Nosso vício em plásticos está bancando o imenso esquema da petroquímica

MARCH 3, 2020

As imensas corporações donas dos combustíveis fósseis se sentem ameaçadas pela implantação da energia alternativa – para contorná-la, contam com plástico para salvá-las.

Digamos que se tenha perdido os fones de ouvido e assim se solicita as substituições para a Amazon. Eles chegam em um envelope plástico azul e branco da marca Amazon. Dentro, há uma sacola plástica transparente, e dentro dela, um recipiente plástico duro, e mais uma vez, dentro há, finalmente, os próprios fones de ouvido, que são normalmente plásticos.

Conheço a sensação que vem a seguir: uma pontada de culpa por todas as embalagens desnecessárias, porque já se leu e se sabe como nossos plásticos estão se acumulando em aterros sanitários, na vida selvagem e no oceano. Talvez se tenha prometido mudar a maneira de amar os plástico – talvez renunciando aos pedidos da Amazon ou levando suas próprias sacolas reutilizáveis para o supermercado. 

É um bom começo, mas não corrigirá o verdadeiro motivo pelo qual estamos nos afogando em um excesso de oferta deste material em tudo e por tudo. 

As corporações de combustíveis fósseis estão encarando um momento em que sua cereja do bolo não será mais tão indispensáveis em nossas vidas. Enquanto o mundo transita lenta mas seguramente de carros que consomem combustível, prédios movidos a gás e usinas a carvão, os executivos da indústria precisam contar com o crescimento que vem de outro lugar – e estão vendo como seu salvador, o plástico.

Esses fones de ouvido carregados de plástico são apenas um dos estonteantes produtos fabricados pelo setor petroquímico, que utiliza combustíveis fósseis para produzir plásticos, fertilizantes, detergentes e até mesmo fibras em grande parte de nossas roupas. Na última década, os petroquímicos passaram de uma explanação de slides da indústria de e gás para uma imensa máquina de dinheiro e lucros. E, sem dúvida, esta tendência deve se acelerar: o grupo de pesquisa de energia Agência Internacional de Energia (nt.: em inglês – International Energy Agency) prevê (predicts) que o consumo de petróleo para plásticos ultrapassará o dos carros até 2050. Em um recente relatório sobre seus 20 anos de crescimento (report about its 20-year growth), os executivos da ExxonMobil garantiram aos acionistas que a empresa poderia compensar as perdas decorrentes da transição para carros elétricos com o crescimento nos petroquímicos. Apesar da promessa da própria BP (BP’s own pledge)  para redução de suas emissões de petróleo e gás de suas operações até 2050, a empresa possui uma notável emprego (notable carve-out) tanto de petróleo como de gás consumidos em sua produção petroquímica.

Muito desse crescimento em petroquímicos está acontecendo nos Estados Unidos. Tradicionalmente, a maioria dos plásticos vem de petróleo estrangeiro. Mas o plástico também pode ser feito a partir do etano, um abundante subproduto do gás extraído por fracking de seus subsolos xistosos. Com a abundância de etano inundando o mercado, a indústria petroquímica correu para construir plantas, chamadas de ‘crackers‘ (nt.: transformadores) de etano (ethane crackers). Utilizando temperaturas incrivelmente altas, essas instalações (às vezes alimentadas por suas próprias usinas de energia) “quebram” as ligações moleculares do etano para formar os blocos de construção dos plásticos, como o polietileno. Como o mercado dos EUA está tão saturado de plásticos, muitas dessas novas instalações exportam esses materiais ao redor do mundo para fabricação dos produtos que conhecemos, de embalagens a roupas de poliéster. 

Há impactos climáticos em todos os pontos do ciclo de vida dos plásticos. O processo de produção consome combustíveis fósseis, tanto na sua fabricação quanto na manutenção das altas temperaturas de refino e fabricação. O metano, que é um combustível e um potente gás de efeito estufa, tende a vazar durante a perfuração, transporte e refino, tornando-o uma fonte subestimada de poluição da indústria de petróleo e gás. Pesquisas emergentes mostraram como o polietileno libera gases de efeito estufa (releases greenhouse gases) quando se decompõe e pode interferir (interfere) nas minúsculas algas que desempenham um papel essencial para ajudar os oceanos a absorverem o excesso de carbono. Mesmo quando os plásticos recicláveis ​​chegam a lixeiras de reciclados, grande parte acaba em aterros e cerca de 12% é incinerada em incineradores (burned at an incinerator) para gerar energia – exalando fumaças tóxicas para as comunidades próximas e mais geração de carbono para a atmosfera. 

Um relatório de 2019 do Centro de Direito Internacional (Center for International Environmental Law/CIEL) constatou que as emissões do setor de plásticos já aumentaram 15% de 2012 a 2018. Somente no ano passado, o CIEL, usando os dados do Projeto de Integridade Ambiental (nt.: em inglês – Environmental Integrity Project), estimou que a produção de plástico contribuiu com o equivalente a 189 grandes usinas de carvão.

Se a produção de plásticos continuar em ritmo acelerado, o setor estará no caminho de alcançar a poluição anual equivalente a 295 grandes usinas de carvão nos próximos 10 anos, e dobrar em 2050, segundo o CIEL. Um relatório da Agência Internacional de Energia (nt.: em inglês – International Energy Agency) de 2018 indicou que a poluição de carbono do setor petroquímico subirá 30% até 2050 sobre a taxa atual do setor. 

O problema da produção de plásticos pode ser novo para o público em geral, mas não para as comunidades da periferia que há muito tempo vivem junto a muitas destes complexos fabris existentes. Michele Roberts, coordenadora da Aliança da Saúde na Justiça Ambiental (Environmental Justice Health Alliance), ressalta que historicamente os complexos petroquímicos foram construídos, nos EUA, junto a comunidades predominantemente afro-americanas que vivem em situação de pobreza. Este é o caso das plantas industriais que estão na costa do Golfo do México, apelidadas de “Beco do Câncer”. Salienta-se que o novo centro de crescimento de petroquímicos está no Golfo e no oeste da Pensilvânia. 

Ao norte de Corpus Christi, no Texas, a ExxonMobil garantiu centenas de milhões de dólares em incentivos fiscais para a construção de um enorme transformador a vapor planejado até 2022. E estará localizado a 1,6 km de um colégio e uma de ensino médio. O Texas viu quatro grandes incêndios em plantas petroquímicas apenas no último ano, forçando dezenas de milhares de pessoas a evacuarem para escaparem do ar cancerígeno. “Existe toda uma trajetória do ciclo de vida que hoje afeta tanto as pessoas de cor quanto os pobres de uma maneira importante e sem paralelo”, diz Roberts.

Mesmo com o aumento da conscientização sobre os efeitos ambientais dos plásticos, o setor nunca fez melhores negócios. De acordo com o lobby do setor químico e de combustíveis fósseis o American Chemistry Council, 340 instalações da indústria química (um número que inclui não só plásticos, como também fertilizantes) foram anunciadas desde 2010. Dessas, 190 já estão em andamento, concentradas em bairros comerciais falidos no oeste da Pensilvânia e ao longo da costa do golfo. Uma das mais maciças é a instalação da Shell em Monaca, Pensilvânia, que será capaz de produzir 1,6 milhão de toneladas métricas de plástico a cada ano. Ela terá seu próprio sistema ferroviário de 3.300 vagões, capaz de produzir o equivalente a meio milhão de carros em poluição de carbono e mais de um milhão de toneladas de resinas plásticas anualmente, de acordo com a New York Times . Outras empresas de petróleo estão competindo para competir com acordos ainda maiores: a Chevron fechou um acordo (deal) no ano passado com a Qatar Petroleum por um transformador de etano de US $ 8 bilhões ao longo da Costa do Golfo que bombearia 2 milhões de toneladas métricas de eteno por ano – até 2024. E ExxonMobil está construindo o seu de etano a vapor de 1,8 milhão de toneladas métricas com uma empresa da Arábia Saudita perto de Houston, a ser concluída em 2022.

O presidente Trump comemorou publicamente a ascensão dos plásticos. Em um evento oficial da Casa Branca realizado no canteiro de obras da Shell em Monaca, ele aplaudiu a fábrica como um sinal do fim da dependência americana de petróleo e gás estrangeiros. “Não precisamos mais do Oriente Médio”, disse ele. Ele insistiu que a poluição por plásticos não era problema dos Estados Unidos. “O plástico está flutuando no oceano e os vários oceanos de outros lugares”, causando poluição, disse ele. “Os plásticos são bons, mas você precisa saber o que fazer com eles. Mas outros países não estão cuidando de seu uso e não o fazem há muito tempo. ” 

A indústria do plástico leva esse argumento um passo adiante, alegando que seus produtos nos ajudam a nos afastar dos combustíveis fósseis. Por exemplo, o Conselho Americano de Química afirma em seu website (website) que os plásticos iluminam os produtos, “o que significa que as empresas podem enviar mais produtos com menos combustível. O plástico usado nos carros ajuda a torná-los mais leves e econômicos. E de aparelhos a eletrônicos, plásticos podem ajudar a obter maior eficiência energética ao longo da vida útil de um produto.”

É verdade que o plástico pode aliviar a carga/peso tanto de veículos como dos aviões, mas esse não é o grosso do problema do plástico. A maior fonte de desperdício de plástico e o problema que mais cresce para oceanos e cursos de água, é a resina plástica que se usa em roupas, normalmente poliésters, e em embalagens de alimentos e nas remessas do correio por compras pela internet.

Judith Enck, ex-administradora regional da Agência Norte Americana de Proteção Ambiental (nt.: em inglês Environmental Protection Agency/EPA) no nordeste e fundadora da coalizão ambiental Beyond Plastics, acredita que se concentrar em como o plástico torna os carros mais leves é um tergiversação. O verdadeiro problema, ela argumenta, é que o excesso de gás (nt.: situação dos EUA pela alta retirada de gás do subsolo pelo processo chamado fracking) tornou os plásticos incrivelmente baratos, intensificando a crescente fome do mundo por mais plásticos descartável ou também chamado de uso único. Os transformadores ou crackers de etano não são derivados do petróleo, ela diz – são outra maneira de incorporar combustíveis fósseis em nossas vidas diárias. “Os plásticos nos mantêm na mesma esteira dos combustíveis fósseis.”

Tradução livre parcial de Luiz Jacques Saldanha, março de 2020.