Expectativa de fracasso, entraves nas negociações, duras críticas feitas por organizações da sociedade civil e provável ausência dos principais líderes mundiais. O clima às vésperas da Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, é o mesmo de duas décadas atrás, antes da Rio 92, conferência da ONU sobre “ambiente e desenvolvimento”.
http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2012/05/30/83783-considerada-fracasso-na-epoca-rio-92-foi-sucesso-para-especialistas.html
As críticas à Rio+20 são várias, segundo ONGs brasileiras e do exterior. A falta de entrosamento dos países na elaboração do “Rascunho Zero”, documento que norteará o encontro e vai definir o que é uma “economia verde”, aliada ao fato da conferência não resultar em obrigações com metas ambientais, sociais e econômicas, enfraquecem a Rio+20 e afastam grandes líderes — como os chanceleres David Cameron, do Reino Unido, e Angela Merkel, da Alemanha, que já informaram que não estarão no Brasil no próximo mês.
O encontro de duas décadas atrás, também chamado de “Cúpula da Terra” e de “Eco 92″, popularizou a ideia de desenvolver a economia de olho nas questões sociais e ambientais – o conceito foi batizado de “desenvolvimento sustentável”. Mais de cem chefes de Estado participaram e assinaram acordos considerados importantes e “de sucesso”, de acordo com especialistas em negociações internacionais ouvidos pelo G1.
Entre os principais resultados da conferência estão o documento da Agenda 21, um roteiro para países, estados e cidades de como crescer e ao mesmo tempo resolver problemas ambientais e sociais; a criação da Convenção do Clima e da Convenção para a Biodiversidade, além do embrião da Convenção de Combate à Desertificação.
“Em 1992 havia um esforço enorme para que os chefes de Estado viessem. Ocorreram extensas rodadas de negociação que resultaram nos tratados internacionais. Antes da conferência acontecer, as pessoas não achavam que seria grande coisa. Mas ela deu certo”, disse José Goldemberg, ministro da Ciência e Tecnologia da época, considerado uma das principais peças-chave da conferência e um dos interlocutores do então presidente Fernando Collor durante as negociações do segmento de alto nível (com chefes de Estado).
Rubens Ricupero, embaixador brasileiro e presidente da comissão de Finanças da Eco 92, fez a mesma avaliação. “Naquela época, o Brasil tinha uma atitude muito pró-ativa, de aproximar as posições e se empenhou em facilitar mais os acordos, como anfitrião. As condições naquela época [para acordos multilaterais] eram mais favoráveis que hoje. Era uma situação muito mais encorajadora e parecia haver uma convergência favorável à cooperação internacional”, afirmou.
Choque de realidade – Um ano antes do encontro, em 1991, o embate estratégico e militar entre Estados Unidos e União Soviética havia acabado e resultado na extinção do bloco soviético. O Muro de Berlim, na Alemanha, símbolo de separação física e econômica entre o Ocidente e o Oriente desde a Segunda Guerra Mundial, caiu ainda antes, em 1989. Ainda assim, o cenário internacional é visto como mais tranquilo do que o atual.
“As coisas deram certo naquela época porque não havia uma crise econômica tão grave quanto à de agora”, disse Ricupero.
A principal preocupação ambiental na época era com o buraco na camada de ozônio, que crescia devido à alta emissão dos chamados gases CFC (clorofluorcarbonos) – uma substância usada em aerossóis e para refrigeração que destroi o ozônio da alta atmosfera, permitindo a passagem de raios ultravioletas danosos a pessoas e à biodiversidade.
No Brasil, o desmatamento da Amazônia estava acelerado (perda de uma área 77.366 km² em apenas cinco anos, equivalente ao tamanho de 50 cidades de São Paulo, de acordo com dados do governo), o que fez do país alvo intenso de críticas.
De acordo com o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe da delegação brasileira na Rio+20, essa visão mundial foi um dos principais impulsionadores para que a conferência ocorresse por aqui.
“Em vez de ficar na defensiva, o Brasil se antecipou dentro dessa nova pauta. [A Rio 92] foi o primeiro momento que o mundo se deu conta de que alguma coisa havia acontecido no clima e ela trouxe o conceito de uma nova forma de desenvolvimento associado ao social e ao ambiental”, disse Corrêa do Lago.
Resultados – O conceito de desenvolvimento sustentável foi popularizado na Eco 92, mas foi usado pela primeira vez em 1987, em um relatório da ONU que criticava o modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento.
Chamado de “Nosso Futuro Comum” – mas popularmente conhecido por “Relatório Bruntland”, sobrenome da então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, que chefiava a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – dele saíram as primeiras iniciativas da “Agenda 21”, adotada formalmente no Rio.
De acordo com José Goldemberg, a Agenda 21 era um roteiro para que os países agissem nacionalmente e localmente. O documento era um plano de ação que mostrava para prefeitos e governadores como seguir o caminho do desenvolvimento sustentável.
“Não era um documento obrigatório, mas foi seguido por grande parte dos países, principalmente pelo Brasil. Era um roteiro detalhado de como adotar decisões para conter a poluição de indústrias, para tratar a água (…) proporcionou progressos”, explicou Goldemberg.
Segundo Ricupero, as diretrizes da Agenda serviram de base para criar a comissão de Desenvolvimento Sustentável dentro da ONU.
Para Paulo Artaxo, especialista em mudanças climáticas e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC, a partir da Agenda 21 é que aumentaram os investimentos no tratamento de resíduos sólidos, de esgoto, no aumento da reciclagem. Segundo ele, houve maior atenção para o impacto da indústria no ambiente e também propagação da educação sobre o tema.
“O fato de ver hoje empresas querendo se associar com a questão preservacionista é um reflexo da mudança que ocorreu em decorrência da Rio 92. Mudou o panorama do que vem a ser o desenvolvimento verde e sedimentou que é fundamental que as empresas e o governo tenham uma agenda positiva em relação ao meio ambiente”, disse.
Do lado das empresas, Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), afirmou que uma das bandeiras levantadas na época pelo setor foi a da ecoeficiência. A partir do encontro, foram criadas regras de eficiência na produção que evitariam o desperdício de materiais e energia.
“Houve, por exemplo, a implementação do [sistema] ISO voltado à sustentabilidade e a preocupação em reduzir as emissões de carbono com o uso de ferramentas que contribuem para reduzir o impacto no clima, como os inventários de emissões. (…) As empresas estão interessadas em participar”, disse ela.
Convenção do Clima – Um dos primeiros documentos assinados na Eco 92, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), foi o principal motivo da vinda de governantes de grandes potências.
Apesar de ter entrado em vigor em 1994, foi nessa convenção que foi criado o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, afirmando que todos os países devem reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, porém o esforço daqueles que mais emitiram ao longo da história deve ser maior.
De acordo com José Goldemberg, houve um empenho para trazer grandes líderes, como o presidente dos Estados Unidos na época, George Bush pai. “Era uma decisão que afetava o país dele e todos os outros. Foi importante a criação [da convenção do clima], que foi precedida de longas negociações”, explicou Goldemberg.
Depois de criada a Convenção do Clima, passaram a acontecer reuniões anuais com o intuito de estabelecer uma política global para diminuir a emissão de gases causadores de efeito estufa: a Conferência das Partes, as COPs. Neste ano, deve ocorrer a 18ª edição, em Doha, no Qatar.
A partir desses encontros é que se obteve o Protocolo de Kyoto, criado em 1997 e único tratado global que obriga países desenvolvidos a reduzir suas emissões – em 5,2% entre 2008 e 2012. Os Estados Unidos, principal emissor de gases na época, assinaram, mas não ratificaram.
“Infelizmente, a criação de um programa eficaz de redução de CO2 não teve sucesso”, disse Paulo Artaxo.
Em 2009, na COP 15, realizada em Copenhague, na Dinamarca, havia uma expectativa de que fosse criado um novo plano, já que se aproximava o fim do prazo de Kyoto. O encontrou reuniu centenas de chefes de Estado – o que nunca havia ocorrido, já que as COPs reúnem, no máximo, ministros do Meio Ambiente na tomada de decisões. Mesmo assim, foi considerada um fracasso.
Em 2011, na COP 17, realizada em Durban, na África do Sul, conseguiu-se protelar o Protocolo de Kyoto por mais um período, de 2013 até 2017 ou 2020 (o prazo final não foi definido).
Outras convenções – Durante a Eco 92, foi assinada também a Convenção sobre Diversidade Biológica ou “da Biodiversidade”. O Brasil foi o primeiro país a assinar o tratado internacional, seguido por outros 174 países.
A convenção criou legislações voltadas à conservação de ecossistemas, ao seu uso sustentável e à repartição de benefícios derivados do uso de recursos genéticos. ”
Ainda na cúpula da ONU, os países assinaram o documento que criava a negociação para instalar a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD, na sigla em inglês).
Instituída oficialmente apenas em 1996, os trabalhos do grupo são voltados especificamente para zonas áridas e semiáridas, onde estão localizados ecossistemas e populações vulneráveis.
De acordo com a ONU, seu objetivo é “criar uma parceria global para reverter e prevenir a desertificação, degradação dos solos e reduzir os efeitos da seca nas áreas afetadas, com o intuito de apoiar a redução da pobreza e a sustentabilidade ambiental”.
Segundo Heitor Matallo, brasileiro que é coordenador regional para a América Latina e Caribe da entidade, os trabalhos da UNCCD ainda não mostraram todo seu potencial. Segundo ele, o problema da desertificação “é grande, mas os países não prestam muita atenção nisso, talvez pelo fato de que o problema não é visível para as pessoas que vivem nas cidades”.
Matallo comentou ainda que o termo “sucesso” não se deve aplicar a nenhuma convenção – Mudança Climática, Biodiversidade e Desertificação. “Apesar delas, os problemas avançam. Mas, talvez sem elas, as coisas estariam muito piores”.
Fonte: Eduardo Carvalho/ Globo Natureza)