Risco de 53% a mais de demência e a gordura trans

Alimentos com gordura trans (=margarina, principalmente as antigas)

https://portugues.medscape.com/verartigo/6504225

Damian McNamara

29 de novembro de 2019

Níveis séricos mais altos de gordura trans foram associados a um risco significativamente elevado de demência, incluindo a doença de Alzheimer, de acordo com resultados de um grande estudo longitudinal.

Os participantes com as maiores concentrações séricas de ácido elaídico, um dos principais ácidos graxos trans formados na hidrogenação parcial dos óleos vegetais, apresentaram risco de demência 53% maior. Este grupo também teve uma probabilidade de ter doença de Alzheimer 43% maior em comparação com os pacientes com os níveis mais baixos.

“Descobrimos que níveis mais altos de ácido elaídico no soro estavam associados a um maior risco de demência por todas as causas e de doença de Alzheimer, após ajustarmos para os fatores de risco tradicionais, bem como para a ingestão de ácidos graxos saturados e poli-insaturados na dieta”, disse ao Medscape o primeiro pesquisador do estudo, Dr. Toshiharu Ninomiya.

“Além disso, o consumo de pães, margarina e confeitados, relatado pelos próprios pacientes, foi relacionado aos níveis séricos de ácido elaídico, embora a magnitude da relação não tenha sido forte”, acrescentou o Dr. Toshiharu, professora do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública e do centro para estudos de coorte, Graduate School of Medical SciencesKyushu University, Kukuoka, no Japão.

estudo foi publicado on-line em 23 de outubro no periódico Neurology.

Proibição nos Estados Unidos

Pesquisas anteriores associaram o consumo excessivo de gorduras trans à doença coronariana, ao diabetes e outras patologias. Diante dessas questões de saúde, em junho de 2018, a FDA proibiu a venda de alimentos contendo gorduras trans artificiais em mercearias e restaurantes. A agência permite que alimentos com menos de 0,5 gramas de gorduras trans sejam rotulados como contendo zero grama de gorduras trans, portanto, alguns alimentos ainda contêm óleos parcialmente hidrogenados.

“Esses resultados nos dão ainda mais motivos para evitar gorduras trans”, disse o Dr. Toshiharu em um comunicado à imprensa. “Nos Estados Unidos, as pequenas quantidades ainda permitidas nos alimentos podem se somar caso as pessoas consumam várias porções desses alimentos, e as gorduras trans ainda são permitidas em muitos outros países.”

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também está tomando providências, com uma iniciativa para eliminar a gordura trans industrial do suprimento global de alimentos até 2023. No entanto, pouco se sabe sobre qualquer potencial associação entre gordura trans e demência. Os poucos estudos na literatura tiveram resultados inconsistentes, observaram os pesquisadores.

Em busca de uma resposta mais definitiva, os pesquisadores avaliaram os dados de 1.628 participantes do Hisayama Study, um estudo prospectivo que ainda está em andamento. As 925 mulheres e 703 homens completaram questionários e forneceram amostras de sangue entre 2002 e 2003. Todos tinham 60 anos ou mais no início do estudo.

Os pesquisadores também classificaram os níveis séricos de ácido elaídico em quartis e, em seguida, acompanharam os participantes prospectivamente por uma mediana de 10,3 anos.

Dez anos de acompanhamento

Os participantes responderam ao Diet History Questionnaire, relatando o consumo de 150 itens alimentares em 23 categorias. Os pesquisadores focaram em sete desses grupos de alimentos que sabidamente contêm gorduras trans, incluindo cereais, confeitados, gordura animal e vegetal, açúcares e adoçantes, temperos, carnes e laticínios.

Os participantes informaram o próprio nível educacional, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, prática de exercícios físicos e se estavam em tratamento para hipertensão ou diabetes.

Durante mais de uma década de acompanhamento, 377 participantes apresentaram demência por todas as causas, incluindo 247 que tiveram doença de Alzheimer e 102 que apresentaram demência vascular.

Usando o grupo do quartil mais baixo de concentração sérica de ácido elaídico como referência, a probabilidade de demência por todas as causas aumentou significativamente nos grupos mais elevados de gordura trans sérica, por exemplo, a coorte do segundo quartil teve uma razão de risco (HR, sigla do inglês, hazard ratio) de 1,24 (intervalo de confiança, IC, de 95%, de 0,92 a 1,68; P = 0,16).

Os resultados para o terceiro quartil (HR = 1,63; IC 95%, de 1,21 a 2,18; P = 0,001) e o quarto e maior quartil sérico (HR = 1,53; IC 95%, de 1,14 a 2,04; P = 0,004) também foram dignos de nota.

“Embora tenham sido observadas tendências lineares significativas, o risco de demência e de doença de Alzheimer pareceu aumentar a partir do terceiro quartil”, observaram os pesquisadores.

Novamente, usando a coorte com menor nível de gordura trans sérica como referência, o risco de doença de Alzheimer aumentou em função do aumento das concentrações de ácido elaídico. As HR foram de 1,22, 1,79 e 1,43 para o segundo, terceiro e quarto quartis, respectivamente.

Doces de confeitaria, margarina e balas

A associação entre o ácido elaídico sérico e o risco de demência por todas as causas e de doença de Alzheimer permaneceu em um modelo multivariável que ajustou para idade, sexo, educação, hipertensão, diabetes, colesterol total, índice de massa corporal (IMC), história de acidente vascular cerebral (AVC) e outros fatores de risco tradicionais. Esse modelo também ajustou para ingestão total de energia e ingestão de ácidos graxos saturados e poli-insaturados.
Os pesquisadores não encontraram associação significativa entre níveis mais altos de ácido elaídico e risco de demência vascular.

“Como os níveis séricos de ácido elaídico provavelmente refletem o consumo de gordura trans produzida industrialmente, nossas descobertas levantam a possibilidade de que evitar a ingestão de alimentos ricos em gordura trans pode reduzir o risco demência no futuro”, disse o Dr. Toshiharu.

Os doces de confeitaria foram os preditores mais fortes de níveis séricos elevados de ácido elaídico, seguidos por margarina e açúcar, como balas, caramelos e goma de mascar. Croissants, cremes sem leite, sorvetes e biscoitos de arroz também foram associados a níveis mais altos de gordura trans no estudo.

“As políticas de saúde pública que visam fazer com que a indústria alimentícia reduza os ácidos graxos trans na produção de alimentos e educar a população sobre escolhas alimentares saudáveis também podem contribuir para a prevenção primária da demência”, observaram os pesquisadores.

Os mecanismos subjacentes à associação entre os níveis séricos de ácido elaídico e demência ainda são desconhecidos, disse o Dr. Toshiharu. Mais pesquisas são necessárias para confirmar esses resultados, acrescentou.

Uma possível limitação é que todos os participantes eram da mesma cidade do Japão, e os níveis de gorduras trans na dieta variam de acordo com o país, região e período, portanto, os resultados podem não se aplicar a outras populações, observaram os pesquisadores.

Uma “boa notícia”

O estudo “sem dúvidas é interessante. Há cada vez mais evidências relacionando a alimentação e o risco de demência. E isso provavelmente tem a ver com o fato de as pessoas não comerem verdes ou ingerirem nutrientes e vitamina B o suficiente”, disse ao Medscape o Dr. Keith Fargo, diretor de programas científicos e divulgação da Alzheimer’s Association, nos EUA.

“O risco também pode estar relacionado com toxinas ambientais, quando as pessoas são expostas por meio de alimentos ou poluição ambiental”, acrescentou.

É necessário ter cautela, mas o estudo é sobre associações e não causalidade, observou Fargo. “Os autores fizeram um bom trabalho controlando outros fatores, mas é impossível controlar tudo”, disse ele.

“Eu consideraria isso uma boa notícia. Nos EUA, as gorduras trans foram amplamente proibidas, e isso pode ser uma boa notícia para as taxas futuras de demência”, disse Dr. Keith. “Esta é outra evidência para embasar as medidas da FDA.”

O Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão; o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão; e a Agência Japonesa de Pesquisa e Desenvolvimento Médico financiaram a pesquisa. O Dr. Toshiharu e o Dr. Keith informaram não ter relações financeiras relevantes.

Neurology. Publicado on-line em 23 de outubro de 2019. Abstract