Glifosato: o câncer poderia não ser seu único risco

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A pesquisa também assinala consequências adversas sérias para o ambiente, havendo indícios de que o glifosato pode causar enfermidades nos mamíferos, incluindo várias gerações depois da exposição inicial.

Mark Buchanan*

*O autor é físico e autor norte-americano. Anteriormente, foi editor da revista internacional Science e da popular revista científica New Scientist. Foi colunista convidado do New York Times e atualmente escrive uma coluna mensal para a revista Nature Physics (Fonte www.perfil.com).

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A gigante alemã da química AG se debate assim que o juiz adjudica US$ 2 bilhões de dólares por danos a pessoas que asseguraram ter contraído câncer através dos anos de uso do produto ‘Roundup‘, popular fabricado por sua filial Co.

É provável que a Bayer não pague os US$ 2 bilhões completos. No entanto, há, neste momento, mais de 100.000 casos pendentes, o que preocupa tanto investidores como agricultores que dependem deste herbicida por ser barato e efetivo.

E tem mais, é possível que o câncer só seja uma parcela desta história.

Estudos realizados durante a última década sugerem que o glifosato — princípio ativo do Roundup — contamine fontes d’água, permanecendo no solo por mais tempo do que se esperava anteriormente e danifique os abastecimentos alimentícios humanos. Tanto nos EE.UU. como na Europa, os limites supostamente seguros para a ingestão humana baseiam-se em uma ciência bastante ultrapassada.

A pesquisa também assinala consequências adversas sérias para ambiente. Tem indícios de que o glifosato pode causar enfermidades em mamíferos, várias gerações depois da exposição inicial.

O glifosato não é tão seguro como seus fabricantes querem que acreditemos e a redução de seu uso provavelmente deveria ter ocorrido já há muito tempo. A Monsanto patenteou o glifosato no início da década de 1970 e rapidamente se converteu no agroquímico predileto para o controle das ervas, sob a forma do produto comercial Roundup.

Os executivos da Monsanto promoveram o uso ampliado do Roundup ao projetarem sementes geneticamente modificadas de milho, soja e outros cultivos que puderam tolerar a agressão do glifosato. Os fabricantes do glifosato — entre os que agora se contam em muitas companhias ao redor do mundo, já que a patente da Monsanto expirou em 2000 — argumentaram por muito tempo que o glifosato seria totalmente seguro para os seres humanos, os animais e para quaisquer formas de vida que não fossem vegetais (nt.: é necessário ressaltar que o conhecimento sobre o microbioma e sua importância tanto na saúde como na sobrevivência dos seres vivos, é muito recente. E sendo constituído, na sua maioria, por vegetais, ou seja, bactérias, algas e outros, o contato com o herbicida atua como se fosse sobre as plantas por nós visíveis).

Este princípio ativo funciona impedindo a via metabólica que as plantas necessitam para crescerem (nt.: esta via metabólica chama-se ‘shikimato/xikimato’ e é a que forma os amino ácidos essenciais aromáticos – fenilalanina, tirosina e triptofano). Como os animais não têm a mesma via metabólica, é tranquilizador até certo ponto. Mas isso somente significa que o glifosato não terá condições de matar de fome os animais, como faz com as plantas. No entanto, os químicos podem ter efeito nos organismos de muitas maneiras.

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Não é fácil interpretar as evidências sobre o câncer, porque diferentes painéis científicos chegaram a conclusões opostas usando procedimentos diferentes. Em 2015, Agência Internacional de Investigações em Câncer (IARC/International Agency for Research on Cancer), parte da Organização Mundial da Saúde/OMS/ONU, concluiu que o glifosato provavelmente é um cancerígeno. Tanto a Agência de Proteção Ambiental dos EE.UU. (EPA/Environmental Proteccion Agency) como a Autoridade Europeia de Seguridade Alimentária (EFSA/European Food Safety Authority) se abstiveram de fazer o mesmo. As duas se basearam em pequisas proporcionadas por investigadores vinculados à indústria bem como aquelas feitas pela indústria, não revisadas aos pares e nem tornadas públicas. Já a IARC se baseou unicamente em pesquisas revisadas aos pares e disponíveis ao público.

Uma equipe internacional de biólogos revisou os estudos da IARC e da EFSA e concluiu que os da última tinham falhas significativas e se afastavam das práticas padrões para a avaliação de riscos.

Porém, muitas são as outras razões para se preocupar com o glifosato.

Em 2016, um grupo independente de biólogos decidiu aclarar o que na realidade sabemos sobre este químico. Seu artigo é uma leitura sombria. Assinala que os estudos da década passada encontraram rastros significativos de herbicidas com glifosato, na água potável e nas águas subterrâneas, o que provavelmente expõe a milhões de pessoas em todo o planeta ao químico.

Estudos de toxicidade em roedores detectaram que o glifosato pode danificar o fígado e os rins, inclusive em doses consideradas relativamente seguras para os humanos. Já com porquinhos pequenos alimentados com grãos de soja contaminados com resíduos de glifosato mostraram malformações congênitas, não muito diferentes aos defeitos de nascimento observados em pessoas que vivem em e próximas de regiões agrícolas com um uso intensivo de glifosato. O estudo assinala muitas outras descobertas perturbadoras, desde o impacto do glifosato na sinalização hormonal dos mamíferos até a maneira em que o químico adere a metais como o zinco, o cobalto e o manganês, o que reduz os fornecimentos destes micronutrientes essenciais às pessoas, aos cultivos, a outras plantas e à vida silvestre. A maioria destes efeitos provavelmente não seriam detectados pelas provas de toxicologia tradicionais favorecidas atualmente pelos reguladores dos agrotóxicos.

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Em abril, uma pesquisa diferente encontrou outro efeito preocupante: o glifosato poderia perturbar as funções biológicas por gerações. Um dos temas mais candentes em biologia nos últimos anos vem sendo a epigenética: o estudo de como os filhos não só herdam os genes de seus pais, como também certos padrões de atividade genética escritos nestes genes por outras moléculas sinalizadoras. Este é um meio pelo qual os fatores ambientais que afetam um organismo durante sua vida podem passar às gerações seguintes. Em experimentos com ratas alimentadas com glifosato, Michael Skinner, da Universidade do Estado de Washington, e seus colegas, encontraram de que os efeitos malignos do tratamento não se manifestavam no organismo alimentado com glifosato, ou sequer em seus filhos, se não nas duas gerações posteriores. Estes ratos e ratas, sem nunca ter sido exposto ao glifosato, mostravam uma marcada tendência à enfermidade prostática, obesidade, falha renal, enfermidade ovariana e às anomalias de nascimento.

Evidentemente, o glifosato não é um herbicida que não gere preocupações, deixando de lado sua relação com o câncer. Pode causar muitas outras perturbações à biologia humana, aos organismos e às plantas no ambiente, e invisíveis para os antiquados sistemas regulatórios atuais.

Já está mais do que na hora de que nossos reguladores atualizem sua ciência.

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, junho de 2019.