Carta de camponeses, povos indígenas e tradicionais repudia ação de indústria contra seus direitos no debate sobre proposta que trata dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. Projeto deve ser votado em comissões do Senado entre esta e a próxima semana.
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A reportagem é publicada pelo portal Instituto Socioambiental – Isa, 19-03-2015.
As organizações de agricultores familiares, povos indígenas e tradicionais divulgaram um manifesto em que denunciam o lobby das empresas dos setores de cosméticos, fármacos, limpeza, química e agronegócio na tramitação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 2 (antigo PL 7735/2014). O projeto pretende facilitar o acesso e a exploração econômica dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais da biodiversidade e da agrobiodiversidade.
O manifesto afirma que a exclusão dessas populações do debate sobre o projeto foi uma “decisão consciente e deliberada” do governo federal e dos representantes das empresas e classifica-a como um “rompimento na relação de confiança” entre essas mesmas populações e empresas (leia o manifesto).
O documento critica duramente a atuação da chamada “Coalizão Empresarial pela Biodiversidade”, articulação de associações de indústrias usuárias de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais que lidera o lobby em favor doPLC. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a bancada ruralista no Congresso não integram o grupo, mas estão atuando junto com ele.
O manifesto foi divulgado, na manhã desta quarta (18/3), numa audiência pública conjunta realizada no Senado, onde o projeto tramita em regime de urgência. No encontro, os senadores resolveram não realizar novas audiências que estavam marcadas para discutir a proposta, atendendo às pressões do governo e da indústria para aprovar o projeto o mais rápido possível, sem alterações.
Assim, a perspectiva é que o PLC seja votado, nas cinco comissões em que tramita simultaneamente, entre esta e a próxima semana. Depois, ele segue para o plenário da casa. Se for alterado no Senado, o projeto retorna à Câmara. Se for aprovado sem alterações, segue à sanção presidencial.
Diante dos pedidos de representantes de povos indígenas e tradicionais para que o regime de urgência seja retirado do PL, os senadores lavaram as mãos, repetindo que só o governo pode fazer isso. A informação é correta, mas os parlamentares poderiam tentar negociar a medida com o Planalto.
“Há um acordo entre Legislativo e Executivo para aprovar o texto como está. Infelizmente, esse acordo se deu com pressão do setor empresarial”, criticou Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante a audiência.
Representantes da indústria tentaram convencer os senadores de que o projeto é resultado de um “consenso possível” e de que é um avanço para a pesquisa no País.
“É claro que há consenso sobre o PL entre o governo e o setor empresarial. O projeto foi debatido e elaborado por eles, com a exclusão de povos e comunidades tradicionais”, analisou Maurício Guetta, advogado do ISA. Ele classificou de “excrescências jurídicas” a série de anistias para empresas que cometeram irregularidades e as isenções à repartição de benefícios pelo uso desses recursos e de conhecimentos tradicionais, previstas no projeto. Guetta antecipou que, se aprovado como está, o projeto será alvo de ações judiciais (veja vídeo acima).
Correlação de forças desfavorável
O relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente, Jorge Viana (PT-AC), admitiu que a correlação de forças no Senado é muito desfavorável aos direitos de povos indígenas e tradicionais e de pequenos agricultores. Ele informou, no entanto, que pode acatar algumas das propostas de modificação no texto do projeto. “Há divergências dentro do governo. Não vou partir do princípio de que não é possível fazer mudanças, de que temos de aprovar como está”, garantiu.
Debate revela diferentes visões sobre lei da biodiversidade
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As visões de povos índigenas e comunidades tradicionais foram contrapostas às de empresários e pesquisadores de recursos genéticos durante a audiência.
A reportagem é de Iara Guimarães Altafin e Marilia Coêlho, publicada pela Agência Senado, 18-03-2015.
Quinze especialistas e líderes sociais apresentaram a senadores de três comissões permanentes, em audiência pública nesta quarta-feira (18), diferentes pontos de vista sobre o PLC 2/2015, que estabelece novo Marco Legal da Biodiversidade.
De um lado, os chamados usuários dos recursos genéticos — indústrias, agronegócio e institutos de pesquisa — veem vantagens da nova lei para alavancar a sua exploração econômica. De outro, os detentores do conhecimento tradicional sobre animais e plantas nativas — povos indígenas, quilombolas, extrativistas e agricultores familiares — apontam quebra de direitos e riscos à proteção dos recursos naturais.
Comum a todos apenas a crítica à legislação em vigor (MP 2186/2001), considerada excessivamente burocrática e responsável por colocar na ilegalidade um grande número de pesquisadores e instituições que fazem bioprospecção e por dificultar a repartição de benefícios com comunidades tradicionais.
Povos tradicionais
O impacto do novo Marco Legal da Biodiversidade sobre povos indígenas e comunidades tradicionais foi destacado ao longo de todo o debate, não apenas por serem provedores de conhecimentos associados ao patrimônio genético, mas também por terem grande participação na domesticação de espécies hoje usadas na alimentação e na agricultura.
Logo no início do debate, Maira Smith, da Fundação Nacional do Índio (Funai), criticou a falta de diálogo com entidades indígenas na elaboração do novo marco legal, mas reconheceu o esforço do governo federal, após o envio do texto ao Congresso, de buscar o diálogo e incorporar aspectos relevantes aos povos tradicionais.
Como avanço do projeto, ela apontou o tratamento de patrimônio genético como propriedade da União e não do proprietário da área onde foi feito o acesso, como está na lei em vigor. Destacou ainda a criação do Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios, destinado a promover ações que incentivem o uso sustentável da biodiversidade.
Críticas
No entanto, a representante da Funai apresentou aos senadores uma relação de aspectos do projeto que seriam prejudiciais aos povos indígenas e tradicionais. No mesmo sentido, Cláudia Pinho, representante da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, leu carta na qual 86 entidades que representam indígenas, agricultores familiares e comunidades tradicionais pedem mudanças no projeto.
— A biodiversidade é para nós a nossa riqueza. Ela não gera riqueza — resumiu. As críticas foram endossadas porSônia Guajajara, representante da Entidade de Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e Edel Tenório, vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas.
Maurício Guetta, do Instituto Sócio Ambiental, Marciano Toledo, do Movimento dos Pequenos Agricultores, e Denildo Rodrigues de Moraes, coordenador Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, também apontaram problemas no projeto, como a dispensa de controle e fiscalização do acesso ao patrimônio genético e o perdão de dívidas para quem descumpriu a lei.
Conforme afirmam, medidas para resolver passivos igualam pesquisadores que não tiveram sucesso em seus pedidos de autorização, e mesmo assim realizaram atividades de bioprospecção, com aqueles que praticaram biopirataria.
Criticam ainda a implantação do cadastro autodeclaratório sem a exigência de aval do órgão de fiscalização, aspecto que, segundo Guetta, seria inconstitucional.
Aspectos positivos
No debate, representantes do setor empresarial e instituições de pesquisa destacaram os aspectos positivos do projeto de lei e defenderam a aprovação do novo marco legal.
Para Rosa Miriam de Vasconcelos, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a nova lei representará maior agilidade na concessão de autorizações para realizar pesquisas, a partir da adoção de cadastro que servirá como autorização para as pesquisas.
— A Embrapa reconhece o esforço feito pelo governo no sentido de agregar em um único marco legal visões dos diferentes setores envolvidos — disse.
Para Adriana Diaféria, vice-presidente do Grupo Farma Brasil, o texto em exame reflete o consenso possível e oferece a segurança jurídica que o setor empresarial reivindica. Ela também destacou inovações no modelo de governança.
— O novo modelo garante a participação do setor empresarial, do setor acadêmico, indígenas e comunidades de agricultores tradicionais. Todos estarão sentados na mesma mesa para a regulamentação e implementação dessa legislação — afirmou.
Já Elisa Romano Dezolt, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), destacou o potencial da biodiversidade brasileira para geração de benefícios para todo o país.
— Desburocratizando o acesso, conseguiremos ter um maior conhecimento da biodiversidade e, com isso, uma maior repartição de benefícios — disse, ao apontar ainda resultados na geração de empregos e aumento de arrecadação.
Nilson Gabas Júnior, diretor do Museu Emílio Goeldi, também destacou pontos positivos na nova legislação, mas sugeriu ajustes no projeto, como a inclusão de obrigatoriedade de associação entre empresa estrangeira e centro de pesquisa brasileiro, como condição para a primeira acessar os recursos genéticos.
A medida, disse, permitirá aos brasileiros usar laboratórios com recursos que ainda não estão disponíveis aqui, ampliar a formação de recursos humanos, assegurar a partilha de benefícios e ainda proteger a biodiversidade do país.
Ao encerrar o debate, o senador Otto Alencar (PSD-BA) reafirmou sua convicção de que as sugestões apresentadas serão consideradas pelos relatores da matéria nas comissões permanentes do Senado. O parlamentar presidiu a audiência pública realizada de forma conjunta pelas Comissões de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT).
Leia o projeto na íntegra
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