Jorge Casal foi premiado por demonstrar que as plantas “veem” e distinguem se as vizinhas são “parentes” através de receptores de luz chamados fitocromos. Este conhecimento serve de fundamento para o desenvolvimento de estratégias que impactem na produtividade de cultivos em grande escala. Jorge Casal é pesquisador do Conicet, chefe do Laboratório de Fisiologia Molecular de Plantas do Instituto Leloir e trabalha, além disso, no Instituto de Pesquisas Fisiológicas e Ecológicas Vinculadas à Agricultura (Ifeva, UBA-Conicet). Em laboratórios que mais parecem viveiros repletos de estantes com fileiras de plantas em vasos, Casal faz experimentos buscando decifrar os efeitos da luz e da sombra nas plantas. Suas pesquisas têm a finalidade de melhorar a produtividade agrícola: para isso, pesquisa os mecanismos de resposta à luz das plantas.
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Especializa-se na biologia molecular dos receptores de luz, que funcionam como “olhos” nas plantas.
Como estudante, em uma aula sobre fisiologia de plantas, o professor contou que as plantas eram capazes de perceber a luz. Isso acendeu em Jorge Casal a curiosidade, a mesma que o levou a publicar na revista científica New Photologist o resultado de seu trabalho. É, por essa trajetória, o ganhador de um prêmio concedido a “personalidades da ciência” pela “relevância social de seus projetos”.
O prêmio de pesquisa George Forster lhe foi concedido pela Fundação Alexander von Humboldt, com sede naAlemanha, por descobrir como as plantas distinguem com seus “olhos” se a planta vizinha é “parente” ou não e a partir desse reconhecimento “compartilhar” ou não o acesso à luz, que é fonte de energia. “Observamos com surpresa que os fitocromos obtêm esse reconhecimento através do perfil de luzes e sombras de suas vizinhas”, explica Casal aoPágina/12.
A entrevista é de Ignacio Jawtuschenko e publicada por Página/12, 10-06-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Seu trabalho centra-se na interação das plantas com a luz?
Estudo como as plantas respondem ao ambiente luminoso que as rodeia. A questão da luz é um problema permanente, porque todos os cultivos comerciais são feitos com altas densidades, as plantas estão muito próximas uma da outra e inevitavelmente produzem sombras.
Por que a luz pode ser um problema?
Como sabemos, a luz é uma fonte de energia, necessária para a fotossíntese, e se há muitas plantas por nível de superfície, competem entre si, dividem o recurso. O sol incide no crescimento e desenvolvimento da planta. A luz é importante porque é uma fonte de informação. As plantas podem perceber os sinais do ambiente, têm uma série de receptores de luz ou fotorreceptores, chamados fitocromos, que lhes permitem ver sinais do ambiente. Por exemplo, a presença ou não de plantas vizinhas, a partir da sombra produzida por essas outras plantas.
Desde quando se sabe que as plantas têm olhos ou fitocromos?
É algo que se descobriu na década de 1950. Esses olhos estão situados ao longo de toda a planta. A distribuição não é homogênea, não há um órgão de visão, mas há lugares da planta mais importantes para controlar determinadas respostas. De fato, o sombreado, que nós vemos como uma mera redução da luz, as plantas contam com mecanismos bastante sofisticados para perceber outras mudanças sutis na qualidade da luz e distinguir as sombras das outras plantas.
Como é isso?
As plantas têm clorofila nas folhas verdes; a clorofila absorve muito do vermelho, mas há uma parte da radiação que é o vermelho do espectro de luz, que a deixa passar ou a reflete. Então, a proporção entre o vermelho e o vermelho do espectro de luz, que não é absorvido para a fotossíntese, depende da existência de vizinhos ao redor ou não, de quantos há, e que tamanho têm. A relação entre um e outro dá a informação que as plantas usam.
O que as plantas fazem quando recebem sombra?
Não todas as plantas reagem da mesma maneira. Em sua corrida para sobreviver, nem todas têm a mesma estratégia e nem todas respondem da mesma maneira. Uma planta que normalmente cresce em lugares abertos, quando está na sombra começa a reagir muito, cresce o caule, ficam mais altas e competem com as outras. Ao contrário, uma planta que cresce na parte inferior de uma floresta e que não será uma planta alta, não reage da mesma forma.
E o que as plantas fazem com a informação da luminosidade?
A luz gera diferentes tipos de respostas. Por exemplo, aumentar o crescimento do caule; então as folhas ficam mais acima e competem com a vizinha. Outra resposta que demonstramos, por exemplo, em plantações de milho, é que as folhas podem se movimentar horizontalmente, dependendo de se há heterogeneidade no lugar, ou seja, se em uma parte há muita sombra e em outra não.
Sobre os mecanismos de resposta, muda se uma vizinha é de outra espécie?
Sim, porque na realidade o sinal que vão receber depende do tipo de vizinha que tem. A planta pode responder dependendo de quão agressiva é a planta vizinha. Nós observamos em muitos cultivos que quando há uma boa disponibilidade de recursos, fertilização, luz, água, mas há sinais de vizinhas, diminuem o rendimento. Estão em atitude defensiva.
Fale sobre esses experimentos.
Mediante diferentes experimentos com a Arabidopsis thaliana, muito usada como modelo em estudos de fisiologia vegetal, descobrimos que quando tinham características genéticas similares, cada planta direcionava o crescimento de suas folhas para fora da fileira, minimizando a interferência com suas vizinhas e compartilhando assim os benefícios da luz para poder crescer. Vimos que quando se mistura perfis genéticos diferentes dentro da mesma fileira, em vez de cooperar entre si, as plantas competem pela luz, e o rendimento coletivo era menor.
O que acontece em cultivos como trigo ou girassol?
Os sinais de luz que indicam a presença de plantas vizinhas na plantação afetam o rendimento por diferentes caminhos. Por exemplo, no trigo ou no girassol observamos diminuições no número de grãos produzidos por cada planta. Ao produzir menos grãos, o rendimento cai. No entanto, nem todos os efeitos destes sinais são negativos. Por exemplo, no milho e no girassol, a folhagem se desvia horizontalmente dos lugares onde os sinais de plantas vizinhas são mais intensos para os espaços livres. Isto faz com que o cultivo em seu conjunto aproveite melhor a luz. Se as plantas cooperam entre si, cada uma delas rende mais em produção de sementes. Nosso objetivo é entender melhor os mecanismos de resposta aos sinais de plantas vizinhas, de modo a poder reduzir os efeitos negativos e potencializar os efeitos positivos.
Saindo do laboratório, como se pode aplicar este conhecimento no setor produtivo?
Este conhecimento proporciona bases para o desenvolvimento de estratégias produtivas de cultivos em grande escala. Isto permite obter genótipos, isto é, perfis genéticos que se ajustam melhor ao estresse provocado pela densidade de plantas ao redor, tê-los caracterizados. Por outro lado, a produção de alimentos deve aumentar a um ritmo mais rápido, para satisfazer a demanda de uma população humana em crescimento. É preciso gerar uma segunda revolução verde, como a que ocorreu na década de 1970, e para isso é necessário um trabalho entre biólogos moleculares, biotecnólogos e agrônomos, setores da produção e tomadores de decisão.
Algo mais que gostaria de acrescentar?
Há um mês, uma doutoranda apresentou sua tese sobre o girassol. O girassol é um cultivo que não foi explorado muito, mas cujo rendimento pode ser maior aumentando a densidade de plantas na mesma superfície. E uma das coisas que ela viu é que quando se tem as plantas de girassol em densidades muito altas, muito compactadas dentro da fileira, tem um ordenamento perfeito, elas vão se inclinando uma para a direita e a outra para a esquerda e assim sucessivamente. As plantas começam a se ver e algumas plantas pioneiras se inclinam para o norte, do lado de onde vem o sol, e isso produz uma espécie de onda. É um fenômeno de comparação.
O que foi que lhe chamou a atenção naquela aula de fisiologia vegetal?
Eu achava fabuloso a capacidade de mudar; atrai-me muito a capacidade dos organismos de se ajustarem ao ambiente que encontram, sua capacidade de às vezes fazer uma coisa e às vezes outra. Um animal, por exemplo, que tem frio ou fome, vai para outro lugar; a planta não pode se mudar, mas pode mudar seu corpo ou suas funções. E isso que o conhecimento que se tinha naquela época era muito menor que aquilo que se sabe hoje. Pode-se tomar uma planta que, geneticamente é a mesma, mas cultivada em lugares diferentes: uma planta tem 20 vezes mais folhas que a outra, ou uma floresce e a outra não. As mudanças são muito marcadas porque têm um mecanismo que lhes permite ser flexíveis e deixar-se influir pelo ambiente.