“A proposta de lei é indecente porque, além de conceder anistia às propriedades agrícolas desmatadas irregularmente até 2008, premia os empresários que cometeram essas ilegalidades com a valorização de suas terras face às dos vizinhos que obedeceram os limites legais”, escreve Leão Serva, jornalista, ex-secretário de Redação da Folha (1988-92), é autor de “Jornalismo e Desinformação” (Editora Senac), em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-04-2012.
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Segundo ele, “a proposta de novo Código Florestal não deve ser levada ao plenário da Câmara Federal”. “Se o país precisa de um novo Código Florestal – escreve – é necessário que o processo recomece sob o espírito de entendimento”.
Eis o artigo.
Se votada, deve ser recusada pelos deputados; se aprovada, terá de ser vetada pela presidente Dilma Rousseff, em nome do interesse público e dos compromissos que assumiu por escrito na campanha eleitoral, como não permitir a redução dos níveis de proteção às florestas e não anistiar desmatamentos ilegais (o texto propõe diversos perdões a ilegalidades cometidas até junho de 2008).
Se aprovado, o projeto do relator Paulo Piau vai fazer as duas coisas e dará à sociedade um sinal claro de que crime ambiental compensa, além de expor o país ao mico de ser o vilão da Rio+20, sob críticas da comunidade internacional por ter aprovado uma legislação imoral.
O texto que tramita na Câmara é fruto da distorção na representatividade eleitoral que faz com que os Estados mais populosos e urbanizados estejam sub-representados no Legislativo, enquanto os menos populosos e de maior peso rural sejam sobredimensionados.
Isso garante à bancada ruralista no Congresso força inversamente proporcional a seu apoio na sociedade civil. Basta ver que quatro em cada cinco brasileiros se dizem contrários à anistia para desmatadores, como mostrou o Datafolha, mas o perdão foi aprovado com ampla maioria nas votações anteriores.
A proposta de Piau elimina completamente a necessidade de recuperação das matas que protegem rios e montanhas e que foram ilegalmente destruídas. O deputado alega que a questão será regulamentada posteriormente pelo Executivo.
Ocorre que a lei é superior, o que ela não prevê não pode ser imposto por medidas administrativas. O texto vai consagrar a omissão.
Neste mesmo momento, a renovação das tragédias na região serrana do Rio, onde todos os locais destruídos por avalanches e enchentes estavam em áreas que não deveriam ter sido ocupadas, mostra que essas áreas, qualificadas como de preservação permanente, não deixam de ser necessárias apenas porque foram ocupadas há tempos.
A proposta de lei é ainda mais indecente porque, além de conceder anistia às propriedades agrícolas desmatadas irregularmente até 2008, premia os empresários que cometeram essas ilegalidades com a valorização de suas terras face às dos vizinhos que obedeceram os limites legais.
É o que mostrou o Ipea, órgão do governo federal, em seu relatório sobre o projeto: quem obedeceu a lei anterior fica com um índice de aproveitamento menor de sua terra.
O texto que poderá ir a plenário tem esse grave defeito de concepção legislativa: cria tantos matizes e senões às regras que sua aplicação se torna impossível.
Hoje, a lei vale para todos. Para saber quem está legal ou ilegal, é simples, basta observar, olhar uma foto de satélite, por exemplo; pela proposta de substitutivo, cada propriedade terá de ser submetida a prova documental, pois as regras mudam conforme o tamanho da propriedade, a data em que ocorreu seu desmatamento e a legislação anterior para cada região.
O projeto a ser submetido aos deputados não foi feito com a visão estratégica que se espera do Congresso ao compor uma lei para durar décadas. Foi feito olhando o retrovisor, como retaliação à emissão de multas pelo Ministério do Meio Ambiente após o agravamento da destruição da Amazônia entre 2006 e 2007. E o desejo de vingança se provou mau conselheiro. Se o país precisa de um novo Código Florestal, é necessário que o processo recomece sob o espírito de entendimento.