Para ele não é possível haver crescimento econômico mantendo a sustentabilidade ecológica. E ele é ninguém mais, ninguém menos do que Herman Daly, guru da economia ecológica e importante pensador na área do desenvolvimento sustentável. Daly concedeu a entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail, em que afirma que “a economia é um subsistema do ecossistema, e o ecossistema é finito, não cresce e é materialmente fechado. Temos um fluxo contínuo de energia solar entrante, mas que também não está aumentando”.
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agosto 13, 2011
Na sua visão, “os países ricos precisam dar os primeiros passos rumo a um estado estacionário liberando espaço ecológico para que os países pobres cresçam até atingir um nível de prosperidade suficiente para uma vida boa – o mesmo objetivo que todos os países deveriam tentar alcançar”.
O economista estadunidense Herman Daly, de 93 anos, é professor emérito da Escola de Política Pública de College Park, nos Estados Unidos. Foi economista-chefe no Departamento Ambiental do Banco Mundial, onde auxiliou a desenvolver princípios políticos básicos relacionados ao desenvolvimento sustentável. Enquanto lá esteve, envolveu-se em operações ambientais na América Latina.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em sua opinião, é possível haver crescimento econômico mantendo a sustentabilidade ecológica?
Herman Daly – Não. Não a longo prazo. A economia é um subsistema do ecossistema, e o ecossistema é finito, não cresce e é materialmente fechado. Temos um fluxo contínuo de energia solar entrante, mas que também não está aumentando.
IHU On-Line – Podemos imaginar um mundo com prosperidade sem crescimento econômico?
Herman Daly – Sim. Certamente podemos viver num nível próspero sem necessidade de que o nível de prosperidade aumente de modo contínuo.
IHU On-Line – Como define o conceito de “crescimento deseconômico”?
Herman Daly – O crescimento deseconômico é um crescimento que começou a custar mais do que vale – um crescimento (seja em volume de produção ou PIB) para o qual os custos adicionais (incluindo os custos ambientais e sociais) são maiores do que os benefícios adicionais em termos de produção.
IHU On-Line – O senhor conhece o conceito de decrescimento, defendido por Serge Latouche? Em que sentido ele se relaciona com o conceito de “crescimento deseconômico”?
Herman Daly – Suponho que decrescimento seja a correção para o fato de se ter tido um período de crescimento deseconômico – ou de ter crescido além da escala ótima da economia em relação ao ecossistema. A escola do decrescimento reconhece que a escala atual da economia é grande demais para se manter num estado estacionário. Por conseguinte, precisamos decrescer até chegar a uma escala sustentável que, então, procuramos manter num estado estacionário. O decrescimento, assim como o crescimento, não pode ser um processo permanente.
IHU On-Line – Como se aplicaria no cenário mundial atual o conceito de estado estacionário?
Herman Daly – Se nem o crescimento nem o decrescimento são sustentáveis, isso deixa o estado estacionário como único candidato. Mas nem mesmo um estado estacionário pode durar para sempre num mundo entrópico, de modo que o objetivo é a longevidade, e não a vida eterna neste mundo. Os países ricos precisam dar os primeiros passos rumo a um estado estacionário, liberando espaço ecológico para que os países pobres cresçam até atingir um nível de prosperidade suficiente para uma vida boa – o mesmo objetivo que todos os países deveriam tentar alcançar.
IHU On-Line – Como o senhor entende e define o que se chama hoje de “economia de baixo carbono”?
Herman Daly – Ela significa nos desacostumar dos combustíveis fósseis, mas poderia significar dependência da energia solar, como eu gostaria que acontecesse, ou também de energia nuclear, como defendem outros.
IHU On-Line – Qual a importância, na sua visão, de iniciativas como o IPCC (1988), o Protocolo de Kyoto (1997) e a Convenção do Clima (1992) no sentido de promover a economia de baixo carbono? Essas convenções têm algum impacto na prática?
Herman Daly – Até agora elas foram uma decepção, porque não se confrontaram com a questão do crescimento versus estado estacionário. Aceitam o contexto do crescimento e evitam a discussão a respeito da economia do estado estacionário.
IHU On-Line – Quais seriam as grandes transformações estruturais que as economias e as sociedades teriam que fazer para a passagem a uma economia de baixo carbono?
Herman Daly – Elas precisam adotar o paradigma do estado estacionário e esquecer o crescimento contínuo.
IHU On-Line – Que análise o senhor faz da crise financeira mundial atual? Que rumos o senhor vislumbra e que mudanças vê surgir?
Herman Daly – Vejo a crise financeira como decorrência de se tentar forçar o crescimento para além dos limites físicos e econômicos. À medida que o crescimento fica fisicamente mais difícil, tentamos continuar crescendo em termos monetários, financeiros emitindo montanhas de títulos da dívida e tratando isso como se fosse crescimento real – supondo que toda essa dívida venha a ser saldada pelo crescimento futuro. Nos EUA, atualmente 40% de todos os lucros são obtidos no setor financeiro – o setor financeiro se tornou um parasita.
IHU On-Line – Uma crise financeira como a que vivemos justifica o descaso ambiental e a tomada de medidas restritivas radicais, com emissão de poluentes, como único meio de sair do cenário sombrio, ou é justamente um momento que favorece uma mudança no paradigma econômico, como oportunidade para se pensar em alternativas no sentido da economia de baixo carbono?
Herman Daly – Certamente a opção seria a segunda, não a primeira.
IHU On-Line – Uma economia de baixo carbono abriria quais novas possibilidades para a sociedade, que sairia da economia baseada em combustíveis fósseis? Bastaria mudar as estruturas externas ou seria exigida uma metamorfose dos sujeitos, como sugere Edgar Morin?
Herman Daly – Se isso significa conversão, uma mudança do coração e da mente, então, sim, acho que é necessário, mas não suficiente sem políticas públicas para um estado estacionário.
IHU On-Line – Que oportunidades e dificuldades surgem para o Brasil e outros países emergentes com a economia de baixo carbono?
Herman Daly – O mesmo vale para todos os países – um planeta em que se possa viver durante muito tempo em vez de todos se darem mal juntos.
IHU On-Line – Que relação o senhor estabelece entre economia e felicidade?
Herman Daly – O PIB e a felicidade estão correlacionados positivamente até um certo limiar de suficiência. Para além dele, o PIB não parece aumentar a felicidade, mas continua a causar problemas ambientais.
IHU On-Line – Quais as implicações de uma sociedade em que o crescimento econômico não dá conta da dimensão subjetiva do ser humano?
Herman Daly – Creio que o crescimento realmente não satisfaz mais as verdadeiras necessidades humanas de comunidade, bons relacionamentos e paz. Uma economia calcada no crescimento leva à guerra por recursos e território.
publicado pela IHU On-line