Como a mudança na lei de agrotóxicos afeta consumidores

Trágica decisão que reetrocede mais de 90 anos na guerra contra os organismos vivos.

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[NOTA DO WEBSITE: por que nosso espaço está enfatizando a agressão à Vida dessa decisão de Brasília? Como participamos direta e definitivamente de toda a chamada luta contra os agrotóxicos no Rio Grande do Sul e depois no Brasil, a partir de 1980, sabemos o quanto essa ação é criminosa. Naquele tempo, tivemos a contaminação de tomates por mecuriais, morangos e batatinha por venenos perigosos, além de outras situações, ao constatarmos que isso ocorria porque quem regulamentava os chamados ‘pesticidas’ -como se houvesse ‘pestes’- ou ‘defensivos agrícolas’ -expressão criada pela indústria do veneno para dar uma falsa imagem de defesa da agricultura-, era justamente um decreto do Getúlio Vargas da década de trinta, quando não existiam nenhum desses venenos sintéticos somente os minerais, e quem decidia tudo era o Ministério da Agricultura até porque nem havia a ideia de ‘meio ambiente’ e a área da saúde recém havia sido reconhecida como Ministério e junto com a Educação, nem tinha conexão com a questão da intoxicação dos agricultores, a não ser em casos de intoxicação aguda. Não havia a compreensão da contaminação sistêmica e crônica como os venenos a partir do DDT, depois da IIª Guerra, tanto que esse veneno que veio como a ‘salvação da humanidade’, mas proibido no mundo na dácada de 70. Isso estava apoiado pelas informações geradas pelo livro de Rachel Carson em 1962, ‘Primavera Silenciosa”. Pela primeira vez se reconhece os efeitos a longo prazo, muito além da toxicidade aguda, por venenos sintéticos, criados em laboratório, originalmente, como gases de guerra. Então, depois de se elevar por 10 anos de 1980 a 1989, a compreensão da sociedade brasileira de que são substâncias, muitas disruptores endócrinos, que, OBRIGATORIAMENTE, devem ter avaliação de seus efeitos sobre a saúde humana, animal e ambiental, voltarmos à decisão ficar nas mãos, nem sempre limpas, como já era em 80, do Ministério da Agricultura é voltarmos à ignorância, compreensível, dos tempos de Vargas, nos anos 30.]

Nádia Pontes

10/02/2022

Projeto de lei aprovado em regime de urgência, apelidado de “Pacote do Veneno”, facilita regras de registros de novos agrotóxicos e aumenta poder do Ministério da Agricultura.

Em seu primeiro dia de atividade parlamentar de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, o Projeto de Lei 6299, de 2002, proposto pelo então senador Blairo Maggi, que também foi ministro da Agricultura (de 2016 a 2019, no governo Temer) e segue como um dos maiores exportadores de soja do país.

A lei, que foi apelidada de “Pacote do Veneno” por organizações da sociedade civil, traz mudanças significativas nas regras de registros de agrotóxicos – palavra que, segundo o texto, deve ser substituída a partir de agora por pesticidas.

Dentre as alterações apontadas como uma das mais preocupantes está a retirada de trechos da antiga legislação que proibiam o registro de agrotóxicos com componentes que provocassem câncer, mutações ou distúrbios hormonais. Não seriam admitidos produtos com características “teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas”, como dizia o sexto parágrafo do artigo terceiro da lei 7.802, de 1989.

No novo texto, os termos precisos foram cortados e a proibição se resume a produtos que apresentem “risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente”.

Para Larissa Bombardi, pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), a flexibilização faz com que o “pouco que existia de princípio de precaução” desapareça.

“Quando se fala em risco inaceitável, abre-se uma janela de discussão que não fecha nunca. O que é risco aceitável ou inaceitável? Um risco de causar câncer é sempre inaceitável”, explica Bombardi à DW Brasil. 

Da Bélgica, para onde se mudou com os filhos após se sentir insegura para falar sobre o tema no Brasil, Bombardi acompanha a discussão no país natal.

Autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, atualmente Bombardi pesquisa, na Universidade Livre de Bruxelas, como o lobby da indústria de agrotóxicos influencia as decisões políticas brasileiras.

Hierarquia das decisões

Para Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil, organização que reúne gigantes do setor como Bayer e Syngenta, o novo texto moderniza a legislação e não retira o poder de outros órgãos reguladores, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sob o Ministério da Saúde.

“Não tem como aprovar um novo produto sem que Ibama e Anvisa avaliem. O que mudou foi que a palavra final é do Ministério da Agricultura”, pontua Lohbauer à DW.

É justamente essa centralização que preocupa pesquisadores e entidades da sociedade civil.

“Na legislação atual, os três ministérios têm poderes iguais, cada um analisa um aspecto: o da Agricultura atende as demandas do setor. Anvisa olha para saúde pública, e o Ibama, para o meio ambiente. [Agora] eles continuam no processo, mas todo o controle está na Agricultura”, argumenta Suely Vaz, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.

A maneira como as novas regras foram escritas também acendeu um alerta em Bombardi. “Antes, o texto da legislação era claro quanto à paridade de ministérios. Agora, o texto está difuso. Ele abre margem para que o [Ministério] da Agricultura apareça de forma hierárquica. Não há mais um equilíbrio”, analisa.

Registro temporário

Essa nova estrutura permite que o Ministério da Agricultura libere o registro temporário de novos agrotóxicos mesmo se Ibama e Anvisa não tiverem concluído suas análises de risco.

Se aprovação do produto não sair em no máximo dois anos, agrotóxico deve receber registro temporárioFoto: DW/Nádia Pontes

Para especialistas ouvidos pela DW, o próprio conceito de análise de risco ficou amplo e indefinido. O texto aprovado considera, por exemplo, que a gestão deve “ponderar fatores políticos, econômicos, sociais e regulatórios” quando o assunto é avaliação de risco.

“Isso não faz sentido. É como se a nova lei trouxesse uma espécie de ‘cheque em branco’ sob esse rótulo de análise de risco”, critica Vaz.

Com as mudanças, caso o pedido de liberação de um novo agrotóxico não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de até dois anos, o Ministério da Agricultura é obrigado a dar um registro temporário.

É preciso, no entanto, que o produto seja empregado em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 37 nações com restrições diversas.

“Isso é uma grande mudança. No Brasil, demora-se até oito anos para aprovar um novo produto. É tanta demora, que o país perde o ciclo tecnológico e o produtor continua usando produtos velhos”, comenta Lohbauer, da CropLife.

“Esse registro temporário é uma estratégia para o desmonte [da legislação]. A OCDE tem países como Japão, mas também tem Chile, Colômbia e México, que estão sujeitos às mesmas pressões que o Brasil e sofrem impactos de agrotóxicos como aqui”, ressalta Bombardi.

Flexibilização de lei para aumentar vendas

Realização de testes que comprovem a segurança do uso de um componente e a análise dos riscos à saúde humana não são processos simples. Eles são demorados e complexos, e um dos limitadores para que um parecer definitivo possa ser emitido num prazo mais curto.

Até mesmo substâncias usadas há décadas nas lavouras, como o glifosato, podem apresentar problemas tardios. É o que mostram casos reunidos nos Estados Unidos.

Em 2020, a alemã do setor químico Bayer anunciou que pagaria mais de 10 bilhões de dólares para encerrar cerca de 95 mil processos movidos por americanos relacionados ao herbicida Roundup, que contém glifosato. O produto produzido pela Monsanto – adquirida pela Bayer em 2018 – é associado ao desenvolvimento de câncer.

Antes da votação do PL em Brasília, um dossiê técnico e científico assinado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) publicou documentos que, segundo os autores, comprovam o interesse da indústria em flexibilizar a lei para aumentar as vendas de agrotóxicos, o que leva ao aumento da contaminação dos trabalhadores rurais, da população e da natureza, sem contrapartidas de proteção à saúde e ao ambiente.

“É um perigo para o consumidor. Temos uma exposição crônica da população quando se trata de nível de resíduo nas águas e nos alimentos quando se compara com a União Europeia. Ao invés de haver uma modernização da lei que restrinja o uso de substâncias perigosas, a lei aumenta o risco”, analisa Bombardi.