Começou a era do mundo finito, artigo de Washington Novaes.

A perplexidade é geral, depois da queda do sétimo governo na Europa (Islândia, Reino Unido, Irlanda, Portugal, Eslováquia, Grécia e Itália) e já com a Espanha na alça de mira, com uma dívida pública insustentável e uma taxa de desemprego de 21,5% (48% entre os jovens). E tudo acontece simultaneamente com a crise política que se alastra nos países árabes e a expansão do movimento “Ocupem o mundo”, dos jovens norte-americanos que protestam sentados nas ruas, diante da casa dos poderosos. Para onde vamos?

 

http://www.ecodebate.com.br/2011/11/21/comecou-a-era-do-mundo-finito-artigo-de-washington-novaes/

 

Publicado em novembro 21, 2011

 

“Quem não estiver confuso está mal informado”, já diagnosticou o ex-ministro Delfim Netto (Conjuntura Econômica – FGV, setembro de 2011). De fato, quando Brasil, Índia e China se dizem dispostos a ajudar – via Fundo Monetário Internacional (FMI) – a Europa a sair da crise, chega-se a um ponto inconcebível há menos de uma década. Pois ao mesmo tempo se torna claro que “a Europa se prepara para uma década perdida” (Agência Estado, 16/10) e se chega ao “fim do sonho americano” (Celso Ming, Estado, 19/10).

“Vai sair um mundo diferente”, prevê Delfim. A seu ver, “a crise que está aí resulta de governos incompetentes, míopes, e de uma disfunção do sistema financeiro, que em vez de servir ao setor real acaba servindo-se dele. Os derivativos podem estimular uma melhoria de funcionamento do sistema, mas também podem tornar-se armas de destruição em massa, porque os bancos centrais – na verdade, os governos – não conseguiram entender aonde eles deveriam nos levar”. Certamente é uma visão que tem que ver com números pouco citados, de um giro financeiro de US$ 600 trilhões anuais, para um produto bruto mundial de US$ 62 trilhões por ano, dez vezes menos. Isto é, especulação cada vez mais afastada do real, das coisas concretas.

Agora, parece inescapável. A Comissão Europeia prevê recessão para o continente em 2012, que, segundo o FMI, é um alerta para todos os países desenvolvidos (Folha de S.Paulo, 12/11). Mesmo no Brasil a Confederação Nacional da Indústria revê sua previsão para o crescimento do PIB interno, de 3,8% para 3,4% este ano (Agência Estado, 12/11). E até a China parece retrair seu ritmo, enquanto os Estados Unidos chegam a um déficit anual do governo de US$ 1,299 trilhão, quase tanto quanto todo o PIB anual brasileiro. Mas quase todos os países continuam a recusar o que os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) vêm propondo desde o início da década de 1990: uma taxa de 0,5% sobre as transações cambiais e financeiras no mundo – para conter a especulação e ajudar a diminuir a pobreza -, uma ideia que surgiu do economista James Tobin.

Estranho que pareça, num quadro como esse pouco se discute na área econômica o que já é óbvio no diagnóstico de organismo da ONU e outros: a questão do impasse na área dos recursos naturais e sua tendência ao agravamento. Mais uma vez, o ex-ministro Delfim Netto, que em outras épocas parecia fechado à questão: “Estamos caminhando para instituições em que a cooperação, o altruísmo e as preocupações com o meio ambiente são maiores, enquanto a restrição ao crescimento é um pouco mais aguda, porque pela primeira vez se tem consciência de que não cabem na Terra 10 bilhões de pessoas com renda per capita de US$ 20 mil”. Ou seja, o consumo atual já é insustentável e será cada vez mais com o crescimento inevitável da população. Os diagnósticos da ONU já nos mostram consumindo mais de 30% além da capacidade de reposição da biosfera terrestre; se tivermos de aumentar a produção de alimentos em 70% nas próximas décadas para atender à população crescente e à redução da pobreza, agravaremos a situação, pois a “pegada ecológica” (área necessária para atender às necessidades de um ser humano) também já está mais de 30% além da disponibilidade – e seu crescimento significará mais degradação do solo, mais desertificação, mais crise da água, mais perda da biodiversidade, etc., etc. Sem falar em agravamento das . Mas como se fará se 1,44 bilhão de pessoas no mundo ainda não dispõem de energia elétrica e em sua maior parte terão de ser abastecidas com mais queima de carvão e petróleo, principalmente na China e na Índia, como adverte a Agência Internacional de Energia? E como tirar do âmbito da fome crônica quase 1 bilhão de pessoas?

Outros padrões de consumo terão de ser observados. Nossos modos de viver terão de ser repensados. Até porque em muitos setores a crise aguda já bate à porta. Como observa o professor Maurício Waldman, pós-doutorando em Geografia pelo Instituto de Geociências da Unicamp, a situação já é insustentável em muitos setores. No século 20 a população multiplicou-se por 4; o consumo de carvão, por 6; o de cobre, por 25; o de metais em geral chegou, em 2008, a 1,4 bilhão de toneladas, o dobro dos anos 70, sete vezes mais que em 1950; o consumo de alumínio passou de 2 milhões de toneladas em 1950 para 40 milhões em 2008; o de plásticos multiplicou-se por 18 em 34 anos. Como já se comentou neste espaço em outros artigos, a disponibilidade de muitos dos metais usados nas tecnologias mais abrangentes de hoje (telefones, computadores, etc.) está gravemente ameaçada. Por tudo isso, lembra o professor Waldman a frase do filósofo Paulo Valéry: “Começa a era do mundo finito”.

E como começa, ainda uma vez é preciso insistir: o Brasil tem de pensar uma estratégia fundada nessas visões, já que tem posição privilegiada no mundo em matéria de território, água, biodiversidade, possibilidade de plantios, matriz energética limpa e renovável – tudo o que é fator escasso no mundo e já foi dito e repetido neste espaço. A essa estratégia – em substituição à ideia de crescimento econômico puro e simples, desatento ao quadro mais amplo – é que se poderá chamar de uma verdadeira modernidade. Não precisamos esperar que a crise de recursos e consumo insustentáveis nos atinja mais a fundo.

Washington Novaes, jornalista. E-mail: [email protected]

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.