Retrocesso civilizatório-ataque aos direitos dos povos tradicionais.

“Por meio da PEC 215/2000, grandes proprietários pretendem, em outras palavras, paralisar o processo de demarcação de terras indígenas e quilombolas, assim como o processo de criação de unidades de conservação, de modo a aumentar a quantidade de terra desmatável”,  constata Felipe Dittrich Ferreira, sociólogo, representante no Brasil do Movimento Católico Global pelo Clima, em artigo publicado no jornal Gazeta do Povo, 25-05-2015.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/542979-pec-2152000-retrocesso-civilizatorio

 

Eis o artigo.

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no capítulo dedicado à proteção do meio-ambiente, articula reflexões antropológicas e ecológicas ao notar que devemos dar especial atenção à “relação que os povos indígenas mantêm com a sua terra e os seus recursos: trata-se de uma expressão fundamental da sua identidade”. O documento ressalta que “muitos povos já perderam ou correm o risco de perder, em favor de potentes interesses agroindustriais ou por força de processos de assimilação e de urbanização, as terras em que vivem, às quais está vinculado o próprio sentido de suas existências”. Tais povos, ainda de acordo com o documento, “oferecem um exemplo de vida em harmonia com o ambiente que eles aprenderam a conhecer e preservar”. Essa “riqueza insubstituível para toda a humanidade”, alerta o texto, “corre o risco de se perder juntamente com o ambiente do qual se origina.”

Causa séria preocupação, diante desse ensinamento, a perspectiva de que possa vir a ser aprovada no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição 215, de 2000, pela qual se pretende transferir do Executivo para o Congresso o poder de demarcar terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação.

O que está por traz da proposta? Conforme observou recentemente a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, “reconhecer, demarcar, homologar e titular territórios indígenas, quilombolas e de povos tradicionais é dever constitucional do Poder Executivo. Sendo de ordem técnica, o assunto exige estudos antropológicos, etno-históricos e cartográficos. Não convém, portanto, que seja transferido para a alçada do Legislativo”.

A quem interessa “politizar” o processo de demarcação? Grandes proprietários, detentores de enorme poder político, é que têm batalhado em favor do projeto. Acostumados a mandar, tais figuras têm dificuldade em aceitar a existência de regras. Na visão da assim chamada bancada ruralista, a lei interessa apenas na medida em que possa ser utilizada contra os outros. A partir do momento em que a lei começa ser utilizada para colocar limites à ganância, coibindo, por exemplo, a grilagem, o desmatamento ou a poluição, então passa a ser vista como problema.

Por meio da PEC 215/2000, grandes proprietários pretendem, em outras palavras, paralisar o processo de demarcação de terras indígenas e quilombolas, assim como o processo de criação de unidades de conservação, de modo a aumentar a quantidade de terra desmatável.

A jornalista Eliane Brum, do El País, alerta para o fato de que, além de paralisar processos de demarcação, a PECpretende determinar “que apenas os povos indígenas que estavam ‘fisicamente’ em suas terras na promulgação da Constituição de 1988 teriam direito a elas. Assim, todos aqueles que foram arrancados de suas terras tanto por grileiros quanto pelos projetos de ocupação promovidos pelo Estado, seriam agora expulsos em definitivo. A proposta aqui élegalizar o crime, já que os índios tirados de suas terras pela força lá atrás seriam culpados por não estarem nelas, perdendo-as para sempre”.

Isso não é tudo. A PEC, ressalta Brum, ainda “pretende abrir exceções ao usufruto exclusivo dos povos indígenas” sobre as áreas demarcadas, abrindo a possibilidade de “arrendamentos a não índios, permanência de núcleos urbanos e propriedades rurais, construção de rodovias, ferrovias e hidrovias.”

O projeto, como enfatiza a jornalista, não afetará apenas as populações indígenas. Se permitirmos que nossas florestas, na região norte, sobretudo, sejam destruídas ou degradadas, colocaremos em risco a produção de alimentos nas demais regiões do país. Sem a Amazônia, com efeito, enfrentaremos, fatalmente, escassez crônica de água, em particular na região Centro-Sul, já que é a floresta que mantém úmido o ar em movimento, levando chuvas continente adentro, como Antonio Donato Nobre, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, têm ressaltado à luz de numerosos estudos. Com escassez de água ficará comprometida também a produção de energia, já que o Brasil é fortemente dependente da hidroeletricidade.

A quem afirma, desconhecendo a realidade fundiária brasileira, que há pouco índio para tanta terra, cabe recordar a observação do filósofo Márcio Santilli: “O que há é muita terra para pouco fazendeiro”.

Os cristãos não podem permanecer indiferentes. Temos o dever de colocar obstáculos aos que procuram ajuntar tesouros na terra, ignorando a vontade de Deus e profanando Sua obra. Diante daqueles que servem ao dinheiro como a um deus, temos o dever de dizer, evocando a proteção do Criador: “Aqui se deterá o orgulho das tuas ondas, não irás mais longe”.

 

Maioria dos senadores rejeita a PEC 215

 http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543001-maioria-dos-senadores-rejeita-a-pec-215

Manifesto assinado por mais da metade dos senadores coloca em xeque destino de Proposta de Emenda Constitucional que transfere do governo federal para o Congresso a tarefa de oficializar Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas.

A reportagem é publicada poe Instituto Socioambiental – Isa, 26-05-2015.

Em manifesto intitulado “Em apoio à sociedade civil e contra a PEC 215” e divulgado nessa terça (26/5), 42 senadores, de diversos partidos políticos, expressaram seu desacordo com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC). O projeto tramita na Câmara dos Deputados com o objetivo de transferir do Poder Executivo para o Congresso as competências para demarcar terras indígenas, titular terras de quilombos e criar unidades de conservação. A PEC também abre a possibilidade de revisão de terras já demarcadas para excluir “áreas de ocupação consolidada” do interior dos seus limites.

“A PEC não foi precedida de consulta. A confirmação de direitos de minorias não pode ficar suscetível a maiorias temporárias. A demarcação é um ato técnico e declaratório. Não há sentido em introduzir o componente político nesse ato”, diz o manifesto.

A iniciativa de elaborar o documento e recolher as assinatura foi do senador João Alberto Capiberibe (PSB-AP) e contou com o apoio expresso de vários senadores do PT, PMDB, PSDB, PDT e outros partidos, constituindo a maioria entre os 81 integrantes do Senado. É provável que outros senadores, que estiveram fora de Brasília nesta semana, ainda venham a subscrevê-lo.

Assinaram o documento o presidente do Senado e do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente doPSDB e ex-candidato a Presidência, Aécio Neves (MG), líderes das maiores bancadas, como Eunício Oliveira (PMDB-CE), Humberto Costa (PT-PE), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Lídice da Mata (PSB-BA) e Telmário Mota (PDT-RR). O líder do governo, Delcídio Amaral (PT-MS) e o líder do “blocão” (formado por PTB, PR e PSC), Fernando Collor de Melo (PTB-AL), também o subscrevem. Romero Jucá (PMDB-RR) e Jáder Barbalho (PMDB-PA) também assinam o manifesto.

Para se aprovar uma PEC, são necessários os votos de 60% dos 513 deputados federais (308) e de 60$ dos 81 senadores (49) senadores, em dois turnos de votação em cada Casa. Se 33 senadores votarem pela rejeição, abstiverem-se ou não comparecerem, aprovação é inviabilizada. O manifesto indica que há fortes restrições à aprovação da PEC 215 pelo plenário do Senado.

Restrições também no STF

Também há restrições à PEC 215 no Supremo Tribunal Federal (STF). Em mandato de segurança impetrado pelaFrente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas contra a sua tramitação, o seu relator no STF, ministro Luís Roberto Barroso, não concedeu liminar para sustá-la, por entender que o projeto ainda se encontra em etapa incipiente. Ele avançou, no entanto, contundentes questões sobre o seu mérito.

“Essas considerações suscitam relevantes dúvidas quanto à validade, em tese, da PEC número 215/2000, tendo em vista não só os direitos dos índios, mas também outro direito fundamental – a proteção aos direitos adquiridos (CF/88, art. 5, XXXVI) – e, possivelmente, até a separação dos poderes, igualmente acolhida como cláusula pétrea (CF/88, arts 2 e 60, parag 4, III). Por todas essas razões, é plausível a alegação dos impetrantes de que a proposta impugnada não poderia ser objeto de deliberação”, afirmou Barroso.

A PEC 215 tramita atualmente em uma comissão especial, com atribuição específica de analisá-la e composta por uma maioria de deputados que integram a Frente Parlamentar em Defesa da Agropecuária (bancada ruralista) e são favoráveis à sua aprovação. A sua instalação teria sido acordada pela bancada ruralista com o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em troca de votos a favor da sua eleição para a presidência da Câmara, embora Cunha tenha dito a representantes indígenas que o seu compromisso estaria limitado a viabilizar a tramitação da PEC e não incluiria a sua aprovação quanto ao mérito.

Desde 2013, o movimento indígena, coordenado pela Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB) vem realizando sucessivas mobilizações contra a PEC 215. O seu texto ameaça especificamente as terras indígenas, mas outras 11 PECs tramitam apensadas à 215, estendem os seus efeitos aos quilombos e unidades de conservação, e receberam parecer favorável do relator da comissão especial, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), devendo ser objeto de deliberação em conjunto pelo plenário da Câmara.

Com isso, quilombolas, extrativistas, ambientalistas e outros segmentos da sociedade civil estão se integrando cada vez mais às iniciativas pela rejeição da PEC 215. Se esse movimento continuar crescendo, essa rejeição poderá ocorrer no próprio plenário da Câmara, sem que seja necessária a sua análise pelo Senado ou pelo STF.

Senado diz não à PEC 215

http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Senado-diz-nao-a-PEC-215/

zoom – Da esquerda para a direita estão os senadores João Capiberibe (PSB/AP), Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) e Cristovam Buarque (PDT/DF). Quem dá a entrevista é Sônia Guajajara, liderança indígena (Foto: Gabinete do Senador João Capiberibe)

 

Na tarde de hoje (26), no Congresso Nacional, a maioria dos senadores da República se manifestaram contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que visa transferir do Executivo para o Congresso o poder de demarcar terras indígenas e criar unidades de conservação. Os senadores João Capiberibe (PSB/AP), Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), Cristovam Buarque (PDT/DF) e a deputada Janete Capiberibe (PSB/AP) articularam que 42 senadores, de um total de 81, aderissem aomanifesto contra a PEC 215.

Para o senador Capiberibe, se a proposta for aprovada, na prática vai significar a paralisação definitiva dos processos de regularização dessas áreas protegidas fundamentais ao equilíbrio climático e à manutenção dos mananciais de água, entre outros serviços ambientais.

O texto está atualmente sendo analisada pela Comissão Especial da PEC 215, da Câmara dos Deputados, que é presidida pelo deputado Nilson Leitão, investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por atuar contra os indígenas. Leitão, que determinou um prazo de dois meses para apreciar a proposta – segundo ele “por respeito à democracia” –, disse que o texto já está pronto para ser votado. Caso seja aprovado no plenário da Câmara, ele seguirá para o Senado.

“A PEC 215 não foi precedida de consulta aos povos tradicionais. A demarcação é um ato técnico e declaratório. Não há sentido de inserir o elemento político”, diz o manifesto assinado por 42 senadores. Com esse documento, fica clara a manifestação do senado contra a proposta: “caso a Câmara insista com essa invenção inconstitucional, o Senado vai inibir a iniciativa”, afirmou Capiberibe.

A liderança indígena Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), presente na divulgação do manifesto, mostrou-se muito esperançosa. “Me agrada ver que o Senado não se mostra conivente aos ataques ruralistas. É preciso avançar no processo de demarcação indígena, e não retroceder”, defendeu ela.

A formulação da proposta de emenda constitucional, desde sua criação no ano 2000, nunca envolveu os indígenas. A convenção da Organização Mundial do Trabalho, cujo artigo 169 determina que os povos indígenas sejam ouvidos, é comumente desrespeitada nos processos de formulação de políticas que envolvem os índios, como disse a vice-procuradora geral da República na semana passada, Deborah Duprat.

O manifesto foi divulgado numa pequena coletiva na tarde desta terça (26/5) e tem o apoio de movimentos sociais e organizações da sociedade civil, como a Apib, o Instituto Socioambiental (ISA), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), WWF-Brasil, Greenpeace entre outros.