Adubação sintética: a alma da ‘Revolução Verde’ com seu NPK=nitrogênio, fósforo e potássio.

https://thatsfarming.com/farming-news/nitrogen-fertiliser-research

Editores Online

13/11/2021

Uma nova pesquisa mostra que a cadeia de abastecimento de fertilizantes nitrogenados sintéticos, foi responsável por emissões estimadas de 1.250 milhões de toneladas de CO₂ em 2018.

Isso é aproximadamente 21,5% das emissões diretas anuais da agricultura (5.800 milhões de toneladas).

Três cientistas trabalhando com o Greenpeace, o Instituto de Política Agrícola e Comercial (IATP) e GRAIN conduziram a pesquisa.

Ele fornece a primeira estimativa dos impactos climáticos globais dos fertilizantes sintéticos nitrogenados, cobrindo toda a cadeia de produção, da fabricação à sua aplicação no solo.

Eles descobriram que a produção e o uso desses fertilizantes sintético (nt.: tratado entre nós no Brasil somente como ‘ureia’) respondem por 2,4% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Isso torna-o um dos produtos químicos industriais que mais poluem o planeta.

“A maioria de suas emissões ocorre depois que foram aplicados ao solo e entraram na atmosfera como óxido nitroso (N2O) – um gás de efeito estufa persistente, com potencial 265 vezes maior em relação ao aquecimento global se comparado ao CO₂.”

“Mas, o que é menos discutido é que quase 40% dessas emissões de GEE dos fertilizantes nitrogenados sintéticos ocorrem na produção e transporte, principalmente na forma de CO2  causado pela queima de combustíveis fósseis durante sua fabricação.”

“Somada, uma contabilidade completa de suas emissões mostra como ele é uma importante fonte de poluição climática que precisa ser rápida e drasticamente reduzida”, afirma a pesquisa.

Aumento de 800% desde 1960

De acordo com essa nova pesquisa, esses fertilizantes são um dos principais motores na geração da crise climática.

São responsáveis ​​por 1 em cada 40 toneladas de GEEs atualmente bombeados para a atmosfera.

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), esses fertilizantes sintéticos aumentaram 800% desde 1960.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação/FAO, o uso mundial desses fertilizantes deve prosseguir aumentando em mais de 50% até 2050.

Além disso, a pesquisa descobriu que as emissões são altamente concentradas em certas áreas geográficas.

China, Índia, América do Norte e Europa são os principais emissores.

Mas, em uma base per capita, os maiores emissores são os grandes países exportadores agrícolas da:

  • América do Norte (EUA e Canadá);
  • América do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai);
  • Austrália / Nova Zelândia;
  • Europa (Dinamarca, França, Irlanda, Ucrânia).

“Em todo o mundo, as emissões continuam crescendo a cada ano, inclusive na África, onde o uso de fertilizantes agora está crescendo rapidamente.”

Modelo de ‘revolução verde’

Eles afirmam que o modelo de agricultura da ‘revolução verde’, introduzido na década de 1960, contribuiu fortemente para o aumento do uso de fertilizantes químicos.

Este modelo é baseado no desenvolvimento e adoção de variedades de certas culturas básicas (principalmente trigo, arroz e milho) que são:

  • Baixo e atarracado (chamado de semi-anão);
  • Capaz de produzir altos rendimentos quando muito dosado com fertilizantes químicos e pulverizado com agrotóxicos.

“As variedades da revolução verde substituíram rapidamente as variedades locais e geraram um grande boom no uso global de fertilizantes químicos”

“Eles também entraram em um ciclo vicioso, no qual cada vez mais fertilizantes químicos tinham de ser aplicados para sustentar a produtividade.”

“Hoje, apenas cerca de 20-30% dos fertilizantes nitrogenados sintéticos aplicados nos campos são convertidos em alimentos. O resto escorre para corpos d’água e entra no meio ambiente como poluição.”

O documento de pesquisa diz que o lobby dos fertilizantes passou várias décadas sustentando que o uso excessivo desses fertilizantes pode ser resolvido por meio de uma aplicação mais precisa – o que eles chamam de ‘agricultura de precisão’ ou ‘agricultura inteligente para o clima’.

“No entanto, a nova pesquisa sobre as emissões de fertilizantes nitrogenados não encontrou nenhuma evidência de que os programas para aumentarem a eficiência tiveram qualquer impacto significativo.”

“Na maioria das regiões do mundo, não houve aumento significativo na produção agrícola por unidade de fertilizante nitrogenado sintético aplicado.”

Pensamento mágico sobre fertilizantes e mudanças climáticas

https://www.iatp.org/magical-thinking-fertilizer-and-climate-change

Timothy Wise

11 de novembro de 2021

O seguinte artigo foi publicado originalmente no IPS News em 9 de novembro de 2021. 

Enquanto os líderes mundiais encerram a Cúpula do Clima da ONU em Glasgow, novas pesquisas científicas mostram que ainda existe uma grande quantidade de pensamentos mágicos sobre a contribuição dos fertilizantes para o aquecimento global.

O filantropo Bill Gates alimentou o retiro da ciência em seu livro  How to Avoid a Climate Disaster no  início deste ano. “Para mim, o fertilizante é mágico”, ele confessa, principalmente o fertilizante nitrogenado. Sob a foto de um Gates em um armazém de distribuição de fertilizantes da Yara (nt.: mesma empresa norueguesa que atua no Brasil, compradora, em 2000, da Adubos Trevo do RS, quando entra no mercado nacional. Na última década vem comprando outras empresas de adubos brasileiras tornando-se a grande fornecedora de fertilizantes sintéticos no nosso país) na Tanzânia, ele explica que “para cultivar, você precisa de toneladas de nitrogênio – muito mais do que você jamais encontraria em um ambiente natural [sic]…. Mas o nitrogênio torna a mudança climática muito pior.”

Essa última parte, pelo menos, é verdade, e novas pesquisas sugerem que os impactos climáticos do uso excessivo de fertilizantes nitrogenados são muito piores do que o estimado anteriormente. Os pesquisadores estimam que a cadeia de suprimento de fertilizantes N está contribuindo com mais de seis vezes os gases de efeito estufa (GEEs) produzidos por todo o setor de aviação comercial.

Nitrogênio: um problema climático crescente

Ao que tudo indica, alimentos e agricultura mal estão na agenda da cúpula do clima da ONU, embora os sistemas alimentares contribuam com cerca de um terço dos GEEs. As emissões diretas da produção de alimentos respondem por cerca de um terço disso, com a principal fonte sendo a pecuária, principalmente emissões de metano e esterco.

Mas cerca de 10% das emissões diretas vêm de fertilizantes nitrogenado sintético aplicados às lavouras. Apenas uma parte do fertilizante aplicado é absorvida pelas plantas. Parte é transformada em óxido nitroso pelos microrganismos do solo. Alguns vazam do solo ou volatilizam-se em gás quando são aplicados. O efeito cumulativo é a liberação de óxido nitroso, um GEE 265 vezes mais potente que o dióxido de carbono.

Três cientistas que trabalham com o Greenpeace, o Instituto de Política Agrícola e Comercial e o GRAIN realizaram a primeira análise abrangente do ciclo de vida das emissões de fertilizantes N. Eles usaram dados aprimorados sobre emissões diretas de campo e emissões incorporadas da fabricação e transporte de fertilizantes N. A manufatura, que depende fortemente do gás natural, é responsável por 35% do total de GEEs de fertilizantes nitrogenados.

As novas estimativas, que são preliminares à medida que passam por revisão por pares, são 20% maiores do que as utilizadas anteriormente pelas Nações Unidas. Não é de surpreender que os maiores emissores sejam os maiores produtores agrícolas: China, Índia, América do Norte e Europa. Em uma base per capita, porém, os maiores emissores são os grandes exportadores agrícolas: Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina, Austrália, Nova Zelândia e Europa.

Levando a África na direção errada

A África ainda não é um grande usuário de fertilizantes, com taxas de aplicação baixas – cerca de 15 kg/ha – mas aumentando rapidamente com as recentes campanhas da Revolução Verde. Embora Gates essencialmente rejeite os impactos climáticos dos fertilizantes como um mal necessário para alcançar o bem maior da segurança alimentar, crescem as evidências de que a abordagem da Revolução Verde está falhando em seus próprios termos. Minha pesquisa mostrou que nos 13 países em foco da ONG AGRA/Alliance for a Green Revolution in Africa, os rendimentos não estavam crescendo significativamente e o número de pessoas subnutridas aumentou 31%.

O bem maior prometido pela AGRA não foi muito bom.

De acordo com a nova pesquisa de fertilizantes, a AGRA está levando a África na direção errada. Globalmente, o uso de fertilizante nitrogenado está projetado para crescer entre 50% e 138% até 2050. A África está projetada para ver pelo menos um aumento de 300% nos próximos 30 anos. Será muito maior se Gates conseguir o que quer.

As implicações climáticas desse caminho de desenvolvimento são preocupantes. Um aumento de 300% significa 2,7 milhões de toneladas (Mt) a mais de fertilizante N na África. Com emissões de campo estimadas em 2,65 toneladas de GEE por tonelada de nitrogênio e outras 4,35 toneladas da produção e transporte, as emissões totais são mais próximas de 7 toneladas de GEE por tonelada de fertilizante N.

Em 2050, um aumento de 300% no uso de fertilizantes na África significaria adicionar cerca de 19 Mt de GEEs por ano a mais do que emite agora. Como os GEEs se acumulam na atmosfera e o óxido nitroso persiste por mais de 100 anos, a África terá contribuído com 284 Mt adicionais de GEEs até 2050 se o uso de fertilizantes aumentar 300%. Se Gates e a AGRA seguirem seu caminho e a África se aproximar das médias globais atuais de 137 kg/ha de fertilizante N, a África contribuiria com 800% a mais, um adicional de 50 Mt em 2050, equivalente às emissões do desmatamento de meio milhão de hectares de floresta amazônica (cerca de 1,2 milhões de acres). Os GEEs cumulativos seriam de 750 Mt em 2050.

Isso é uma quantidade quase igual às emissões anuais de todo o setor de aviação comercial.

“Agricultura estúpida para o clima”

Bill Gates está simplesmente errado quando diz que a única maneira de cultivar alimentos é com fertilizantes sintéticos. As lavouras precisam de nitrogênio e, em muitas áreas, podem obter a maior parte ou a totalidade do que precisam de uma agricultura agroecológica melhorada. Globalmente, com melhores práticas de gestão de nutrientes, poderia haver uma redução de 48% no uso de fertilizantes sintéticos, sem redução na produção de cereais, de acordo com um artigo na Nature.

Os cientistas que criaram o novo relatório fazem três recomendações para reduzir os GEEs associados ao uso de fertilizantes nitrogenados. Todos questionam o modelo da Revolução Verde de Gates para a África:

  • Selecione um modelo de agricultura que não dependa de fertilizantes sintéticos; demonstrou-se que o consórcio com culturas fixadoras de nitrogênio aumenta a produtividade e melhora os solos.
  • Reintegrar o gado na agricultura para que mais nutrientes do estrume sejam devolvidos à terra; menos da metade está agora.
  • Limite o crescimento da produção e consumo industrial de gado. Três quartos do fertilizante N em todo o mundo são usados ​​para produzir ração para gado.

A ciência é clara: os agricultores africanos estão certos quando chamam a Revolução Verde de “agricultura estúpida para o clima”.

Traduções livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, dezembro de 2021.