O veto parcial da presidente Dilma Rousseff à polêmica reforma no Código Florestal do Brasil contraria os interesses “mais arcaicos do latifúndio”, mas determina a vitória do setor produtivo acima do desenvolvimento sustentável, afirmam ecologistas.
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A reportagem é de Fabiana Frayssinet, publicada pelo sítio IPS e reproduzido pelo sítio Amazônia, 31-05-2012.
A polêmica reforma foi aprovada pelo Legislativo em 25 de abril e modificada por Dilma um mês depois, mediante uma medida provisória e vetos a 12 artigos da lei. O veto pretende “impedir a anistia a quem desmata e a redução da proteção ambiental”, declararam porta-vozes da Presidência.
O Código de 1965 resguarda as selvas brasileiras existentes em propriedades rurais, especialmente as localizadas em ecossistemas protegidos como a Amazônia, e para isso penaliza de diversas formas os proprietários que cortarem árvores e desmatarem, e os obriga a restaurar o que destruíram. Mas sua aplicação foi limitada, pois o Estado tinha poucos instrumentos para punir as abundantes infrações. Este foi o argumento central para empreender uma reforma.
Os vetos e as modificações de Dilma se baseiam em premissas de “preservação das florestas e dos biomas brasileiros, produção agrícola sustentável e atenção para a questão social, sem prejudicar o meio ambiente”, disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao destacar os benefícios para os pequenos agricultores.
Os produtores rurais “terão que contribuir” para restaurar as áreas de preservação permanente, acrescentou o ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, confirmando a versão oficial de que “não haverá anistia” para quem desmatou irregularmente essas áreas sensíveis. Trata-se de nascentes e mananciais, costas de rios, zonas úmidas, inundáveis ou de grande declive, mangues, áreas sujeitas a deslizamentos ou picos de morros.
Entretanto, a primeira e positiva impressão deixada pelo anúncio governamental, feito no dia 25, deu lugar “à pior das notícias”, quando o Diário Oficial divulgou, no dia 28, as modificações completas, afirmam as 163 organizações não governamentais reunidas no Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. O veto “manteve um Código ruim e o piorou ainda mais”, disse à IPS o biólogo João Paulo Capobianco, presidente do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS), uma das entidades que integram o Comitê. O agravante é a “estratégia do governo” para “enganar a imprensa”, ao publicar os documentos posteriormente, acrescentou.
Embora o veto parcial “contrarie os interesses dos setores mais arcaicos do latifúndio, foi insuficiente para o cumprimento da promessa” do governo de que não perdoaria quem desmatou, pois “mantém a anistia e a redução das áreas de proteção”, criticou o Comitê em um comunicado. Além disso, a medida provisória deve ser discutida e votada no Congresso, o que acontecerá logo depois da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que será realizada no Rio de Janeiro, entre 20 e 22 de junho.
Segundo o Comitê, o veto não tocou na definição de “área rural consolidada” para caracterizar as ocupações de áreas florestais efetuadas até julho de 2008, e que serve de base para todas as anistias previstas na nova lei. “A anistia continua como eixo central do texto, já que a data de 2008 como linha de corte para a manutenção de áreas desmatadas ilegalmente continua inalterada e, consequentemente, promove” que se deixe de reflorestar “as áreas de proteção permanente e as reservas locais”, apontaram as entidades. O Comitê denuncia ainda que esta anistia também se estende a 80% dos casos em que se devia restaurar florestas ribeirinhas, de picos e ladeiras de morros e áreas de preservação permanente em nascentes e olhos de água, lagos e lagoas naturais.
“Estamos surpresos por a Presidente ter conseguido piorar o que já era muito ruim”, declarou à IPS o ativista Márcio Santilli, coordenador de política e direito do Instituto Socioambiental, que também faz parte do Comitê. Santilli destacou que praticamente se extinguem as áreas de proteção, pois se autoriza a reflorestar com espécies exóticas. A medida provisória inicialmente dava a possibilidade de replantar inclusive com cultivos comerciais polêmicos, como eucalipto e pinheiro.
No entanto, o governo voltou atrás e limitou as opções de reflorestamento exótico a árvores frutíferas, para dar aos pequenos produtores a opção de com ela obterem renda extra. Para que isto fosse um verdadeiro avanço, se deveria voltar à versão original que propunha apoio governamental aos agricultores familiares que reflorestassem com espécies nativas, criticou Capobianco.
Outra medida polêmica é a que Santilli chama de “eletroveto” e que beneficiaria as construtoras de grandes hidrelétricas em áreas de selva. Sua opinião é que o veto se dirige ao único artigo “bom” do projeto, que “estabelecia uma fonte concreta de recursos para a recuperação florestal”, pois obrigava as empresas concessionárias do setor energético a investirem 1% de seu lucro líquido na proteção das selvas situadas nas bacias de suas centrais hidrelétricas. O governo vetou esse ponto em nome de um “interesse social”, porque poderia levar as empresas a aumentaram o preço da eletricidade.
“O governo nunca teve tanto apoio fora do Congresso para fazer valer seu poder de veto de forma honrosa, e não o fez”, enfatizou Capobianco. A campanha “Veta Dilma” que promovia o veto total à reforma florestal, obteve apoios de setores empresariais, artísticos, científicos e políticos e reuniu mais de dois milhões de assinaturas. Porém, grande parte do setor agropecuário brasileiro e dos legisladores que o representam também está descontente com o veto, pois coloca “a produção agropecuária como função secundária do imóvel rural. A função principal é preservar a floresta e não produzir alimentos”, argumentou o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho.
Na opinião do analista político Maurício Santoro, da Fundação Getulio Vargas, o veto e a aprovação de uma lei para reprimir o trabalho escravo “são passos importantes para reequilibrar o jogo político frente a um setor agrário cuja visão de país mostra, no mínimo, uma grande dificuldade para aceitar as demandas de uma democracia dinâmica que o restante do Brasil luta para consolidar”.
Outros, como a senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária, Kátia Abreu, consideram que a postura do governo foi equilibrada. “A cor da camisa não foi totalmente verde nem totalmente amarela. Foi meio termo”, apontou. Agora se antecipa uma guerra jurídica de interpretações sobre a medida provisória, que deve ser aprovada pelo Congresso. E as organizações ambientalistas estudam propor um recurso de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.