Usina de ruralistas influentes, RS multiplica negacionismo político

Pampa gaúcho sofreu em 2019, 44% de desmatamento

https://deolhonosruralistas.com.br/2021/09/08/usina-de-ruralistas-influentes-rs-multiplica-negacionismo-politico/

Por Alceu Luís Castilho

08/09/2021

[NOTA DO WEBSITE: Por que publicar esse texto? Ele é paradigmático quando conhecemos a história do hoje exaltado ‘‘. Vale a pena relembrar que o RS e SC e mesmo o oeste do PR, foram onde se instalaram os maiores núcleos de imigrantes europeus. E é interesssante porque foi um avança progressivo que começa lá no século XIX. Nesses estados, diferente dos imigrantes que foram para SP e outros estados, não tiveram tanta conexão com a produção de alimentos básicos e de subsistância como os do Sul, até a chegada dos imigrantes orientais. No caso do RS, com a extinção das Missões Jesuíticas, ao se expadirem as famílias principalmente de origem alemã, da região de maior concentração nas primeiras décadas do século XIX, acabaram chegando ao planalto sulriograndense. Ocuparam os espaços já com as populações dos povos originários, Guarani, Kaingang e Xokleng, terem sido relativamente devastadas. Com a farta presença das florestas de araucárias e de outras essências nativas (detalhe: lembram hoje como são as florestas amazônicas), foram gradativamente indo em todas as direções, incluindo o noroeste já em SC e PR. Viviam uma vida de subsistência e tinham uma vida simples e como se chamava na época uma ‘vida de colono’ (realtivamente pejorativo se comparado com os homens do pampa). Avançando o tempo, com o término da IIª Guerra Mundial, com a destruição da Europa, houve uma grande pressão sobre as florestas dessas regiões do oeste brasileiro e as grandes madereiras surgem e ocupam todo o planalto. Sua função: tombar toda a floresta para que a sua madeira fosse usada na reconstrução europeia. E assim vai até as décadas de 50 60 do século passado, até praticamente se extinguirem após ‘a derrubada’ da última araucária. E uma nuvem ‘negra’ toma conta do planalto porque os solos eram considerados ‘pobres e ácidos’. Como nada é por acaso, nas décadas de 50 e 60, surge a Aliança para o Progresso e em seu bojo a ‘revolução verde’ calcada no pacote tecnológico da modernização da agricultura. Tudo sob a batura e comando dos Irmãos do Norte do Tio Sam. E o que vem nesse ‘pacote’? Todos os insumos modernos, as máquinas agrícolas e sustentado/financiado/’empurrado’ pelo crédito rural. Com o presente para esse ‘avanço agrícola’ vem na bandeja para acabar com a fome no mundo, o cultivo da soja. É lógico que não se falava que tudo levaria ao retorno das capitanias hereditárias do século XVI e das sesmarias dos séculos XVIII e XIX e que hoje se transmutou em latifúndios. Mas agora não iriam errar. Seriam certificados com a tecnologia adquida com os ‘pós-graduações’ em universidades norte americanas como a do estado de Wisconsin que prepararam os técnicos de universidades como do RS, para implementarem e darem o cunho científico para o pacote da modernização da agricultura. Daí para os pequenos não deu certo. Era muito investimento para pouca terra e se aprofunda o êxodo rural e surgem os agricultores sem terra. Já em plena ditadura militar com a gestão de Médici com sua obsessão de tirar a Amazônia de sua vocação florestal natural, entrega, com suas transamazônicas e usinas hidreléticas, de bandeja toda a riqueza já mapeada e para as grande mineradoras, madereiras transnacionais e para o nascente ‘agribussines’ do supremacismo branco eurocêntrico. Agora traduzido litralmente para ‘agronegócio’, a pretensão militar era que esses degradados agricultores sulinos que não tiveram competência de se transformarem em grandes ‘sojicultores’, fossem os que pavimentação com seu desmatamento e queimadas, abrissem as portas para o capital que, 50 anos, depois, se apossassem da Amazônia e do Cerrado para fazerem a mesma devastação que fizeram com o Sul do Brasil. Por isso a colocação desse material como todas as outras matérias que tragam os devastadores, supremacistas brancos da região sul, que estão sendo os verdadeiros ecocidas e genocidas, em nome de um capital/lucro que ficam com poucos sobre uma riqueza é que de todos os habitantes do planeta. Mas se não temos um deserto no sul, não acontecerá o mesmo com a devastação da Amazônia e do Cerrado? O RS que já foi considerado o celeiro do Brasil, hoje passa a ser tomado pelo deserto verde dos eucaliptos e dentro do país passa a ser um estado realtivamente estagnado. E o ambiente? Importantíssimo reconhcer que os processos usados no sul, mesmo equivocados, não representaram o que representará nas florestas do Cerrado e da Amazônia. Por exemplo, toda a chuva e umidade que existe hoje no sul, se origina nos rios voadores que vêm da Amazônia. Sem floresta, será sem chuva e sem umidade. Aí sim o deserto e a degradação se completará no seu ciclo diabólico que se fecha com a destruição do norte e nordeste.]

De Olho nos Ruralistas inicia, por UF, retrospectiva de seus cinco anos; símbolos da truculência no Congresso, deputado Alceu Moreira e senador Luis Carlos Heinze fazem parte direta dessa história, ao lado das terras de Eliseu Padilha em parque no Mato Grosso

O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) tornou-se uma figura mais conhecida nacionalmente por sua atuação peculiar na CPI da Covid, em defesa incondicional do governo Bolsonaro e da farsa do “tratamento precoce”. Quem acompanha o De Olho nos Ruralistas conhece bem, desde o início do observatório, esse estilo negacionista. Em novembro de 2016, três meses após a estreia do portal, ele nos dava entrevista sobre mudanças climáticas. E dizia com todas as letras: “Eu não acredito”.

Foi uma das duas entrevistas feitas na mansão da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em Brasília, antes da expulsão da reportagem pelo chefe dos lobistas, um executivo do Instituto Pensar Agro (IPA). A atuação da bancada ruralista é um dos temas principais do De Olho, que acaba de completar cinco anos e inicia com o Rio Grande do Sul uma retrospectiva de suas principais reportagens: “De Olho nos Ruralistas faz cinco anos e multiplica projetos“. Heinze já foi presidente da FPA e é uma de suas faces mais salientes.

Autor da célebre frase sobre “tudo que não presta”, na visão dele “índios, gays, lésbicas, quilombolas, tudo que não presta”, dita em 2014, o senador motivou em 2018 uma charge do ilustrador Baptistão, onde ele aparece ao lado do deputado Alceu Moreira (MDB-RS). Um parlamentar ainda mais ríspido. Foi Moreira o outro entrevistado no dia da expulsão, na mansão dos lobistas. Foi ele quem recomendou a fazendeiros, também em 2014, a seguinte linha de conduta para ocupantes de terras, como os indígenas: “Fardem-se de guerreiros e lutem do jeito que for necessário”.

Confira aqui a entrevista onde Heinze manifesta seu negacionismo climático:

OSMAR TERRA E ONYX LORENZONI TAMBÉM GANHARAM PERFIS NO OBSERVATÓRIO

Durante as eleições de 2018, Heinze e Moreira já ilustravam reportagem sobre os principais candidatos ruralistas no Rio Grande do Sul: “Influentes e virulentos, ruralistas gaúchos tentam manter poder no Congresso e no Executivo“. O texto mencionava um repasse de verbas da saúde para uma associação de caminhoneiros — o que ilustra a conexão direta entre a trajetória dos ruralistas e o cenário bolsonarista.

Outro texto publicado logo após as eleições falava da articulação de políticos anti-indígenas para liderar o Congresso e integrar o governo Bolsonaro. E os gaúchos apareciam em peso: não somente com Heinze e Moreira, que presidiu com extrema parcialidade a CPI da Funai, mas com Onyx Lorenzoni, hoje no Ministério do Trabalho, na época anunciado na Casa Civil.

Lorenzoni foi um dos perfilados na série De Olho no Genocídio, sobre a potencialização política das mortes por Covid-19, publicada em 2020 e depois transformada em série de vídeos. O título da série ilustra bem a atuação do político no Congresso e na Esplanada dos Ministérios: “Esplanada da Morte (VI) — Onyx Lorenzoni tem trajetória anti-indígena e pró-frigoríficos“.

O ministro é um aliado de outro negacionista de peso, um dos chefes da ofensiva do governo Bolsonaro contra a saúde pública: o ex-comunista Osmar Terra, do MDB. Você sabia que, dias após o golpe de 2016, ele recebeu, como ministro do Desenvolvimento Agrário do governo Temer, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária? Era um agrado à bancada ruralista, que tinha sido determinante para derrubar Dilma e foi decisiva para manter Michel Temer no poder. Começava ali uma sequência de implosões do direito à terra, consolidadas no governo Bolsonaro.

Confira o vídeo sobre Terra, publicado em 2021, durante a série audiovisual sobre o genocídio:

QUEM BANCA A ATUAÇÃO DOS POLÍTICOS SÃO OS EMPRESÁRIOS

Uma das características do De Olho nos Ruralistas é mostrar não somente a face dos políticos, mas também quem os financia. Presidente da FPA no início do governo Bolsonaro, o deputado Alceu Moreira, por exemplo, teve apoio direto de sojeiros em sua eleição, como mostrou a repórter Priscilla Arroyo em 2019: “Empresários da soja subsidiaram campanha do líder da bancada ruralista“.

O empresário gaúcho Winston Ling, mais um bolsonarista e negacionista, apareceu em março deste ano em reportagem de Mariana Franco Ramos: “Avalista de Bia Kicis na CCJ financiou Salles e foi multado por danificar florestas“.

E o que dizer de Marcelo Brum, autor do projeto de lei que ameaça o Código Florestal, suplente de Onyx Lorenzoni, que roda o país numa certa “carreta do agro“, e que também teve sua campanha bancada por sojeiros?

Este observatório constatou que, nas eleições de 2014, quatro gaúchos figuravam entre os 21 políticos mais beneficiados por verbas da JBS, que doou R$ 31 milhões para 99 deputados ruralistas.

E a ex-senadora Ana Amélia (PP-RS), que foi descrita em um livro sobre a indústria tabagista no Brasil, como uma articuladora importante do setor? A publicação foi escrita por João Peres e Moriti Neto, diretores de O Joio e o Trigo, um dos parceiros do De Olho nos Ruralistas em reportagens sobre o campo e a alimentação no Brasil.

ELISEU PADILHA INSTALOU-SE EM PARQUE ESTADUAL E VENDEU PARA JBS

A relação entre políticos e empresários acontece de várias formas, como mostra esta notícia de 2020: “Greenpeace mostra como Eliseu Padilha forneceu carne de áreas desmatadas para JBS, Marfrig e Minerva“. Mas essa história começou muito antes. Em 2017, quando Padilha era ministro do governo Temer (observem como os gaúchos têm chegado ao comando da Casa Civil), o repórter Cauê Seignemartin Ameni fez uma série de reportagens sobre as terras do gaúcho em pleno Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco, no Mato Grosso. Confira algumas delas:

—> Documentos mostram que Eliseu Padilha vendeu gado ilegal à JBS
—> No Mato Grosso, 18 armas, trabalho escravo e desmatamento: MP x Eliseu Padilha
—> Padilha comprou fazenda de empreiteiro investigado em 2007, como ele, pela PF
—> Parque no MT já existia quando Padilha comprou fazendas no local
—> Policiais armados com metralhadora intimidam jornalistas em fazenda de Padilha

A propriedade de terras na Amazônia por políticos da região Sul é algo recorrente. E será descrita com mais detalhes nos textos desta retrospectiva sobre Santa Catarina e Paraná. No ano passado, mostramos que os três candidatos em Apuí, no Amazonas, eram um de cada estado da região: “Multados por desmatamento disputam prefeitura em Apuí (AM), fronteira da devastação na Transamazônica“.

ESTADO É UM DOS PRODUTORES NACIONAIS DE AGROTÓXICOS

Um dos temas mais populares entre os leitores, ao longo destes cinco anos, o uso de agrotóxicos acabou tendo o Rio Grande do Sul como uma das usinas de notícias. E por motivos bem diferentes.

Em abril de 2019, contestamos uma informação incorreta transmitida pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, relativa a um desastre ecológico no estado: “Ministra erra ao dizer que agrotóxico responsável por morte de abelhas no RS não tem registro no Brasil“.

A utilização de venenos está longe de ser um consenso entre os gaúchos: “Uso do agrotóxico 2,4-D, banido na Austrália e no Canadá, divide opiniões no Rio Grande do Sul“. Em Santa Maria, moradores chegaram a ganhar indenização pelo uso ilegal em uma fazenda de soja.

Por outro lado, há quem ganhe dinheiro com isso. Uma das fábricas da multinacional Adama fica no Rio Grande do Sul. E tem um grupo gaúcho que pediu ao Ministério da Agricultura a liberação de venenos “extremamente tóxicos”, a partir de importação da China. Nome do agrotóxico? Topatudo.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

Além da retrospectiva, a comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas terá várias peças de divulgação, visando a obtenção de 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

 Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas.