As raízes da crise ecológica.

“Para Egger, as raízes da atual crise dizem respeito ao paradigma e ao nosso ser interior. A salvaguarda da criação implica também uma ecologia do espírito. A grande batalha trava-se na nossa cabeça e, mais ainda, no nosso coração”. A reportagem é de Catherine Dupeyron e publicada no boletim Observatoire de la Modernité, do Collège des Bernardins, 02-04-2014. A tradução é de André LangerMichel Maxime Egger, cidadão suíço, começou sua vida profissional como jornalista. Depois escolheu seguir um duplo caminho: o de um engajamento cidadão, que se traduziu no trabalho de sociólogo, numa atividade em uma ONG, num trabalho de lobby pela ecologia, e o caminho de transformação espiritual, especialmente através da redescoberta das raízes cristãs. Seu último livro intitula-se A Terra como a si mesmo (Ed. Labor et Fides, 2012).

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Michel Maxime Egger propõe explorar as raízes profundas da crise ecológica. Não se trata, segundo ele, de assentar uma verdade ou definir uma solução miraculosa, mas de traçar um horizonte de esperança. O conferencista entra, em seguida, na vida do sujeito ao evocar a ecoespiritualidade que supõe um exercício de consciência, de lucidez. A esse respeito, ele cita o filósofo Jean Guitton, que teve a ocasião de encontrar e entrevistar. Jean Guitton dizia: “A humanidade aproxima-se de um ponto vertiginoso no qual terá de fazer uma escolha radical entre a catástrofe e a metástrofe, entre o suicídio cósmico e a mutação das consciências”.

Vinte anos depois, M. M. Egger constata que estamos em cheio no momento da escolha, do julgamento. Para ele, o desafio não é propriamente o de atravessar a crise, porque esta crise é uma verdadeira mutação, uma metanoia, uma mutação de consciência, uma transformação rumo a uma sociedade mais respeitosa dos ecossistemas. Para Egger, as raízes desta crise dizem respeito ao paradigma e ao nosso ser interior. A salvaguarda da criação implica também umaecologia do espírito. A grande batalha trava-se na nossa cabeça e, mais ainda, no nosso coração.

A ecoespiritualidade é um exercício de consciência. A este respeito, Egger cita René Char, um grande poeta que deu uma magnífica definição da lucidez. “A lucidez é a ferida mais próxima do sol”. Ser lúcido é muito mais que estar informado. A lucidez difere da informação.

Nós estamos, às vezes, superinformados sobre os males de que sofre o planeta, mas há uma forma de negação e, sobretudo, um enorme abismo entre a realidade e as soluções que são dadas pelos políticos. Por que este hiato? Há muitas possibilidades de resposta, mas Egger menciona três que dizem respeito ao nível interior do ser humano.

Em primeiro lugar, o ser contemporâneo está dividido entre a cabeça e o coração. A informação chega à sua cabeça, mas não necessariamente desce para “ferir” o seu coração. Depois, o ser contemporâneo é separado, dissociado da natureza como se ela não fizesse parte do nosso ser. Enfim, ele pode estar dissociado interiormente. Ele é atingido pela dor da terra, mas reprime suas emoções em seu inconsciente para não ter de questionar seu modo de vida ou ter de enfrentar os sentimentos desagradáveis, como a culpabilidade ou a impotência. Ele precisa ousar entrar nesta dor da Terra, como dizia o filósofo sábio budista Thich Nhat Hahn.

Em seguida, Egger examina o paradigma que está na origem da crise ecológica. O paradigma é um sistema de representação ligado a um modo de conhecimento. O paradigma da modernidade emerge no final do século XV. Este paradigma é especialmente dualista, utilitarista, dessacralizado, patriarcal. Ele está fundado sobre três dimensões:

– uma visão da natureza vista como um objeto que pode ser equacionado a serviço da avidez do homem. A humanidade consuma e consome o que constitui as bases mesmas da sua existência. O que é a natureza? Uma realidade material? Mas ela não tem também uma dimensão sagrada? O paradigma da modernidade, evidentemente, optou pela materialidade. Deus foi expulso da matéria. Há um processo reducionista em andamento. Max Weber falava do desencantamento.

– um antropocentrismo que emerge há cerca de 10.000 anos com o surgimento da agricultura. Mas, 10.000 anos é pouca coisa se lembrarmos que o homo sapiens aparece há aproximadamente 200.000 anos. O homem colocou-se no centro de tudo. E o próprio termo “ambiental” é antropocêntrico; o ambiente é o que nos rodeia. O ser humano é como os tomates holandeses: ele se desenvolve longe do sol! Freud desenvolveu um eu atomizado. Tudo o que não é o eu é a natureza. A razão de ser da civilização é nos proteger da natureza cruel. Ora, devemos lembrar que no Gênesis o homem é feito da argila.

– o modo de conhecimento é uma aproximação racionalista: o paradigma da modernidade suscitou a passagem de uma concepção ternária de ser humano (corpo, alma, espírito) para uma concepção binária (corpo, alma). Há, a partir de então, um risco de deslizar para o racionalismo, quando a razão funciona como num copo fechado, amputada das outras dimensões do ser humano, especialmente da cultura. O racionalismo conduziu à emergência da tecnociência no século XIX.

A crise atual é uma crise apocalíptica, no sentido primário do termo apocalipse, a saber: o desvelamento, a revelação. O que se revelou foi o impasse de um sistema econômico que Egger qualifica de sistema CPC – crescimentista, produtivista e consumista – que repousa sobre a ilusão de um crescimento material ilimitado. Ora, o crescimento se choca com os limites da Terra, mas também com aqueles do ser humano; é preciso levar em conta aqui os casos do “burn out”, termo que traduz bem um esgotamento do ser humano. Nós entramos numa era dos limites. O sistema CPC é uma visão de mundo que repousa sobre “novas tábuas da Lei”: eficácia, rentabilidade, competitividade, produtividade… Com efeito, é mais do que uma visão de mundo, é uma gestão coletiva do ser humano. O sistema está dentro do próprio homo economicus.

Esse sistema vive na captura do nosso poder dos desejos e do nosso medo. Concernente ao poder dos desejos, o sistema trabalha sobre a confusão entre desejos, inveja e necessidades. Não foi por acaso que Adam Smith, o fundador da economia moderna, dizia: “o ser humano toma suas invejas por suas necessidades”. O poder dos desejos está na origem das nossas aspirações à beleza, ao amor, à justiça… Ele é por definição insaciável. Acreditar que vamos responder a eles pelo consumo é um engodo. O sistema CPC vive desta ilusão. Ele capta este poder dos desejos, vai degradá-lo em inveja cada vez mais formatada pelo mercado. Gandhi compreendeu isso perfeitamente quando disse: “a terra possui recursos suficientes para responder às necessidades de todos, mas não à avidez e à concupiscência de alguns”.

A segunda confusão reside entre necessidades absolutas, essenciais, e necessidades relativas. As necessidades absolutas são “saciáveis”, elas existem independentemente da nossa semelhança. As necessidades relativas são definidas em relação aos outros. Adam Smith, novamente, dizia: “duas coisas motivam o homo economicus: o desejo de melhorar sua situação material e forçar o reconhecimento do outro”. A pulsão narcísica está no coração do consumo. Consumir é ao mesmo tempo querer ser como os outros e ser diferente deles.

Nós vivemos numa sociedade líquida sem referências. O ser humano tem dificuldades para encontrar sua identidade e busca no consumo os elementos para elaborar sua identidade. Para Egger, o “consumo, logo existo” substituiu o “penso, logo existo” de Descartes. Dito de outra maneira, não é simples mudar os comportamentos, porque isso questiona as identidades. Os modos de vida tornaram-se identidades.

O sistema CPC funciona também em base à instrumentalização do medo, o medo da falta e, mais ainda, o medo da morte. O medo da falta está enraizado na psique do homem ao longo de séculos de penúria. Há, hoje, uma situação de abundância em nossas sociedades ocidentais, mas o medo da falta subsiste. O medo da falta nos faz ver o Outro como um rival. A acumulação tranquiliza, ela permite escapar do medo da falta. É um antídoto ilusório.

No Gênesis (2,15), o homem é chamado para cuidar do jardim. O jardim é a Terra, mas pode também ser o nosso jardim interior. Edgar Morin fala de “intoxicação da civilização”. Libertar-se de tudo isso não é simples, porque hoje os nossos afetos são formatados por todo um sistema que nós veiculamos de maneira inconsciente. Há uma imbricação entre o sistema econômico e os afetos. Em suma, Egger sublinha que é à luz desses elementos que convém avaliar as crises ecológicas. As cúpulas internacionais, os ecogestos cotidianos, o desenvolvimento sustentável… tudo isso é importante, mas define uma ecologia exterior. Esta ecologia permanece num plano de horizontalidade do fazer e do ser. Faz-se necessária uma mutação de consciência. A ecologia interior, a ecoespiritualidade, permitirá ancorar mais profundamente a ecologia exterior no ser humano.