Doente terminal leva Monsanto ao tribunal

Photograph: POOL/Reuters

Jardineiro que utilizou glifosato como mata mato, hoje sofre de linfoma não-Hodgkin porque ele  também mata muito mais que mato.

 

https://articles.mercola.com/sites/articles/archive/2018/07/03/roundup-linked-to-non-hodgkin-lymphoma.aspx

 

 

 

Resumo da história

  • Em 2015, o IARC (nt.: International Agency for Research on Cancer – Agência Internacional de Pesquisa sobre o /OMS/ONU) classificou o glifosato como um provável carcinogênico humano baseado em evidências limitadas mostrando que ele pode causar linfoma não-Hodgkin como câncer pulmonar além de evidência convincente de sua ligação ao câncer em animais; 
  • Pesquisa recente conduzida pelo respeitável Ramazzini Institute mostra que a ingestão diária de glifosato nos níveis diários aceitáveis pela EPA. altera o desenvolvimento sexual em ratos bem como do microbioma intestinal além de efeitos genotóxicos; 
  • Testes recentes do U.S. National Toxicology Program revelam que a formulação do herbicida Roundup é muito mais tóxica do que somente seu princípio ativo, glifosato, sendo letal às células humanas;
  • Há uma estimativa de que 4.000 indivíduos acionaram judicialmente a , alegando de que o Roundup causou seus linfomas não-Hodgkin. O primeiro paciente de câncer que teve seu dia de tribunal é Dewayne “Lee” Johnson que utilizou o herbicida Roundup extensivamente em seu trabalho como jardineiro;
  • A parece estar apostando em sua capacidade de reabilitar a reputação dos produtos da Monsanto simplesmente descartando o nome Monsanto, mas no mundo todo a luta contra esta corporação com a qual se fundiu, está agora se voltando para a corporação alemã como sua sucessora.

 

By Dr. Mercola

De acordo com um relatório de 2017 1 emitido pela Monsanto (agora fundida com a Bayer, que retirou o nome comercial ‘Monsanto’), “os herbicidas à base de glifosato estão apoiados em um dos mais extensos bancos de dados sobre os efeitos ambientais e de saúde humana já compilados para um agrotóxico. Estudos completos destinados tanto toxicológica como ambientalmente, realizados nos últimos 40 anos, demonstraram, de tempos em tempos, o forte perfil de segurança deste herbicida amplamente utilizado no mundo.”

No entanto, as chamadas evidências que sustentam ser o herbicida Roundup seguro, humana e ambientalmente, estão baseadas em pesquisas conduzidas principalmente por ela própria ou por ela financiadas. Mas, documentos internos 2,3, obtidos durante descoberta legal em ações judiciais contra a empresa, revelaram que ela nunca realmente testou a formulação comercial ‘Roundup‘ para carcinogenicidade.

Evidência também revela que a EPA estava de conluio com a Monsanto (US. Environmental Protection Agency (EPA) has colluded with Monsanto) para proteger os interesses da corporação pela manipulação e obstrução de investigações chave quanto ao potencial do glifosato causar câncer.

O Glifosato conectado a Muitos Risco à Saúde

Em março de 2015, a International Agency for Research on Cancer (IARC), um braço de pesquisas da World Health Organization/WHO (nt.: Organização Mundial da Saúde), reclassificando-o, considerou dentro do padrão ouro para os estudos de carcinogenicidade, como “provável carcinogênico” (Classe 2A),4,5 baseado em “evidência limitada” mostrando que o mata mato pode causar linfoma não-Hodgkin e câncer de pulmão em seres humanos,  e com “evidência convincente” conectando-o a câncer em animais (nt.: como eticamente não há pesquisas sobre seres humanos, a conclusão tem que ser ‘provável’, mas como se pesquisa sobre animais, aí sim pode ser indiscutível! Mas os seres humanos não são também animais, mamíferos e racionais?).

Neste mesmo ano, seguindo a reclassificação da IARC, o California’s Environmental Protection Agency’s Office of Environmental Health Hazard Assessment/OEHHA (nt.: o Escritório de Avaliação de Risco para a Saúde Ambiental da Agência de Proteção Ambiental da Califórnia), anunciou que o glifosato será listado como uma substância química conhecida por gerar câncer sob a Proposição 65 (Proposition 65), que exige que produtos de consumo com ingredientes com potencial de causar câncer portem rótulos de advertência.

A Monsanto entrou com uma ação judicial contra o OEHHA em janeiro de 2016 para impedir a classificação de cancerígeno do glifosato, mas um juiz do tribunal superior na cidade de Fresno, Califórnia, decidiu favoravelmente à decisão do OEHHA em fevereiro de 2017.

Além de seu potencial carcinogênico, pesquisas independentes, não contaminadas pela influência da Monsanto ou da indústria química como um todo, também conectaram herbicidas à base de glifosato com uma lista crescente de efeitos preocupantes para a saúde e o meio ambiente. Por exemplo, ele demonstrou:

Afetar a habilidade de nosso corpo a plena função de produzir proteínas
Inibir a rota metabólica chiquimato (Inhibit the shikimate pathway) (encontrada na flora intestinal)
Interfere com  a função das enzimas citocromo P450 (cytochrome P450 enzymes) (necessária para a ativação da vitamina D e da criação do óxido nítrico e do sulfato de colesterol)
Quelatiza importantes minerais
Interrompe a síntese e o transporte do sulfato
Interfere com a síntese dos amino ácidos aromáticos e a metionina, resultando em escassez de folato e neurotransmissores
Perturba o microbioma intestinal tanto de humanos como de outros animais por atuar como um antibiótico
Destrói o revestimento intestinal, podendo levar a sintomas de intolerância ao glúten
Impede as vias metabólicas da metilação
Inibe a liberação pela pituitária do hormônio estimulante da tiroide, que podem levar ao hipotiroidismo 6,7

‘Roundup’ É Mais Tóxico do que o Glifosato Sozinho

O altamente respeitado Instituto Ramazzini, na Itália, está atualmente trabalhando o glifosato (glyphosate8 , em um estudo global abrangente, para averiguar sua carcinogenicidade e seu potencial de toxicidade crônica. A fase piloto 9 já revelou que a ingestão diária de glifosato no nível de exposição pela ingestão diária aceitável estabelecido pela EPA, altera o desenvolvimento sexual em ratos, produz alterações no microbioma intestinal e exibe efeitos genotóxicos.

O que é pior, testes 10 realizados pelo Programa Nacional de Toxicologia dos EUA (nt.: U.S. National Toxicology Program/NTP), publicado no mês de maio último, revelam que a fórmula do Roundup é muito mais tóxica do que o glifosato sozinho. De acordo com o resumo dos resultados do NTP, as formulações de glifosato alteram significativamente a viabilidade das células humanas ao interromperem a funcionalidade das membranas celulares. Em termos leigos, o Roundup mata células humanas.

Embora os testes de primeira fase não tenham revelado evidências de que o Roundup e outros herbicidas à base de glifosato sejam carcinogênicos (glyphosate-based weed killers are carcinogenic), ele mostra que as formulações são mais tóxicas do que o glifosato isoladamente – e já há evidências de que o glifosato tem potencial carcinogênico. Nada disso é um bom augúrio para a Bayer, que agora é proprietária da patente do Roundup.

Começou nos EUA o Primeiro Julgamento sobre a  Carcinogenicidade do Roundup

Nestes anos após a classificação do glifosato pelo IARC como possível carcinogênico humano, estima-se que 4.000 pessoas 1  entraram com ações judiciais contra a Monsanto, alegando que o herbicida causou o linfoma não-Hodgkin (Non-Hodgkin lymphoma), um tipo de câncer que começa nos glóbulos brancos (linfócitos), que fazem parte do seu sistema imunológico. Mais de 425 deles estão atualmente pendentes em um litígio multidistrital (multidistrict litigation/MDL) com o Tribunal Distrital dos EUA em San Francisco. 12

Embora o procedimento de um litígio MDL seja semelhante a uma ação coletiva na medida em que consolida os procedimentos pré-julgamento, cada caso receberá seu próprio veredicto por júri e os resultados irão variar dependendo da força da evidência de cada caso. Documentos internos obtidos durante o processo de descoberta foram liberados por advogados, e ficaram conhecidos como “The Monsanto Papers“. 13

O primeiro paciente de câncer que teve, na verdade, seu dia no tribunal foi Dewayne “Lee” Johnson ,14,15,16 ao ter garantido seu julgamento rapidamente devido ao fato de estar próximo da morte. Em julho, seu oncologista previu que ele talvez tenha somente seis meses de vida .17

Johnson — cuja ação foi impetrada em tribunal estadual e não por meio de um MDL na esperança de uma resolução mais rápida — é um homem de 46 anos, casado e pai de dois filhos, alega ter usado o Roundup de 20 a 40 vezes por ano enquanto trabalhava como jardineiro na escola distrital de Benícia na Califórnia, de 2012 até o final de 2015.18

Algumas vezes isso envolvia a mistura e a aperção de centenas de litros do produto comercial ‘Roundup PRO‘ de cada vez. Johnson foi diagnosticado com um tipo de linfoma não-Hodgkin chamado micose fungoides, em agosto de 2014. Relatou ao seu médico que as erupções que ele desenvolveu no verão se tornavam piores depois de exposto ao herbicida. Sua ação judicial foi impetrada em 2016, após ele ter se tornado muito doente para trabalhar, acusando então a Monsanto de ter escondido os riscos de saúde deste seu produto. Seu processo judicial no tribunal, presidido pela Juíza da Corte Superior, Suzanne Ramos Bolanos, começou em 18 de junho de 2018.19

A lei que dá o direito do cidadão saber (nt.: U.S. Right to Know/USRTK) publicou os documentos do processo e os documentos descobertos relativos a este caso particular em seu website.20 A seleção do juri começou em 21 em junho. Numa entrevista ao meio de comunicação Bloomberg,21 um dos três advogados de Johnson, Timothy Litzenburg, conectou esta ação de Johnson ao dito “é o canário na mina de carvão” (nt.: no século XIX, leva-se um canário numa gaiola para as minas de carvão inglesas para se ver se haviam gases venenosos na atmosfera ou não, assim os mineiros ficavam ou logo saiam): o resultado de sua ação pode claramente ter um impacto significativo sobre os futuros julgamentos, tanto para melhor como pior.

Ação Judicial Que Abre Portas, a Pioneira

O advogado Litzenburg contou à rede midiática CNN,22 que o “Sr. Johnson está com muita raiva e é a pessoa mais cuidadosa com a segurança que eu conheço. No momento, ele é o ‘cara’ mais corajoso dos Estados Unidos”. Litzenburg também representa mais de 2.000 outros doentes diagnosticados com linfoma não-Hodgkin, que acreditam que com o uso extensivo de Roundup contribuiu para suas doenças.

Linda Wells, diretora organizacional da ONG Pesticide Action Network na América do Norte, comentou o caso, dizendo: 23  “a Monsanto propositadamente enganou o público sobre a segurança de seu principal herbicida, o Roundup, por décadas. Se Johnson for bem sucedido no julgamento, será um enorme abalo a toda a indústria de agrotóxicos”. Da mesma forma, a rede de informações CNN observou: “Há muita coisa neste caso, que pode estabelecer um precedente legal para milhares de casos que virão a seguir”. 24

De acordo com a Bloomberg, 25 a Bayer “provavelmente assumirá o risco da Monsanto quanto aos litígios em cascata que virão pelo glifosato”, observando que, a partir de agosto, o fundo de reserva da Monsanto para responsabilidade ambiental e contenciosa totalizou US $ 277 milhões de dólares. Embora isso pareça muito, pode ser uma mera gota, se as quantias pelos danos em cada e todos os casos começarem a chegar aos milhões.

A ação judicial de Johnson está com a perspectiva de estar concluído em meados ou final de julho. Um segundo caso, este de St. Louis, está agendado para ir a julgamento em outubro próximo. 26  Em um recente artigo o jornalista e pesquisador de interesse público conectado com a lei do direito de saber da EcoWatch (nt.: importante mídia global focada nos aspectos ambientais), Carey Gillam, escreve: 27

“A Monsanto e seus aliados da indústria agroquímica criticaram o litígio e a classificação do IARC por falta de validade, contrariando as décadas de estudos de segurança que provam que o glifosato não causa câncer quando usado conforme planejado. A Monsanto citou as descobertas da EPA e de outras autoridades reguladoras como respaldando sua defesa. A empresa também pode indicar para um esboço de avaliação do risco da EPA quanto ao glifosato, 28 que concluiu que o glifosato não é provavelmente cancerígeno.”

No entanto, como mencionado anteriormente, parte da evidência que surgiu durante a descoberta é que a EPA conspirou com a Monsanto para proteger seus interesses. Uma reunião em dezembro de 2016 na qual um painel consultivo científico reanalisou as evidências científicas e avaliou a força da decisão da EPA de exonerar o glifosato concluiu que a agência havia violado suas próprias diretrizes ao desconsiderar dados de estudos nos quais uma ligação positiva com câncer foi encontrada. 29

Provas de julgamento também incluem pilhas e pilhas de papeis mostrando artigos que a EPA invocou quando da segurança do glifosato. Há também evidências de que a Monsanto suprimiu a publicação de dados prejudiciais. Como relatado por Gillam, “os advogados de Johnson dizem que os documentos internos da Monsanto mostram uma extensa ‘manipulação’ do registro científico e claramente interações impróprias e fraudulentas com os reguladores”.

Pelo menos 10 funcionários, atuais e antigos, da Monsanto serão chamados para testemunharem no julgamento de Johnson. De acordo com Brent Wisner, um advogado chefe da equipe jurídica de Johnson que entregará as declarações de abertura e fechamento do caso: “vamos trazê-los para o julgamento.  Temos fatos em mãos. Se a evidência que temos for autorizada de ser conhecida, a Monsanto está em apuros.”

A Bayer Dificilmente Reabilitará ou Superará a Sórdida Reputação da Monsanto

A Bayer parece estar apostando em sua capacidade de reabilitar a reputação dos produtos da Monsanto simplesmente descartando o nome ‘Monsanto’. Mas as chances são de que eles falharão. Em todo o mundo, a luta contra a Monsanto está agora se voltando para a Bayer como sua sucessora. Uma troca de nome simples não pode desfazer o dano causado e o que ainda está sendo cometido,  sob falsos pretextos, tanto pelo Roundup como pelos outros herbicidas à base de glifosato.

Como a Monsanto, a Bayer está se recusando a ceder quando se trata da suposta segurança do Roundup e de outros herbicidas à base de glifosato, apesar de todas as evidências em contrário, além das preocupações globais pelo aumento dos níveis de glifosato nos corpos humanos (glyphosate levels in human bodies). Entre 1993 e 2016, a prevalência da exposição humana ao glifosato aumentou 500%, e os níveis reais da substância química encontrada nos indivíduos testados, aumentaram em um impressionante nível de 1.208%. Como observado por Adrian Bebb, um ativista de alimentos e agricultura da ONG Friends of the Earth – Europa: 30

“A Bayer, em tudo, se tornará Monsanto, a não ser que tome medidas drásticas para se distanciar do controverso passado do gigante químico dos EUA. Se continuar a vender agrotóxicos e indesejáveis, logo se encontrará lidando com a mesma resistência global que a Monsanto construiu.”

Da mesma forma, a Forbes (nt.: revista norte americana que trata de negócios e economia) comentou sobre a fusão entre a Monsanto e a Bayer prevendo um caminho menos que suave para este novo gigante químico: 31

“Sim, a Bayer apresentou o mundo à aspirina e ao fenobarbital. Mas também registrou heroína (nt.: artigo interessante da revista alemã ‘Der Spiegel’ para quem domina a língua!) e, quando era IG Farben durante a Segunda Guerra Mundial, usou prisioneiros de campo de concentração como trabalhadores escravos e testadores de drogas com resultados desastrosos. Mesmo com esse contexto, há dois desafios especiais para integrar líderes da Monsanto à Bayer:

1) A história da Monsanto como empresa privada;    e

2) a ‘toxicidade’ da marca Monsanto obtida por sua fabricação e comercialização de DDT, PCBs (DDTPCBs), Agente Laranja, hormônios recombinantes de crescimento bovino, culturas geneticamente modificadas e modelo de patenteamento de sementes e sua implementação 

Há todas as razões para esperar que o pessoal da Monsanto seja mais focado para os resultados e menos cuidadoso, mais hierárquico e mais motivado pela autoridade do que o pessoal da Bayer. Esses são obstáculos culturais nada simples de serem superados.

Monsanto Foi Processada por Embalagem, Marketing e Venda Enganosos do Roundup

Além de todas as ações civis pendentes contra a Monsanto, a Beyond Pesticides e a Organic Consumer’s Association, também processaram 32 a Monsanto em nome do público em geral em abril de 2017, acusando-a de etiquetagem, marketing e venda enganosos do Roundup. Este caso também ainda está pendente, e poderia se transformar em outro buraco negro para a Bayer.

Segundo a denúncia, a Monsanto “ativamente anuncia e promove que seus produtos Roundup atuam com o alvo em uma enzima ‘encontrados em plantas, mas não em pessoas ou animais de estimação’. Essas alegações são falsas, enganadoras e enganosas”. A realidade é que a enzima, alvo do glifosato, é de fato encontrada em animais e humanos, já que está presente nas bactérias intestinais tanto de uns como de outros. Embora a Monsanto tenha tentado repudiar o caso, o juiz distrital Timothy Kelly negou o requirido, 33 determinando 34 que serem suficientes as evidências que haviam sido apresentadas para apoiar o peticionado.

Alguns dos leitores ainda podem se lembrar do tempo em que a Monsanto propagandeava de que o Roundup era “biodegradável” e “ambientalmente correto”, indo tão longe quando afirmava que ele “deixava o solo limpo”. Essas alegações foram finalmente deixadas de lado quando a empresa foi responsabilizada por fazer propaganda enganosa, já que as evidências mostravam que a substância química não é nada disso.

Acredito que a verdade sobre o impacto do Roundup na saúde humana acabará sendo, finalmente, reconhecida e este herbicida entrará para a história como uma das maiores e mais perigosas trapaças já perpetradas pela indústria química.

Fontes e Referências

 

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2018.