua saúde. O Congresso orientou a agência a fazer isso há mais de 60 anos.
Revisão da FDA de 2013 – um compromisso não cumprido
Em meio ao crescente escrutínio externo e ceticismo sobre as decisões científicas sobre a segurança de aditivos e contaminantes como bisfenol A (BPA) e corantes sintéticos, a FDA iniciou uma revisão de seu programa de avaliação de segurança química em seu Centro de Segurança Alimentar e Nutrição Aplicada. O objetivo da revisão foi “garantir que a agência esteja fazendo o uso mais eficaz e eficiente de seus recursos de segurança química” e focada na capacidade científica e de gestão do programa.
A revisão incluiu entrevistas com cientistas da FDA, bem como gerentes seniores de outras agências federais que tenham experiência em segurança química. Especialistas externos na área, comentaram sobre uma versão final do relatório e forneceram recomendações.
As respostas dos entrevistados às questões relacionadas à ciência tinham um tema comum: as orientações e os métodos da FDA para avaliar se a toxicidade dos produtos químicos estavam desatualizados.
A equipe da agência e os especialistas externos apresentaram uma série de questões, incluindo de que:
- Faltam processos para identificação e gerenciamento dos riscos dos disruptores endócrinos;
- Precisa de melhores dados sobre os efeitos dos produtos químicos em baixas doses;
- Falta compreensão dos efeitos toxicológicos crônicos;
- Falta avaliação adequada de populações sensíveis que podem estar em maior risco, como bebês e aqueles que vivem em comunidades carentes; e
- Precisa considerar a exposição a misturas e produtos químicos relacionados.
A revisão levou ao “desenvolvimento de um processo para atualizar seus Princípios Toxicológicos para a Avaliação de Segurança de Ingredientes Alimentares”, amplamente conhecido como Redbook.
Em 2014, a FDA deu um passo nessa direção publicando os resultados da revisão em sua página da web e convidando o público a comentar. Lamentavelmente, qualquer ação subsequente foi suspensa e continua assim.
Um dos problemas destacados por especialistas dentro e fora da agência é que, quando se trata de avaliações químicas na FDA, a ciência regulatória é muito estática e evoluiu pouco desde a década de 1980, apesar de um tremendo crescimento em nossa compreensão dos produtos químicos e seus efeitos no corpo. A FDA manteve sua predileção em aderir ao precedente, independentemente dos avanços científicos tornarem esse precedente equivocado ou irrelevante.
E com o “ritmo glacial de decisões” da agência , há poucos precedentes de alta qualidade; a agência não tem pressa em criar novos.
Uso inconsistente da ciência moderna pela FDA
Em muitos casos, a FDA não disponibiliza ao público, seus estudos ou decisões científicas sobre aditivos e contaminantes. (Crédito: FDA)
Novos métodos de teste in vitro, [por exemplo, células em cultura] e outros métodos de teste de curto prazo e dados epidemiológicos tornaram-se disponíveis à medida que a compreensão científica dos perigos químicos evoluiu. A FDA está começando a incorporar algumas dessas novas abordagens em suas avaliações e outros processos. Por exemplo, ela usou dados humanos para apoiar sua decisão de remover gorduras trans artificiais de alimentos processados, e a avaliação da agência da persistência de substâncias alquil per ou polifluoradas (PFAS) demonstrou que os resíduos dessa classe de produtos químicos em alimentos não eram seguros. Embora esses exemplos sejam encorajadores, a agência ainda precisa fazer as mudanças sistêmicas necessárias para modernizar o processo científico de produtos químicos em geral.
Além disso, quando a agência realizou uma revisão pós-comercialização de um produto químico que emprega adequadamente a ciência regulatória moderna para identificar um risco significativo à saúde pública, o gerenciamento de tais riscos foi muitas vezes atrasado, atenuado ou adiado indefinidamente. Por exemplo, depois que os cientistas concluíram que os PFAS de cadeia curta precisavam ser removidos do suprimento de alimentos o mais rápido possível devido à bioacumulação em humanos, a agência deu às empresas cinco anos para eliminá-los gradualmente.
Pior ainda, para cosméticos, as ações sobre produtos químicos muitas vezes contradizem completamente suas próprias avaliações científicas. Por exemplo, a agência decidiu não banir o formaldeído cancerígeno em tratamentos capilares e levou vários anos para resolver as objeções pelas pela indústria ao FDA, no sentido de decisão banir o acetato de chumbo na tintura de cabelo.
A falta de transparência da FDA não cria confiança.
O Centro de Segurança Alimentar e Nutrição Aplicada da agência foi descrito como “um lugar incrivelmente isolado e difícil de entender” e os críticos disseram que ela “estabelece uma grande barreira para alertar o público sobre questões de segurança química de alimentos”.
A transparência no processo científico e na tomada de decisões do Centro é um componente essencial que permite melhorias. Durante a revisão de 2012-2013, seus cientistas identificaram a falta de transparência e de comunicação sobre suas atividades e o processo de tomada de decisão como uma barreira para construir confiança e credibilidade com o público, mesmo quando seus cientistas fizeram contribuições valiosas para o avanço da ciência.
Em muitos casos, a FDA não disponibiliza seus estudos ou decisões científicas sobre aditivos e contaminantes prontamente ao público, o que significa que as solicitações da Lei de Liberdade de Informação (FOIA/Freedom of Information Act) são muitas vezes a única maneira de o público obter informações importantes. Além disso, respostas lentas às solicitações dessa lei corroem ainda mais a confiança, não promovem a transparência e a revisão por cientistas independentes e desperdiçam os recursos da agência respondendo a várias solicitações da mesma informação.
Recomendações para a FDA
O Dr. Robert Califf, o recém-nomeado seu Comissário, tem a oportunidade de redefinir a abordagem da agência em relação à segurança de produtos químicos, tanto em alimentos quanto em cosméticos. Aqui estão recomendações sobre como enfrentar seis desafios importantes:
- Tomar medidas para atualizar e modernizar imediatamente os princípios científicos que sustentam o processo de avaliação de risco químico da agência para considerar os efeitos de longo prazo de exposições químicas em baixos níveis, especialmente durante o desenvolvimento fetal e infantil. A agência deve agir quando surgirem evidências de efeitos epidemiológicas confiáveis nos sistemas neurológico, imunológico, reprodutivo e endócrino, entre outros. Isso envolve a atualização do Redbook e outros procedimentos da ciência regulatória.
- Quando relevante, avaliar os produtos químicos como uma classe/categoria e levar em consideração as exposições agregadas e cumulativas e os efeitos na saúde ao avaliar e gerenciar os riscos químicos. Isso reduziria a substituição lamentável de um produto químico preocupante por outro com o qual está intimamente relacionado e diminuiria os riscos à saúde dos consumidores.
- Estabelecer um grupo de especialistas da agência dedicados exclusivamente à realização de reavaliações pós-comercialização, uma vez que estas são um esforço distinto das revisões pré-comercialização. Esse grupo desenvolveria estratégia, ferramentas e procedimentos para priorizarem a reavaliação de decisões anteriores e tomarem medidas quando necessário. Esse grupo de especialistas deve monitorar sistematicamente o Sistema de Notificação de Eventos Adversos, as determinações de perigos de outras agências (por exemplo, carcinogênicos), ações pós-comercialização e a literatura científica (por exemplo, epidemiologia, novas informações sobre riscos).
- Aumentar a transparência de todas as atividades regulatórias do CFSAN/Center for Food Safety and Applied Nutrion; qualquer documento que esteja disponível ao público sob a FOIA deve ser imediatamente acessível sem a necessidade de sua solicitação.
- Coordenar estreitamente com outras agências federais e estaduais que realizam avaliações de saúde humana sobre produtos químicos que contaminam e/ou são adicionados legalmente aos alimentos (por exemplo, identificação de perigos, avaliação de exposição, avaliação de dose-resposta) para garantir que as avaliações da FDA incluam um conjunto completo de dados toxicológicos, de exposição e epidemiológicos atualizados e rigorosamente avaliados.
Em suma, a FDA precisa aproveitar a oportunidade para modernizar sua abordagem científica para avaliar a segurança de produtos químicos de alimentos e cosméticos, tanto prospectivamente quanto retrospectivamente, e tomar medidas mais fortes para proteger a saúde do público. O Dr. Califf deve aproveitar a oportunidade de seu retorno à agência para enfrentar esse desafio de saúde pública. As comunidades científica, médica e de saúde pública estão prontas para ajudá-lo a ter sucesso.
Linda S. Birnbaum, Ph.D., é cientista emérita e ex-diretora do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental e do Programa Nacional de Toxicologia, e como bolsista residente na Nicholas School of the Environment, Duke University.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2022.