Carne artificial, feita em laboratório.
https://portugues.medscape.com/verartigo/6503748
Dana Najjar
10 de julho de 2019
A alimentação ocidental composta por junk food – rica em carnes vermelhas e processadas, cereais refinados, frituras e doces – está associada a menos espermatozoides no sêmen e, em geral, à diminuição da função testicular, de acordo com uma palestra feita na conferência anual da European Society for Human Reproduction and Embryology, realizada na semana de 25 a 30 de junho, em Viena.
A palestra se baseou em um estudo inédito feito por pesquisadores norte-americanos, holandeses e dinamarqueses, que também constataram que uma alimentação rica em peixes, aves, legumes, frutas e água está associada a melhor função testicular.
Estes achados vêm se agregar a um corpo crescente de pesquisas analisando a diminuição do número de espermatozoides ao longo dos últimos 50 anos, e identificando o estilo de vida e a alimentação como possíveis determinantes da qualidade do sêmen.
“O número de espermatozoides no sêmen tem diminuído nos países ocidentais nas últimas décadas, e determinar quais são os fatores de risco deste fenômeno é crucial”, escreveram os autores no Abstract do estudo.
“Coincidindo com o declínio da contagem de espermatozoides no sêmen tem havido um declínio na qualidade da alimentação.”
Os autores analisaram dados coletados durante nove anos, provenientes de cerca de 3.000 homens dinamarqueses. A alimentação, a qualidade do sêmen, os níveis hormonais e o estilo de vida foram registrados durante o exame médico feito antes do serviço militar obrigatório.
Os hábitos alimentares dos aspirantes a recrutas foram, então, divididos em quatro grupos diferentes: padrão “ocidental”, contendo principalmente junk food e lanches; padrão “prudente”, contendo peixe, frango e produtos frescos; padrão “smørrebrød” ou escandinavo, caracterizado por carnes frias processadas, grãos integrais e laticínios; e padrão “vegetariano”. Destes quatro grupos, os homens que aderiram sistematicamente ao padrão “prudente” tiveram o maior número de espermatozoides no sêmen, os menores níveis de estradiol (tendência de P = 0,001) e as concentrações mais elevadas de globulina de ligação aos hormônios sexuais (SHBG, sigla do inglês Sex Hormone Binding Globulin) (tendência de P = 0,04). Os homens cuja alimentação seguia o padrão “ocidental” tiveram menores níveis de inibina B (tendência de P = 0,006) e maiores concentrações de testosterona livre (tendência P < 0,0001).
Os autores sinalizaram que nada além de uma correlação pode ser inferido desses resultados, pela própria natureza do estudo: “Este estudo foi transversal, o que restringe a nossa capacidade de determinar causalidade”, escreveram os pesquisadores.
“Esta foi uma palestra importante, porque sabemos que a saúde reprodutiva masculina está declinando a cada ano que passa”, disse o Dr. Albert Salas-Huetos, Ph.D., pós-doutorando em urologia e andrologia na University of Utah, em Salt Lake City.
“A metanálise mais recente diz que nos últimos 50 anos esse declínio foi de aproximadamente 40% em termos de número de espermatozoides e de concentração deles no esperma.”
O estudo é o primeiro de seu tipo incluindo uma grande coorte de homens saudáveis, segundo o Dr. Albert, que participou da equipe que fez a primeira revisão sistemática de estudos observacionais sobre a alimentação e a saúde do sêmen em 2017. A revisão descobriu que a alimentação rica em certos nutrientes e antioxidantes e pobre em gorduras saturadas e ácidos graxos trans foi positivamente associada a altos parâmetros de qualidade do sêmen. O mesmo ocorreu com a alimentação rica em peixes, moluscos, mariscos, aves, cereais, vegetais, frutas e laticínios desnatados. A alimentação rica em carnes processadas, soja, álcool e açúcar teve uma associação positiva com a baixa qualidade dos parâmetros do sêmen. Os pesquisadores também observaram que o grande consumo de bebidas alcoólicas, cafeína e carnes vermelhas e processadas influenciou de modo negativo os índices de fertilização.
Outra revisão feita em 2017 com 23 estudos observacionais sobre a relação entre os hábitos alimentares e a qualidade do sêmen chegou a conclusões semelhantes.
Uma possível explicação para esses achados é a forte correlação entre os altos níveis de espécies reativas de oxigênio e o aumento dos níveis de danos ao DNA no sêmen, bem como a diminuição da motilidade dos espermatozoides. Os antioxidantes e alguns nutrientes contidos em alimentos saudáveis podem regular os níveis das espécies reativas de oxigênio, de acordo com o Dr. Albert. Além disso, disse o pesquisador, o consumo de fibras pode diminuir os níveis de estrogênio no plasma: “Altos níveis de estrogênio podem comprometer a homeostase endócrina, que é essencial para a espermatogênese normal.”
“Os dados mostrando que o estilo de vida em geral repercute na função reprodutiva masculina estão se tornado mais eloquentes”, disse o Dr. Natan Bar Chama, médico, diretor de medicina e cirurgia reprodutiva masculina no Mount Sinai, em Nova York.
“Este estudo traz uma contribuição importante, reforçando o conceito de que a alimentação, a saúde e o estilo de vida estão prejudicando a nossa saúde reprodutiva”, acrescentou o especialista.
O Dr. Natan observou que, além de comprometer a função testicular, o estilo de vida também tem impactos epigenéticos, e pode ter efeitos de longo prazo no DNA dos espermatozoides no sêmen.
“A implicação não é apenas que isso possa dificultar a concepção, mas que estamos colocando as nossas crianças em risco”, disse o médico.
“A saúde reprodutiva é um barômetro da saúde geral e deve ser levada a sério, não só em termos da nossa saúde e da nossa fertilidade, como também, potencialmente, da saúde dos nossos filhos.”
European Society of Human Reproduction and Embryology 35th Annual Meeting: Abstract O-178. Apresentado em 25 de junho de 2019.
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