O nebuloso cenário dos agrotóxicos no Brasil.

“Ainda há muita informação a ser gerada para que consigamos ter uma posição mais assertiva sobre a condição do meio ambiente em relação à contaminação por agrotóxicos no Brasil”, adverte o engenheiro agrônomo Robson Barizon (nota do site: entrevista importante porque é feita por um profissional que acredita que não possa haver ‘‘ sem o uso de agrotóxico. Com esta visão paradigmática, tudo passa a ser aceitável e ele no final fala em ‘agricultura sustentável’. Agora imagina-se qual sua percepção sobre ? Talvez o mesmo das grandes transnacionais).

 

 

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por Redação do IHU On-Line

agrotoxicos1 300x214 O nebuloso cenário dos agrotóxicos no Brasil

Apesar de o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2008, é preciso “gerar muito mais informação para entender como está o cenário de uso de agrotóxicos no país”, diz Robson Barizon, um dos autores do estudo “Panorama da contaminação ambiental por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil: cenário 1992/2011”, realizado pela Embrapa neste ano. Segundo ele, ainda são produzidas poucas pesquisas em relação às implicações do uso de fertilizantes na agricultura.

“A restrição orçamentária talvez seja o principal ponto a ser desenvolvido, porque ainda não temos programas de monitoramento, como seria o ideal. Todos os estados deveriam ter um programa de monitoramento, considerando suas culturas e as moléculas mais utilizadas na região, e a partir das conclusões dos monitoramentos regionais/estaduais, deveriam ser tomadas as medidas para mitigar os impactos levantados por esses monitoramentos”, pontua, em entrevista por telefone à IHU On-Line.

Entre as preocupações envolvendo o uso de agrotóxicos no país, Barizon chama a atenção para a contaminação da água, “já que a falta de saneamento de esgoto é um problema sério no Brasil. Esse esgoto tem níveis altos de nitrato, além de outros problemas microbiológicos, e níveis altos de nitrogênio. Em pontos próximos às áreas urbanas, é possível observar níveis maiores de nitrogênio, mas em bacias hidrográficas, onde a influência maior é só da área agrícola, os níveis de nitrogênio ainda são considerados baixos. Tendo a agricultura como fonte de contaminação, ainda não constatamos um problema que leve a ações maiores”. Entre as culturas que contaminam a água, está a produção de arroz irrigado. “Pelo fato de o arroz irrigado ser produzido com lâmina d’água, a qual retorna aos corpos d’água, existe, sim, um risco maior de contaminação nessa cultura do que em outras. Isso foi constatado em alguns estudos que nós levantamos. Então, nesse sentido, há, sim, uma preocupação com a cultura do arroz e deve ser dada mais atenção ao manejo desse produto”, adverte.

Robson Barizon é graduado em Engenharia Agrônoma pela Universidade Federal do Paraná – UFPR e doutor em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é pesquisador da Embrapa Meio Ambiente de São Paulo.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Quais são as principais conclusões do estudo sobre contaminação por agrotóxicos no Brasil, intitulado “Panorama da contaminação ambiental por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil: cenário 1992/2011”? É possível dar um parecer sobre o uso de agrotóxico nas regiões analisadas? Os níveis de uso de agrotóxicos são aceitáveis ou ultrapassam o limite permitido?

Robson Barizon – A principal conclusão a que chegamos com esse trabalho foi a de que ainda há muita informação a ser gerada para que consigamos ter uma posição mais assertiva sobre a condição do meio ambiente em relação à contaminação por agrotóxicos no Brasil.

Pelos trabalhos que conseguimos levantar [1], os níveis de resíduos ainda são considerados aceitáveis e estão de acordo com os padrões internacionais estabelecidos. De todo modo, não foi possível uma conclusão assertiva sobre o panorama do uso de agrotóxicos no país, considerando a quantidade restrita de trabalhos encontrados sobre o tema.

IHU On-Line – Quais são os avanços em relação à análise da toxicologia dos agrotóxicos?

Robson Barizon – A ciência e os métodos estão avançando, inclusive a sensibilidade analítica dos equipamentos está evoluindo com o tempo. Então, moléculas que antes não eram detectadas passam a ser detectadas com métodos mais modernos e com equipamentos mais sensíveis.

IHU On-Line – Um dos objetivos do estudo foi identificar e avaliar o cenário de uso e presença de agrotóxicos e fertilizantes nitrogenados no Brasil. Quais são as principais constatações acerca desse ponto? Quais as ocorrências de agrotóxicos e de nitrato nas cinco regiões brasileiras analisadas e em quais culturas esse fertilizante é utilizado?

Robson Barizon – Hoje a produção agrícola brasileira é quase que completamente pautada pelo uso desse insumo. Nesse trabalho não foi abordada a intensidade de uso de cada uma das culturas produzidas no Brasil, mas de forma geral podemos dizer que os grãos utilizam agrotóxicos em uma intensidade menor, e culturas com valor agregado maior, como hortaliças e espécies frutíferas, usam agrotóxicos com uma intensidade maior.

Com relação ao nitrato, os níveis encontrados em áreas agrícolas foram baixos e não eram preocupantes. Talvez a preocupação maior seja realmente com a fonte urbana de contaminação, que é o esgoto não tratado. Então, no que se refere ao nitrato, há tensão com a fonte urbana de contaminação, já que a falta de saneamento de esgoto é um problema sério no Brasil.

IHU On-Line – Então o problema não está na quantidade de nitrato utilizado nas culturas agrícolas, mas na falta de tratamento da água?

Robson Barizon – Sim, porque como os esgotos no Brasil têm um percentual de tratamento muito baixo, uma parte do esgoto gerado é lançada diretamente nos rios. Esse esgoto tem níveis altos de nitrato, além de outros problemas microbiológicos, e níveis altos de nitrogênio. Em pontos próximos às áreas urbanas, é possível observar níveis maiores de nitrogênio, mas em bacias hidrográficas, onde a influência maior é da área agrícola, os níveis de nitrogênio ainda são considerados baixos. Tendo a agricultura como fonte de contaminação, ainda não constatamos um problema que leve a ações maiores.

IHU On-Line – Quais são as principais observações a serem feitas em relação ao uso de agrotóxicos na cultura de arroz, por exemplo, no RS? Há risco de contaminação dos corpos d’água que recebem a água da lavoura?

Robson Barizon – Pelo fato de o arroz irrigado ser produzido com lâmina d’água, a qual retorna aos corpos d’água, existe, sim, um risco maior de contaminação nessa cultura do que em outras. Isso foi constatado em alguns estudos que nós levantamos. Então, nesse sentido, há, sim, uma preocupação com a cultura do arroz e deve ser dada mais atenção ao manejo desse produto.

IHU On-Line – É alto o índice de uso de agrotóxicos na produção de arroz?

Robson Barizon – É alto, sim, o índice de uso de agrotóxico nessa cultura. Mas nós só incluímos na pesquisa os trabalhos que encontramos, os quais já mostram que existe um potencial de contaminação. Existem algumas iniciativas do Estado do Rio Grande do Sul para acompanhar a situação, porque realmente é necessário, uma vez que existe um uso intensivo de agrotóxicos na produção de arroz e a água utilizada para a irrigação retorna aos rios, aos corpos d’água.

IHU On-Line – O estudo aponta que na região Nordeste o uso de agrotóxicos é intenso por conta da produção de frutas para exportação. Quais são as frutas cultivadas a base de agrotóxicos? Nesse caso há um controle do uso de agrotóxico por conta da fiscalização do mercado externo?

Robson Barizon – A produção de frutas lá é praticamente feita de forma irrigada e basicamente é feita no Vale do Rio São Francisco. As principais culturas ali cultivadas são mamão, uva de mesa e melão. Só que nesse caso os níveis de agrotóxico são bastante controlados porque os países importadores têm normas rígidas de controle. Então, pelo menos nessas áreas existe um cuidado com o uso de agrotóxicos para que não ultrapassem os limites aceitáveis no fruto, porque os países que importam, geralmente países da Europa e do Hemisfério Norte, também fazem o controle.

IHU On-Line – Alguns aquíferos já apresentam indícios de contaminação por conta do uso de agrotóxicos? A pesquisa menciona uma preocupação com os aquíferos de Serra Grande e Poti-Piauí, no Piauí?

Robson Barizon – Nesse caso nós levantamos a informação e o cuidado preventivo que deve existir com esses aquíferos. Muitos aquíferos estão protegidos por uma camada de rocha impermeável, que funciona como uma barreira, mas os de Serra Grande e Poti-Piauí são aquíferos livres, ou seja, eles chegam até a superfície do solo, então o potencial de contaminação deles é alto. Porém, isso não quer dizer que eles já estejam contaminados. Nas áreas desses aquíferos existe o uso de agrotóxicos, mas apenas o uso não indica que haja contaminação, porque se podem selecionar moléculas — essa é uma das formas de se evitar a contaminação — que tenham menor solubilidade em água.

Existe uma variedade muito grande de moléculas, de propriedades físico-químicas de moléculas. Se, nessas situações, forem selecionadas moléculas que não sejam muito solúveis em água, que não vão ser transportadas junto com a água, que vão ficar retidas na superfície do solo, onde se precisa fazer o controle do fungo, da planta daninha, do inseto, então o risco de contaminação é bastante reduzido. Portanto, trata-se mais de um alerta para que sejam tomadas medidas de prevenção em relação aos aquíferos. No Brasil ainda não há indicativo de que qualquer aquífero esteja contaminado.

IHU On-Line – Na região Centro-Oeste, chama a atenção na pesquisa a redução entre 40 e 50% dos teores de matéria orgânica dos solos cultivados em relação aos solos virgens. Quais as implicações do uso de agrotóxico para o solo?

Robson Barizon – Principalmente onde a vegetação natural era mata, com grande porte de biomassa, quando foi feita a retirada dessa mata e foi introduzida a atividade agrícola, os níveis de material orgânico diminuíram. Isso aconteceu no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, quando se reduziu a Mata Atlântica para a expansão da agricultura, ou seja, os níveis de carbono foram reduzidos. Como um dos mecanismos de retenção dos agrotóxicos do solo é a retenção pela matéria orgânica, se o nível de matéria orgânica é reduzido, a retenção é menor.

O plantio direto, que foi adotado a partir da década de 1990 e se expandiu no Brasil, vai no caminho contrário; ele aumenta novamente os níveis de carbono. Então, medidas como essa, utilizadas na agricultura onde houve decréscimo dos níveis de matéria orgânica de carbono, possibilitam que se atinjam novamente os níveis iniciais de matéria orgânica ou, pelo menos, que se elevem esses níveis.

IHU On-Line – Como tem se dado o processo de recolhimento das embalagens de agrotóxicos? Qual a situação do Brasil em relação à logística reversa?

Robson Barizon – Esse é um motivo de orgulho para o Brasil, porque o país é referência mundial em logística reversa. Foi criado o Instituto para o Desenvolvimento Social e Ecológico – Idese, o órgão responsável pela organização e execução dessa atividade. O Brasil recolhe acima de 80, 90% das embalagens e é o líder mundial nesse quesito, ou seja, é o país que consegue recolher o maior índice de embalagens de agrotóxicos que, se ficarem na propriedade, no campo, têm um potencial alto de contaminação tanto para o trabalhador quanto para o meio ambiente.

IHU On-Line – Na pesquisa vocês mencionam que apesar de o uso de agrotóxico ter crescido consideravelmente no país, ainda há pouca pesquisa sobre o assunto. Quais as razões? E que tipo de estudo e monitoramento deveria ser feito para se ter um panorama do uso de agrotóxicos no país?

Robson Barizon – Esse é um processo lento e gradual. A legislação que trata da regulamentação do uso de agrotóxicos no Brasil tem avançado, inclusive nos últimos 20 anos. Mas o acompanhamento acerca do uso de agrotóxicos exige investimento, porque são análises caras. Então, a restrição orçamentária talvez seja o principal ponto a ser desenvolvido, porque ainda não temos programas de monitoramento, como seria o ideal.

Todos os estados deveriam ter um programa de monitoramento, considerando suas culturas e as moléculas mais utilizadas na região, e a partir das conclusões dos monitoramentos regionais/estaduais, deveriam ser tomadas as medidas para mitigar os impactos levantados por esses monitoramentos.

IHU On-Line – Qual é a alternativa aos agrotóxicos? É possível pensar no desenvolvimento agrícola sem o uso desses produtos?

Robson Barizon – Uma agricultura sem o uso de agrotóxicos não é possível; seria uma perspectiva utópica. Mas podemos avançar muito mais para reduzir o uso desses produtos. Nesse sentido, deve-se trabalhar em duas frentes: constatado o fato de que é preciso fazer uso dessa substância, então temos de controlá-la e monitorá-la; além disso, podemos fazer o uso racional dessas substâncias, utilizando-as somente quando for necessário.

Temos muito a avançar, por exemplo, no controle biológico, no uso de agentes biológicos para controlar outras pragas, quer dizer, se usa um inseto para controlar outro inseto, se usa um microrganismo para controlar outro inseto. Esse tipo de prática deveria ser mais estudado e desenvolvido no Brasil. Em relação à tecnologia de aplicação, é importante usar equipamentos com a regulagem correta para aquela condição de uso, para que se evitem perdas para a atmosfera, para que se evite a contaminação de áreas que não aquelas onde a lavoura está instalada. Então, há uma série de práticas que podem reduzir a quantidade de agrotóxico utilizada.

Hoje, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, tomando o posto que antes era ocupado pelos Estados Unidos, e a tendência é de alta. Então, todas essas medidas poderiam reverter essa tendência de aumento de consumo e trazer a agricultura brasileira para níveis mais sustentáveis.

NOTA

[1] O estudo “Panorama da contaminação ambiental por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil: cenário 1992/2011” foi realizado com base na análise de pesquisas acadêmicas sobre o uso de agrotóxicos no período de 1992 a 2011.

* Publicado originalmente no site IHU On-Line.