Agrotóxicos: atlas aponta os produtos mais usados no planeta – Michel Filho / Agência O Globo
04.09.18
O Globo – Helena Borges
Estudo internacional mostra que a alemã Bayer, dona do produto mais vendido no Brasil, tem um quarto do mercado global
O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos, mas está longe de ser um dos que mais os produz. Lançado hoje, o Atlas do Agronegócio aponta as dez maiores empresas produtoras de agrotóxicos do mundo. Segundo o estudo, um quarto do mercado atual está nas mãos da alemã Bayer, que no ano passado comprou a americana Monsanto por US$ 63 bilhões. Ela é responsável pela produção do RoundUp (nt.: princípio ativo – glifosato), agrotóxico mais popular do mundo, e que figurou no centro de um cabo de guerra jurídico no Brasil às vésperas do plantio da nova safra da soja.
Como funciona o agrotóxico?
Existem vários tipos de agrotóxicos, mas os herbicidas, como o glifosato, são produtos petroquímicos. Eles matam as plantas com as quais têm contato. Por isso, apenas vegetais transgênicos com mutações feitas especificamente para suportar a química conseguem sobreviver. O RoundUp serve para matar ervas daninhas (nota do site: este produto interrompe uma via metabólica de todas os vegetais onde estão as bactérias e as algas. Por isso ser prejudicial a todos os animais, inclusive os seres humanos) e tem como princípio ativo o glifosato, a substância mais consumida em plantações brasileiras. Ele é usado principalmente em plantações de soja transgênica (nota do site: é usados em todos os locais urbanos e rurais. Onde houver qualquer vegetação seca perto de verdes, ali foi usado, indiscriminadamente, o
‘mata-mato’, que é este herbicida).
– Em plantações comuns, é aplicado diretamente na terra onde há plantas espontâneas, as plantas não sobrevivem a ele, então não pode entrar em contato com a plantação. Já nas monoculturas de transgênicos, que foram modificados para incluir material genético de bactérias resistentes ao herbicida, ele é aplicado sobre as plantações, podendo-se usar aviões. – explica o engenheiro agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes, pesquisador da UFRJ, um dos 34 pesquisadores brasileiros envolvidos no desenvolvimento do Atlas.
Em 2008 o Brasil liberou o uso comercial do milho transgênico “Roundup Ready”, resistente ao glifosato. Depois da liberação desta variedade, também foram autorizadas outras 18 espécies contendo a mesma modificação genética para resistência ao glifosato. Como as plantações transgênicas demandam mais pulverizações que as convencionais, os limites máximos de resíduos de agrotóxicos (LMR) permitidos nas culturas agrícolas foram puxados para cima. No milho foi multiplicado por 10, saltando de 0,1 para 1,0 mg por quilo. No caso do algodão resistente ao glifosato, o resíduo permitido é de 3,0 mg por quilo. A título de comparação, o resíduo de glifosato para o feijão comum é de 0,05 mg/kg. Para a soja, o limite de glifosato era 0,2 mg/kg, valor que foi aumentado em 50 vezes com a liberação da soja Roundup Ready.
Quais os impactos na saúde?
As intoxicações agudas por agrotóxicos afetam principalmente as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho e são caracterizadas por efeitos como irritação da pele e dos olhos, coceira, vômitos, diarreias, dificuldades respiratórias, convulsões e morte. Já as intoxicações crônicas – características entre quem se alimenta de vegetais produzidos usando esse tipo de composto químico – podem aparecer muito tempo após a exposição inicial. Os efeitos associados à exposição crônica incluem: infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.
Segundo Guilherme Franco Netto, assessor de Ambiente e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, há uma vasta bibliografia de estudos científicos comprovando os impactos dos agrotóxicos na saúde humana.
– Estão ligados a um grupo amplo de problemas de saúde que vão de câncer a desenvolvimento fetal, passando pelo sistema hormonal. Há pesquisas, inclusive, mostrando que o desenvolvimento da puberdade está sendo antecipado por, entre outros motivos, a alimentação com agrotóxicos.
Estudos com herbicidas contendo glifosato confirmaram que o composto químico é tóxico para culturas de células humanas, incluindo células embrionárias e placentárias, mesmo quando em concentrações baixas. Bianconi explica que a liberação de um agrotóxico é determinada a partir de estudos que focam apenas em seu princípio ativo, mas que há outros componentes no RoundUp, para além do Glifosato, que podem ser até mais tóxicos que ele. Experimentos mostram que o principal produto químico ao qual o glifosato se decompõe, o ácido aminometilfosfônico (AMPA), é mais tóxico para as células humanas do que o próprio glifosato.
O campeão de vendas no Brasil foi classificado pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, da Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS), como provável cancerígeno para os seres humanos. Outros agrotóxicos utilizados no Brasil foram incluídos na lista da IARC, entre eles o “2,4-D”, segundo agrotóxico mais usado no Brasil. O composto químico é classificado pela Anvisa como “extremamente tóxico”. Apesar disso, pode ser aplicado sobre 3 variedades de soja e 5 de milho transgênico autorizadas pela CTNBio. Ele é aplicado nas culturas de arroz, aveia, café, cana-de-açúcar, centeio, cevada, milho, pastagem, soja, sorgo e trigo (nota do site: a pesquisa oficial também nacional, recomenda seu emprego na dessecação das culturas de grãos secos).
Segundo o ministério da saúde, em 2017 foram registrados, por meio do Sistema de Informações de Agravos e Notificações (SINAN), 13.982 intoxicações por agrotóxicos no país. O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) registrou 492 mortes em decorrência de agrotóxico em 2016.
Quais os impactos no meio ambiente?
Segundo a pesquisa Atlas do Saneamento, produzida pelo IBGE, agrotóxicos são a segunda maior causa de contaminação dos recursos hídricos no Brasil. Marina Lacôrte, engenheira agrônoma e especialista do Greenpeace em Agricultura e Alimentação, explica que agrotóxicos “destroem a biodiversidade, causando a morte inclusive de polinizadores fundamentais para a própria produção de alimentos”.
As populações de abelhas são fortemente afetadas pelo uso de agrotóxicos, com algumas espécies em risco de extinção, inclusive. O Fundo das Nações Unidas de Agricultura e Alimentação (FAO) alerta que esse declínio pode resultar na diminuição de 35% das colheitas de todo planeta. Lacôrte explica que o processo de polinização de frutas dependente integralmente das abelhas, e 85% da área verde do mundo (florestas e outras formações vegetais) também dependem da polinização destes insetos. Ou seja, 73% de todas as espécies vegetais dependem da polinização das abelhas. Outros animais, polinizadores e insetos de interesse comercial, como o bicho da seda, também estão em risco por conta do uso de agrotóxicos.
Cabo de guerra às vésperas do plantio
Uma liminar da justiça havia estabelecido, em agosto, três determinações: a primeira suspendia novos registros de produtos à base de glifosato; a segunda determinava que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apresentasse uma reavaliação sobre o uso desses itens na agropecuária até o fim do ano; e a terceira estabelecia que o Ministério da Agricultura suspendesse sua comercialização em até um mês. Às vésperas do plantio da nova safra de grãos, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) cassou a liminar que suspendeu provisoriamente o registro de produtos que tenham como princípio ativo o glifosato.
No Brasil, dos 1.945 agrotóxicos aprovados, 545 pertencem a cinco empresas: BASF, Bayer, Dow AgroSciences, Du Pont e Syngenta. Em 2002, a comercialização desses produtos era de 2,7 quilos por hectare. Segundo dados da Anvisa, a estimativa atual é de 4,5 a 6,9 quilos por hectare de plantação. E os herbicidas à base de glifosato, usados nas lavouras transgênicas, respondem por mais da metade desse consumo.
O herbicida Roundup, o mais popular do mundo e do Brasil, está sendo acusado de causar câncer e figura no centro de um embate jurídico (Foto: Benoit Tessier / Reuters)
Atlas do Agronegócio mapeou as sedes das dez maiores empresas de agrotóxicos do mundo. (Foto: Reprodução/Atlas do Agronegócio)
Como as plantações transgênicas demandam mais pulverizações que as convencionais, os limites máximos de resíduos de agrotóxicos (LMR) permitidos nas culturas agrícolas foram puxados para cima. (Foto: Reprodução/Atlas do Agronegócio)
Área ocupada por plantações permaneceu na mesma ordem de grandeza, enquanto as quantidades de agrotóxicos e de intoxicações cresceram. (Foto: Reprodução/Atlas do Agronegócio)