EUA: espirituais sobre a Terra, mas incertos sobre o aquecimento global.

A maioria dos norte-americanos dizem que sentem uma profunda conexão com o resto do universo. Mas toda essa espiritualidade não faz diferença nenhuma na maneira de ver os fatos sobre a mudança climática e o aquecimento global, constata um novo estudo.

 

 

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A reportagem é de Cathy Lynn Grossman, publicada no sítio Religion News Service, 21-11-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.

pesquisa-mudanca-climaFonte: Religion News Service

Apenas 5% dos norte-americanos pensam que a mudança climática é a questão mais importante nos EUA hoje. E a religião é uma linha divisória para definir quanto – ou quão pouco – eles acham que é um motivo de preocupação, de acordo com uma nova pesquisa realizada pelo Public Religion Research Institute (PRRI).

“Nós avaliamos fatores espirituais como a admiração pelo universo, e você poderia pensar que esses fatores se correlacionam com as visões sobre o universo. Mas, na verdade, eles têm muito pouco relacionamento”, disse Robert Jones, CEO da PRRI, que realizou a pesquisa sobre as posturas dos adultos dos EUA em relação à mudança climática, política ambiental e ciência.

A pesquisa constatou:

• 70% dos norte-americanos disseram que “experimentam uma conexão com todo o tipo de vida” todos os dias ou quase todos os dias.
• 69% disseram que “sentem profunda paz interior ou harmonia”.
• 64% “sentem uma profunda ligação com a natureza e a Terra”.
• 53% “sentem um profundo sentimento de admiração sobre o universo”.

No entanto, quando perguntados sobre o aquecimento global e as alterações climáticas, a pesquisa constatou três divisões.

• O maior grupo, apelidado de “crentes” (46% do total), disse que o aquecimento global é um fato, e eles colocam a culpa na atividade humana. Eles são os que tem a maior probabilidade (74%) de estar muito ou moderadamente preocupados com a mudança climática.
• Os simpatizantes (25%) acreditam que a Terra está aquecendo. No entanto, eles atribuem isso a causas naturais ou disseram que não têm certeza por que o aquecimento global está acontecendo. Cerca de 42% manifestou preocupação com as .
• Os céticos (26% do total) dizem que “não há nenhuma evidência sólida” da temperatura da Terra estar subindo nas últimas décadas. Isso também não os preocupa: 82% dizem que eles estão um pouco ou nada preocupados com a mudança climática.

A identidade religiosa foi um maior definidor de postura do que a espiritualidade em geral. Apenas 27% dos protestantes evangélicos brancos acreditam nas alterações climáticas, enquanto 29% são simpatizantes e 39% são céticos.

Ouvir falar sobre a mudança climática do púlpito fez a diferença, disse Jones.

“Apenas um em cada três norte-americanos disse ter ouvido alguém do clero falar sobre isso, muitas vezes ou às vezes”, disse Jones. “Mas entre aqueles que ouviram, 49% acreditam nas alterações climáticas”.

Quando perguntados sobre o seu nível de preocupação com as mudanças climáticas, membros de grupos religiosos minoritários tinham maior probabilidade de ser moderadamente ou muito preocupados. As estatísticas são: católicos hispânicos (73%), pessoas não filiadas a nenhuma religião (60%), protestantes negros (58%), não cristãos (56%) e judeus (53%).

O nível de preocupação cai drasticamente entre os que são brancos e religiosamente mais conservadores. A questão incomoda apenas 35% dos evangélicos brancos, 41% dos católicos brancos e 43% dos protestantes tradicionais brancos.

Os pesquisadores contabilizaram as razões pelas quais os céticos têm dúvidas sobre o aquecimento global:

• 33% disseram que “eles não têm notado mudança no clima em sua volta”. Uma resposta típica: “Eu moro em Chicago e é frio pra caramba”;
• 18% disseram que as temperaturas sobem naturalmente;
• 12% dizem que as evidências são conflitantes ou insuficientes.

Apenas 2% disseram que Deus está no controle.

O PRRI encontrou um pequeno crescimento no número de norte-americanos que disse que os desastres naturais são evidência do fim dos tempos ou apocalipse. Em 2011, 44% dos norte-americanos disseram que a gravidade dos recentes desastres naturais é um sinal do fim dos tempos. Hoje, 49% sustentam essa visão.

A pesquisa foi lançada na conferência da American Academy of Religion e está baseada em entrevistas feitas em inglês e espanhol com 3.022 adultos norte-americanos, realizadas entre 18 de setembro e 8 de outubro. A margem de erro é de mais ou menos 2,8 pontos percentuais.

 

 

‘A cosmologia sem ecologia é vazia. Nosso futuro está em jogo. Existe algo mais importante?’

 

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“Qual é a criatividade que trouxe à existência um trilhão de galáxias?”.

Essa é uma pergunta difícil feita pelo cosmólogo evolutivo Brian Swimme no filme “Journey of the Universe” [Jornada do Universo]. Sua frase ecoou pelos corredores da Yale Divinity School, onde centenas se reuniram, de 7 a 9 de novembro, para a conferência Living Cosmology: Christians Responses to ‘Journey of the Universe’ [Cosmologia viva: respostas cristãs para a ‘Jornada do Universo’].

A reportagem é de Jamie Manson, publicada no sítio National Catholic Reporter, 21-11-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.

A conferência foi um encontro histórico de muitos dos melhores teólogos, especialistas em ética e ativistas da América do Norte, que se reuniram para contemplar as formas pelas quais a tradição cristã pode abrir-se mais plenamente à compreensão da sacralidade do universo e ao florescimento da comunidade da Terra.

“Convidamos esses estudiosos e ativistas com a esperança fundamental de que eles irão nos ajudar a ver o quão profundamente estamos conectados com a história épica da evolução”, disse Mary Evelyn Tucker, professora e pesquisadora da Universidade de Yale e uma das organizadoras da conferência. Tucker e seu marido, John Grim, codirigem o Fórum sobre Religião e Ecologia na Universidade de Yale.

“Queremos continuar a conectar a linguagem do cristianismo à cosmologia”, disse ela.

A julgar pela resposta ao programa, essa é uma conexão que muitos na comunidade cristã estão ansiosos para fazer. Mais de 400 pessoas se inscreveram para a conferência e ela tinha uma longa lista de espera. As sessões foram realizadas na capela da faculdade. Três salas extras também foram disponiblizadas para proporcionar uma transmissão ao vivo aos que não puderam sentar no salão principal do evento.

Havia muita coisa para o público: 11 painéis diferentes, cada um com 3 a 4 estudiosos envolvidos em conversações sobre a compreensão teológica do relacionamento de Deus com a criação, a influência do cientista e padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, ecofeminismo, agricultura, água, justiça racial, ética ambiental, eco-justiça e espiritualidade. As sessões noturnas foram realçadas com programas musicais e liturgias. Todas as refeições eram vegetarianas e todos os copos, pratos e utensílios eram compostáveis.

Cada uma dessas atividades orbitava em torno de uma figura central: o padre passionista Thomas Berry, cujo trabalho sobre a história do universo e a crise ambiental tem influenciado profundamente gerações de estudantes, incluindo Tucker e Grim. Berry, que morreu em 2009 aos 94 anos, teria celebrado o seu 100º aniversário no dia 9 de novembro.

Ao longo da conferência, muitos palestrantes falaram da “grande obra”, uma expressão que Berry usava para descrever a nossa necessidade de trabalhar com a criatividade da natureza. (Esse também é o título de seu livro de 1999). Ele acreditava que, se pudéssemos ver o cosmos como uma sinfonia e a Terra como um planeta vivo, descobriríamos nosso próprio papel nestes processos em desdobramento. Era a esperança mais profunda de Berry que estávamos saindo da era Cenozóica e indo para o que ele chamou de período “Ecozóico”; ou seja, um tempo em que os seres humanos devolveriam a sua orientação criativa para o nosso planeta.

Berry descrevia-se como um “acadêmico da Terra”, ou “um ser humano surgido a partir das eras da evolução geológica e biológica da Terra e que estava agora refletindo sobre o nosso mundo”, escrevem Tucker e Grim em sua introdução ao novo livro  Thomas Berry: Selected Writings on the Earth Community [Thomas Berry: escritos selecionados sobre a Comunidade Terra] (Orbis, 2014).

Nascido William Nathan Berry, ele escolheu o seu nome religioso em homenagem a Tomás de Aquino, cuja crença de que todos os seres participam do ser de Deus teve profunda influência no pensamento inicial de Berry. Também influente no final de sua carreira foi a grande visão de Teilhard de Chardin do papel dos seres humanos na evolução cósmica. A crença de Teilhard de “dinamizar” a ação humana para a transformação inspirou a própria esperança de Berry de que todas as pessoas humanas iriam participar na transformação para uma comunidade da Terra saudável.

Mas Berry também era realista sobre a crescente degradação da Terra, e, na década de 1970, foi um dos primeiros pensadores a prever a magnitude da destruição que resultaria de nosso consumo desenfreado dos recursos da Terra.

A diversidade das sessões da conferência foi um testemunho, não só da amplitude da própria grande obra de Berry, mas da contínua evolução de suas ideias.

O legado de Teilhard pôde ser ouvido no painel de abertura na manhã de sábado, que contou, entre outros, com John Haught e a irmã franciscana Ilia Delio, dois dos melhores intérpretes do pensamento de Teilhard na contemporaneidade. Este foi seguido por um painel chamado “Visões do Divino“, que considerou as maneiras em que podemos entender a presença de Deus em toda a Criação.

Levando em consideração a tradição ortodoxa grega, John Chryssavgis, teólogo e assessor do Patriarca Ecumênico Bartolomeu I em questões ambientais, refletiu: “Sempre foi uma fonte de grande conforto para mim saber que a espiritualidade ortodoxa mantém uma visão sacramental do mundo, proclamando um mundo impregnado por Deus e um Deus envolvido no mundo – um sacramento de comunhão”. (Bartolomeu foi apelidado de “Patriarca Verde” por causa de seus esforços para proteger o meio ambiente.)

“Devemos responder à natureza com a mesma delicadeza, sensibilidade e ternura com que tratamos uma pessoa em um relacionamento”, continuou Chryssavgis, “e nossa incapacidade de fazer isso é a fonte fundamental da poluição”.

Temas relacionados com a poluição e a escassez de recursos naturais foram o foco da tarde de sábado, começando com um painel intitulado “Sementes, solo e alimentos“. A irmã dominicana Miriam MacGillis, muitas vezes creditada como aquela que levou as ideias de Berry às mulheres religiosas algumas décadas atrás, ofereceu uma poderosa reflexão sobre o caráter sagrado das sementes, um tema que se tornou crucial à medida que a integridade das sementes continua a ser ameaçada pela Monsanto, uma colossal corporação agroquímica. Em 1980, MacGillis trabalhou com Berry para fundar a Genesis Farm, uma fazenda comunitária e também centro de ensino ecológico, em Nova Jersey.

As religiosas estavam bem representadas durante todo o fim de semana, com a presença de dominicanas, irmãs do Imaculado Coração de Maria e da comunidade das Irmãs da Caridade na platéia.

“As religiosas têm sido a chave de todo esse movimento”, disse Tucker. “Elas têm sido algumas das nossas aliadas mais fortes desde o início”.

Um painel inteiro foi dedicado à crise da água em todo o mundo e à ética dos direitos da água.

“A água é uma questão de direito à vida”, disse a palestrante Christiana Peppard. “Seria muito, muito bom se associássemos o direito à vida com o direito humano de acesso à água limpa, fresca e a um saneamento competente”.

Ambos os painéis, Tucker acredita, têm ramificações para a vida sacramental da Igreja. “O que significa batizar com água poluída ou dar a Eucaristia alterada com OGM?”, perguntou em uma entrevista ao NCR às vésperas da conferência.

Uma sessão sobre eco-justiça concluiu o dia, com os painelistas detalhando seu ativismo ecológico baseado na fé. Carl Anthony e Paloma Pavel falaram de seus esforços de organização dentro das comunidades religiosas, em particular, dentro das comunidades urbanas de cor.

“Momentos históricos de abuso excessivo – tráfico de escravos, colonização, genocídio – desenvolveram-se em conjunto com uma relação insustentável da humanidade com o meio ambiente”, disse Anthony. O movimento de reconsiderar a nossa relação com a Terra também oferece uma “oportunidade para reconfigurar o legado do racismo e construir cidades justas para todos”.

Temas relacionados com a justiça permearam muitas das sessões de domingo, com painéis sobre o feminismo, ética e jurisprudência. Em um dos momentos mais inventivos da conferência, a teóloga Mary Hunt traçou paralelos entre a vida e a obra de Berry e a estudiosa feminista Mary Daly, chamando ambos de “católicos atípicos que defendiam o cosmos”.

Embora eles diferem acentuadamente em alguns aspectos, disse Hunt, “Berry ofereceu o esboço de uma história capaz de comunicar a armação histórica do universo. Daly forneceu as bases iniciais e fortes para o pensamento religioso ecofeminista. Ambos fizeram isso com um compromisso com a sobrevivência e a prosperidade da Terra, compromisso que se tornou ainda mais urgente depois de suas mortes naturais”.

Para que o florescimento do planeta se torne novamente uma realidade, os participantes da conferência acreditam que a nossa ética de justiça social e as nossas teorias jurídicas devem se ampliar para acomodar as necessidades do frágil ecossistema do planeta.

“Se a justiça social não é também a justiça da Criação, ela irá falhar”, disse o especialista em ética Larry Rasmussen. Três elementos são necessários para que esta nova visão da justiça da Criação se consolide, continuou ele: “que a Criação seja considerada sagrada, uma conversação sobre Deus digna do Deus incontido e uma compreensão de nós mesmos que seja ‘temerosa e maravilhosa'”.

A teoria de Rasmussen encontrou uma aplicação rica em uma sessão posterior sobre jurisprudência da Terra, apresentada pelos juristas Patricia Siemen, Brian Brown e Paul Waldau, que sugeriu que a nossa abordagem à teoria e à prática jurídica deve ser baseada nas necessidades do universo, e não nos desejos insaciáveis dos seres humanos.

Berry acreditava que a legislação era inadequada em sua tentativa de tratar dos danos provocadas pelos seres humanos sobre a Terra. Ele argumentava que “era necessário um novo regime jurídico que respeitasse os processos evolutivos da Terra e a sua dinâmica interna”, disse Siemen.

“É importante compreender que a legislação vigente dos EUA fornece pouca proteção para a integridade do mundo natural”, continuou ela.

Fiel ao espírito do próprio Berry, a conferência terminou com sessões sobre espiritualidade cosmológica e um painel final chamado “Visões de um cristianismo em evolução”, que contou com palestrantes de oito diferentes denominações cristãs.

Tucker, que presidiu a sessão final, disse que, embora o cosmos seja vasto e a abordagem da conferência para as questões ecológicas era complexa, o objetivo do trabalho de continuidade dela e de Grim é simples: “A coisa mais importante que podemos oferecer é criar uma maior oportunidade para todos de participar do florescimento da comunidade da Terra”.

Tucker disse que as duras realidades da devastação ecológica, muitas vezes, deixam as pessoas se sentindo desanimadas, desesperadas e sem confiança.

“Com o otimismo de Teilhard e o robusto senso de vida apresentado por Berry, queremos despertar a esperança e o empoderamento. Queremos que as pessoas tenham a sensação de que elas estão participando da viagem do universo”, disse ela.

A educação, ela acredita, é crucial para inspirar e motivar as pessoas de fé, especialmente no meio do debate entre ciência e religião, que é muitas vezes repleto de divisão. O filme-documentário “Journey of the Universe“, que abriu a conferência, é o produto de 10 anos de trabalho de Tucker com Swimme e Grim. O filme é um dos componentes de um projeto multimídia de três partes que inclui um livro publicado pela Yale University Press (também intitulado Journey of the Universe) e um conjunto de dois DVDs de conversas com cientistas e ativistas ecológicos.

Além de desenvolver essas ferramentas educacionais, Tucker e Grim também criaram estratégias para a educação das comunidades de fé e ainda um website com artigos e bibliografias para o ensino. Com a ajuda do pesquisador associado Matthew Riley, eles desenvolveram um currículo para uso em salas de aula de ensino médio e superior, centros de aprendizagem, locais de culto e conferências que podem ser baixados gratuitamente.

“Queremos que as pessoas tenham acesso a esse material. Nós não queremos que as pessoas pensem que se trata de uma conferência única que ocorreu aqui e que elas não são uma parte disso”, disse Tucker. Eventualmente, os vídeos da conferência também serão disponibilizados on-line, e a editora Orbis Books irá publicar os trabalhos dos painelistas.

Aqueles que não tiveram a oportunidade de ouvir os trabalhos dos encontros vão perceber rapidamente que esse não foi um evento como a maioria das conferências acadêmicas. Em um momento em que as discussões sobre o criacionismo, a mudança climática e o oleoduto Keystone XL são manchetes a cada semana, a conferência abriu novas formas imaginativas de encontrar Deus e nós mesmos no cosmos. Mais importante, ela ofereceu um mandato claro para todos os crentes que afirmam que a justiça é uma parte essencial de sua fé.

“O nosso objetivo é afirmar que este é um universo sagrado. A cosmologia sem ecologia é vazia”, disse Tucker. “Nosso futuro está em jogo. Existe algo mais importante?”.

Raramente, em nossos tempos, vemos teologia sendo feita de forma tão criativa e com tal senso de urgência.

Saiba mais em journeyoftheuniverse.org.