Adoçantes com baixas calorias adulteram o microbioma

Os adoçantes afetam o humano ao diminuírem o número de bactérias ‘boas’ e aumentarem o das ‘más’ da flora intestinal.

 

 

https://portugues.medscape.com/verartigo/6502882

 

Liam Davenport

NOTIFICAÇÃO

17 de outubro de 2018

 

Berlim — Adoçantes com baixas calorias parecem prejudicar a absorção e o controle de glicose por adulterar o microbioma intestinal. Pesquisadores australianos demonstraram isso pela primeira por meio de descobertas que sugerem que os adoçantes artificiais têm o potencial de comprometer os hipoglicemiantes usados pelos pacientes diabéticos.

Em um estudo feito com pessoas saudáveis apresentado no encontro anual European Association for the Study of Diabetes (EASD) 2018 Annual Meeting, o Dr. Richard L. Young, Ph.D., formado em ciências médicas e chefe do Intestinal Nutrient Sensing Group da University of Adelaide, no sul da Austrália, e colaboradores, demonstraram que uma cápsula adoçante com baixas calorias alterou o ecossistema intestinal, favorecendo as bactérias patogênicas em comparação com o placebo.

Dr. Richard disse em uma entrevista coletiva que a suplementação de “duas semanas com adoçantes em cápsulas aumentou a absorção da glicose e as respostas glicêmicas à glicose, e diminuiu o aumento do hormônio incretina, principal peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1, do inglês Glucagon-Like Peptide 1)”.

O pesquisador acrescentou: “Espero ter convencido vocês de que os adoçantes promovem alterações no microbioma intestinal, inclusive de suas propriedades funcionais”.

Questionado pelo Medscape se, com base na repercussão nos níveis de GLP-1 os adoçantes de baixas calorias poderiam comprometer a eficácia dos medicamentos para o diabetes, o pesquisador afirmou: “Existe uma clara possibilidade de interação”.

Dr. Richard destacou que os pôsteres apresentados durante o encontro também sugerem que alguns dos efeitos de “determinados agonistas do receptor de GLP-1 são certamente mediados por alterações do microbioma, que é uma fenomenologia emergente”. O autor acrescentou: “Me parece que o microbioma costuma não ser levado em consideração pelos médicos como uma forma de mecanismo de primeira passagem para a sua compreensão”.

Convidada a comentar, a Dra. Ellen E. Blaak, Ph.D., professorade Physiology of Fat Metabolism da NUTRIM School of Nutrition and Translational Research naMaastricht University, na Holanda, disse que os resultados são “interessantes”.

Dra. Ellen afirmou que gostaria de ver mais dados de longo prazo; no entanto, acrescentou que a questão do que é usado como placebo nesses estudos é importante.

“Você toma bebidas açucaradas como placebo?” indagou. “Então os resultados serão diferentes”.

A professora também indicou que é preciso haver equilíbrio entre os efeitos benéficos dos adoçantes artificiais em quantidades moderadas, “o que pode ajudar a adesão às intervenções de estilo de vida”, pois podem auxiliar no controle do peso e os potenciais eventos adversos quando tomados em excesso, “então eu acredito que isso tem dois lados”.

Pesquisa com murinos mostra que os adoçantes adulteram o microbioma intestinal

Dr. Richard começou sua apresentação observando que “a grande maioria dos adoçantes é formada de participantes relativamente recentes da cadeia alimentar, e o número de produtos disponíveis com adoçantes de baixas calorias tem aumentado exponencialmente”.

O pesquisador acrescentou: “Claro, esses produtos estão cada vez mais direcionados para o segmento do mercado mais consciente sobre a saúde”.

Estudos anteriores indicaram, no entanto, que a alta ingestão de adoçantes de baixas calorias está relacionada com pior controle glicêmico e que os níveis da hemoglobina glicada (HbA1c) aumentam com o crescimento do consumo de bebidas adoçadas artificialmente.

Na reunião do ano passado, como publicado pelo Medscape, Dr. Richard e equipe mostraram que os adoçantes foram, em comparação com o placebo, associados a aumento de 20% da absorção de 3-O-metilglicose e aumento de 24% dos níveis plasmáticos de glicose (P < 0,05 para ambos), novamente em voluntários saudáveis. Os adoçantes de baixas calorias também foram associados a uma redução significativa de 34% dos níveis de GLP-1 em comparação com o placebo (P < 0,05).

E pesquisas com camundongos mostraram que a suplementação de adoçantes de baixas calorias pode causar alterações no microbioma intestinal, bem como modificar as vias metabólicas dos carboidratos relacionadas com os microrganismos, aumentando a produção fecal de ácidos graxos de cadeia curta, disse o Dr. Richard.

Observando que a maioria dos estudos em humanos é de curta duração, e que nenhum avaliou a absorção da glicose, para a análise em tela o Dr. Richard disse que sua equipe randomizou 40 pessoas sem diabetes para tomar um comprimido de adoçante de baixas calorias contendo 92 mg de sucralose e 52 mg de acessulfamo potássico, o que equivale a aproximadamente 1,2 L de bebida adoçada por dia, ou de placebo.

Os participantes tomaram os comprimidos três vezes ao dia por duas semanas, com a refeição da noite padronizada. Houve dados completos disponíveis para 16 pacientes designados para o grupo do placebo e para 17 pacientes designados para o braço do adoçante com baixas calorias. Os dois grupos tinham características semelhantes, clínicas e dos participantes, ao início do estudo.

Os microbiomas intestinais dos participantes foram avaliados por meio de amostras de fezes coletadas antes e após o período de tratamento de duas semanas. A equipe queria determinar se a suplementação de adoçante com baixas calorias alterou o microbioma intestinal humano de forma a prever modificações glicêmicas no hospedeiro.

Dr. Richard explicou: “Conseguimos ver várias espécies diferentes surgindo (…) fundamentalmente, observamos a perda de bactérias associadas à saúde”.

Houve queda das concentrações de Eubacterium cylindroides, bem como das concentrações de populações benéficas e fermentadoras de Bifidobacterium, Lactobacillus e Bacteroides, que estão correlacionadas a maior absorção da glicose (P ≤ 0,001 para todos). Houve também diminuição dos níveis das populações de Butyrivibrio, que se mostraram correlacionadas à menor liberação de GLP-1 (P ≤ 0,001).

“Em contraste, constatamos o aumento das concentrações de vários patógenos intestinais que normalmente são baixas ou ausentes nas pessoas saudáveis”, disse o Dr. Richard. Especificamente, houve aumento das concentrações de 11 patógenos intestinais oportunistas, como Klebsiella, Porphyromonas e Finegoldia (P ≤ 0,001 para todos).

“Entre pessoas saudáveis, não diabéticas, duas semanas de suplementação com adoçantes de baixas calorias foram suficientes para alterar a flora intestinal e aumentar as concentrações das bactérias que normalmente estão ausentes nas pessoas saudáveis”, resumiu a equipe.

A diminuição observada nas populações de bactérias fermentativas e as modificações nas vias de obtenção de energia usadas pelas bactérias “previram a deterioração da capacidade do organismo de regular a glicose”, acrescentam.

“Nossas descobertas corroboram o conceito de que esses adoçantes pioram o controle do açúcar no sangue de pessoas saudáveis ao adulterar a regulação da captação e da eliminação da glicose, bem como ao promover alterações do equilíbrio da flora intestinal. Isso destaca a relevância clínica dos padrões alimentares dos adoçantes com baixas calorias para o controle geral do açúcar no sangue”.

Dr. Richard informou que ele e colaboradores irão testar a natureza causal da associação entre as alterações relacionadas com o adoçante com baixas calorias no microbioma e as alterações glicêmicas por meio de “experimentos com pessoas saudáveis e pessoas com diabetes tipo 2, que são particularmente grandes consumidores deste tipo de produto.”

 

O estudo foi financiado pelo Australian National Health and Medical Research Council. Os autores informaram não ter conflitos de interesse financeiros relevantes.

European Association for the Study of Diabetes (EASD) 2018 Annual Meeting; 05 de outubro de 2018; Berlim, Alemanha. Abstract 241.

 

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