Teia de interesses liga políticos a mineradoras em debate sobre novo Código.

Em votação no Congresso, novo marco alavanca negócios bilionários, defendidos pela bancada da mineração; em risco, o futuro das reservas, do ambiente e de comunidades tradicionais. A reportagem é de Alceu Luís Castilho, publicada pela Agência Pública, 03-10-2013.

 

 

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As veias do Brasil continuam abertas. De olho nelas, os políticos. Diferentemente da bancada ruralista, os parlamentares ligados à mineração orbitam em torno do poder do PMDB no setor. Mas um PMDB ampliado, com parceiros em outros partidos. A Frente Parlamentar da Mineração Brasileira, com 196 membros, é uma pista falsa sobre o tema. Traz até políticos que criticam abertamente o loteamento no setor. Fomos atrás da história real. E bem mais intrincada.

Dono de uma empresa de mineração, a Vale do Sol, um dos senadores da real bancada da mineração atende pelo nome de Edison Lobão Filho (PMDB-MA). Ele é filho do ministro das Minas e Energia. Outro senador, autor de projeto de lei que autoriza a mineração em terras indígenas, é investigado pela Procuradoria Geral da República, acusado de beneficiar a Vale S/A, a maior mineradora do Brasil, segunda do mundo. Chama-se Romero Jucá (PMDB-RR). O caso foi parar, no fim de agosto, no gabinete do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Deputados responsáveis pela discussão do novo Código da Mineração indicam políticos para as superintendências do Departamento Nacional de Produção Mineral. O DNPM é um órgão responsável pelas autorizações e fiscalizações no setor. Gera royalties que ultrapassam R$ 1 bilhão por ano. Alguns destes superintendentes são alvos de investigações do Ministério Público e da Polícia Federal. Sob a acusação de beneficiarem empresas e até políticos.

O conflito de interesses no Congresso não para por aí. Os mesmos parlamentares que participam de Comissão Especial para discutir o tema na Câmara têm suas campanhas financiadas por algumas das maiores corporações do setor mineral. Com valores significativos em relação aos gastos totais. Muitos desses políticos são do PMDB, partido que controla o Ministério das Minas e Energia, o DNPM e as emendas para o Código da Mineração.

Boa parte dos nomes mencionados nesta reportagem pertence à elite dos caciques do partido. Ou por eles foram indicados. Do poder no Senado, como o de José Sarney (AP), até o da Câmara, como o de Eduardo Cunha (RJ).

Enquanto isso, os parlamentares mais influentes enriquecem durante o exercício dos seus cargos. Um desses deputados, Leonardo Quintão (PMDB), relator do novo Código, é um exemplo de parlamentar bem-sucedido. Entre 2002 e 2010, o advogado e economista teve seu patrimônio multiplicado de R$ 314 mil para R$ 2,6 milhões. Enriqueceu 8 vezes em oito anos. É ligado a Eduardo Cunha, o líder do PMDB.

A Agência Pública faz aqui um resumo dessa ópera. Primeiro, traz um levantamento inédito dos nomes de políticos que indicaram superintendentes para o DNPM. Depois, resume um estudo do Ibase sobre as doações de campanha para os parlamentares que tratam do tema. Em meio aos levantamentos, faz um resumo das investigações em curso envolvendo políticos. Entre elas uma bem recente: um diretor do DNPM acusado por funcionários do órgão no Maranhão de beneficiar um ex-deputado, secretário no governo de Roseana Sarney.

Quem manda é o PMDB

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é um órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia (MME). Cabe a ele autorizar lavras, e fiscalizar as atividades mineradoras. Após ter ficado anos nas mãos do PT, quem tem controlado o órgão, desde o fim do governo Lula, é o PMDB, que detém as indicações da maior parte das superintendências do DNPM. Com algumas concessões para outros partidos da base governista, como o PP, o PSB e o próprio PT.

Deve-se observar que o ministro Edison Lobão, desde a Constituinte ligado a cargos poderosos no Congresso (ele presidiu na ocasião a Subcomissão de Reforma Agrária), é um cacique discreto do PMDB, diretamente ligado ao ex-presidente José Sarney. Mas outros nomes importantes do partido emergem das listas, como o líder na Câmara, Eduardo Cunha – um dos mais influentes do país e a principal dor-de-cabeça do governo Dilma Rousseff.

A seguir publicamos um quadro com os políticos e partidos que indicaram os dois principais diretores do DNPM e a maior parte dos 25 superintendentes. Note-se que muitos atuam em comissões importantes do Congresso, como a Comissão de Minas e Energia, permanente na Câmara, e a Comissão Especial de Mineração, específica para discutir a reforma do Código:

Leonardo Quintão, João Magalhães, José Priante e Rose de Freitas fazem parte da Comissão Especial que discute o novo Código da Mineração. Rose e Camilo Cola estão na Comissão de Minas e Energia.

O superintendente no Amapá, Antônio da Justa Feijão, já foi deputado federal, pelo PSDB. É do PTC. Ele possui R$ 6 milhões, boa parte por causa de um imóvel em Macapá no valor de R$ 5,63 milhões. Isto conforme a declaração de bens de 2010. Em 2000, ele possuía um valor 270 vezes menor: R$ 22 mil.

O líder do PMDB, Eduardo Cunha, conseguiu emplacar até um fisioterapeuta à frente do DNPM fluminense. Cunha é o líder em emendas apresentadas para o novo Código da Mineração: nada menos que 90 emendas. O segundo colocado, Bernardo Vasconcellos (PR-MG), apresentou bem menos: 24 emendas. Juntos, os deputados do PMDB apresentaram 114 emendas, diante de 373 apresentadas por parlamentares de outros partidos.

“A maioria dessas emendas do Eduardo Cunha é ruim”, diz Carlos Bittencourt, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). “Elas tentam enfraquecer as iniciativas de maior controle. O que o novo código tem de positivo ele tenta piorar”. O deputado Padre Ton (PT-RO), que defende os povos indígenas no Congresso, também não vê um quadro político positivo: “80% dos deputados na Comissão Especial são a favor das mineradoras”.

Interesse direto

A teia da Bancada da Mineração no Congresso – e no Executivo – inclui relações de parentesco e amizade. Ou a propriedade de empresas de mineração pelos próprios parlamentares.

O deputado federal Camilo Cola (PMDB-ES), um dos mais ricos do Congresso, possui duas marmorarias. Ele faz parte da Comissão de Minas e Energia e apresentou dez emendas ao Código da Mineração. O chefe do DNPM no Piauí é irmão do deputado licenciado Átila Lira (PSB-PI), secretário de Estado da Educação e possível candidato ao governo estadual. O superintendente na Bahia, Danilo Behrens Correia, tem um filho dono de uma empresa de consultoria no setor de mineração. Quem indicou Behrens foi o deputado Arthur Maia (PMDB-BA), ligado ao empresário João Carlos de Castro Cavalcanti, ex-sócio de Eike Batista e um dos gigantes do setor no Brasil. Com um patrimônio de R$ 2,34 bilhões, Cavalcanti quer transformar sua empresa, a World Mineral Resources Participações S.A. (WMR), em uma nova líder do setor. Já teve mais de R$ 150 milhões bloqueados por decisão judicial.

Maia conseguiu a indicação em 2011, após disputa com o PT. Em 2003, os royalties na Bahia movimentavam R$ 3 milhões. Oito anos depois, ultrapassavam R$ 33 milhões. É um dos mais estratégicos no setor, ao lado do Pará e de Minas Gerais. Os petistas reclamaram, na ocasião, que os peemedebistas ameaçavam abrir uma CPI para apurar as finanças do DNPM.

Assinaturas foram recolhidas por Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do candidato ao governo Geddel Vieira Lima, José Priante (PMDB-PA) e Leonardo Quintão (PMDB-MG). Maia e Priante ganharam o direito de indicar superintendentes; Quintão, o diretor-geral. A CPI não foi aberta.

O superintendente de Alagoas, José Antonio Alves dos Santos, tem entre suas tarefas fiscalizar o trabalho de empresas de mineração como a do deputado estadual Olavo Calheiros Filho (PMDB-AL). Ele é irmão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), outro dos principais líderes do PMDB. Em 2006, Olavo foi multado pelo DNPM, por não ter autorização para pesquisa no subsolo de suas terras. Caberá a Santos também fiscalizar a Portobello, líder no setor de cerâmicas, que está entrando em Alagoas com a bênção do senador. O suplente de Renan, Fábio Farias (PMDB-AL), é conselheiro da Portobello. (Olavo Calheiros é outro político que teve salto extraordinário em seus bens. Em 1996, possuía R$ 38 mil. Em 2010, o valor saltou para R$ 4,1 milhões.)

Em Santa Catarina, o superintendente Ricardo Peçanha chegou a viajar para a China com o deputado estadual Valmir Comin (PP-SC), em missão internacional. Comin faz parte do grupo do deputado federal João Pizzolatti, que indicou Peçanha ao cargo no DNPM. É proprietário da empresa de mineração Comin & Cia Ltda.

A lógica é a da aproximação. Em 2010, os senadores Garibaldi Alves (PMDB-RN), que indicou o superintendente Roger Garibaldi, e Valdir Raupp (PMDB-RO), membro de uma subcomissão de Mineração e Terras Raras no Senado, pediram ao ministro Edison Lobão gratificações para funcionários do DNPM. O órgão admite atender especificamente pedidos de deputados e senadores. Mas diz que esses pedidos são para “terceiros”, e não para benefício dos próprios políticos.

Financiamento de campanha

O Ibase lançou em agosto um documento que mostra a influência política das empresas mineradoras junto aos parlamentares que decidem sobre o tema. O estudo feito pela pesquisadora Clarissa Reis Oliveira se chama “Quem é Quem nas Discussões do Novo Código da Mineração”.

O trabalho traz detalhes sobre as doações de campanha feitas pelas seguintes empresas, em 2010: Vale, Votorantim, AngloGold, Usiminas, Kinross e MMX (Eike Batista).

A Vale só doou para os comitês nacionais de campanha, ou diretórios nacionais. E não para candidatos individuais. Ao todo, foram R$ 29,96 milhões. A maior parte foi para o PT (R$ 10,38 milhões) e PSDB (R$ 6,95 milhões). Note-se que esses dois partidos tiveram os dois principais candidatos à Presidência da República. Em seguida, porém, vem o PMDB, com R$ 5,76 milhões.

A Vale informa que não financia parlamentares, não financia partidos. E que as empresas vinculadas a ela financiaram 12 partidos, e não três. (Os valores são mais tímidos para outros partidos.) A empresa diz que o financiamento de campanha no Brasil é feito por empresas privadas, de forma legal, e, portanto, não há conflito de interesses. Se houvesse, informa a assessoria da empresa, seria de “todas as empresas com todos os partidos”.

O relator do novo Código da Mineração, Leonardo Quintão (PMDB-MG), pré-candidato ao governo mineiro, recebeu R$ 70 mil da Usiminas. O deputado federal Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG), o segundo em número de emendas apresentadas (24), atrás apenas do líder de seu partido, Eduardo Cunha, teve 70% de sua campanha financiada por empresas ligadas ao setor de mineração.

O responsável no Ibase pelo acompanhamento da política em Brasília, Carlos Bittencourt, considera um dos casos mais gritantes o de Quintão: 20% de sua campanha foi financiada pelas mineradoras. “Como coincidência, ele é relator, mais importante, portanto, que o presidente da comissão”, diz o pesquisador. “Se um juiz fosse julgar, teria de ser impedido. No caso da nossa República, infelizmente não”.

Em 2006, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que indicou o superintendente do DNPM no Mato Grosso do Sul, recebeu R$ 300 mil da Vale, por meio da Urucum Mineração, como financiamento de campanha. Naquele ano um dos que mais tiveram a campanha financiada por empresas ligadas à Vale (Urucum, MBR, Caemi) foi o senador Aécio Neves (PSDB-MG), com R$ 1,05 milhão. José Sarney (PMDB-AP), padrinho do ministro Edison Lobão, recebeu R$ 400 mil. Sua filha Roseana, R$ 1,3 milhão.

O jornal Valor Econômico informou no dia 25 de setembro que Quintão, definido como um político “jovem e cheio de fôlego”, cogita mudanças importantes no texto enviado pelo governo para o Código da Mineração. Pretende garantir, segundo o jornal, “algum direito de prioridade” na exploração de minérios por empresas que se dedicaram às atividades prévias de pesquisa.

Investigações

À indicação política dos cargos de direção e superintendências do DNPM soma-se o fato de que muitas autorizações são suspeitas. No Maranhão, os servidores do DNPM protocolaram em novembro do ano passado uma denúncia contra o diretor de Gestão de Títulos Minerários, Jomar da Silva Feitosa. Contra o responsável, portanto, pela administração da concessão de títulos. Segundo os servidores e empresários mineradores, ele estaria cobrando propina para liberar processos pendentes.

O esquema funcionaria desde 2009. Alguns denunciantes estariam sem poder trabalhar por se recusarem a pagar até R$ 250 mil para receberem as licenças. Os servidores apresentaram documentos que comprovariam a história. Multas ligadas a políticos maranhenses, dizem os funcionários, foram pagas pelo próprio diretor, com desconto direto do valor do boleto em sua conta bancária.

Isso teria acontecido em outubro de 2010, com o ex-deputado estadual Ricardo Archer, desde o dia 17 de setembro secretário de Articulação Política do governo de Roseana Sarney (PMDB-MA). Ele protocolou o processo nº 48422-906332/2010 solicitando o parcelamento de uma multa em oito vezes. Conforme a denúncia, as parcelas de R$ 301,63 foram descontadas diretamente da conta de Feitosa.

Tanto Archer como o filho, homônimo, declararam à Justiça Eleitoral serem sócios da Gessomar Indústria de Gesso. Na declaração do pai, com 90% das cotas, ela vale R$ 225 mil. As cotas do filho somam R$ 100 mil. O filho, suplente de deputado federal, possui ainda cotas numa empresa mineradora, a Gipsita. Todas as empresas ficam em Codó, onde Archer foi prefeito.

A Procuradoria da República no Maranhão informa que a denúncia foi encaminhada ao Departamento da Polícia Federal no Maranhão (DPF/MA) em dezembro de 2012 e que, desde então, não chegou ao MPF nenhuma outra movimentação a respeito. A Polícia Federal disse que não pode fornecer informações sobre o caso.

Segundo o Associação Nacional dos Servidores do Departamento Nacional de Produção Mineral, o DNPM enviou no dia 20 de setembro (três dias após ser procurado pela reportagem da Pública), um informe sobre o caso. Esse documento, assinado pelo diretor-geral, diz que o caso foi encaminhado à Corregedoria, para providências.

O DNPM não falou sobre o caso. Ricardo Archer, sim. “A única coisa que eu fiz foi indicar o Jomar para o DPNM do Maranhão”, conta. “Indiquei o nome dele, porque ele já trabalhava comigo, nas minhas empresas. Era despachante, cuidava das formalidades junto a meio ambiente, DNPM”.

Feitosa ficou dez anos nas empresas de Archer, hoje em nome de Archer Filho e de outro filho. “Logo depois que entrou conquistou a confiança do ministro Lobão e do senador Lobão Filho”, relata Archer. “Então eles o levaram para Brasília, para essa diretoria. Aí eu fiquei de fora”.

Segundo Archer, a denúncia dos servidores surgiu por causa de uma briga dele com o gerente que o substituiu no DNPM em São Luís. Indagado sobre o pagamento de sua multa por Feitosa, afirmou que não. Mas admitiu a hipótese. “Mesmo que tenha pago, deve ter recebido dinheiro para fazer isso”, diz o secretário. “Não sei a verdade”.

Archer variou a versão durante o telefonema. Chegou a dizer que não recebeu multa, mas depois declarou que o DNPM “sai jogando multa para cima de todo mundo, em tudo”. E diz que nunca foi notificado por ninguém – seja Ministério Público, Polícia Federal ou o próprio Ministério das Minas e Energia.

Outros casos

Não se trata de um caso isolado. A extensão das investigações envolvendo o DNPM atinge casos famosos. Um deles cita a construtora Delta que também atua no setor de mineração. Durante a Operação Monte Carlo, a Polícia Federal detectou que o bicheiro Carlinhos Cachoeira pedia intervenção do então senador Demóstenes Torres (DEM-GO) junto ao DNPM para acelerar processos relativos à Delta. A empreiteira e o ex-superintendente em Goiás (indicado pelo ex-governador Maguito Vilela) negaram a história.

E tem mais. Pelo menos dois prefeitos do PMDB foram denunciados pelo Ministério Público, em 2011 e 2012, por extração ilegal de recursos minerais. Salvador Alves de Brito, de Potiraguá (BA), por extrair um volume de granito sete vezes mais do que era autorizado. Ele declarou uma jazida de granito à Justiça Eleitoral por R$ 500 mil. O prefeito de Rolante (RS), Pedro Luiz Rippel, foi denunciado também por usurpação de bem da União e por não recuperar áreas degradadas, ao extrair saibro de 22 áreas públicas e privadas.

O próprio ministro Edison Lobão motivou, em 2011, uma investigação pela Procuradoria da República em Brasília, por suposto auxílio à Vale. Isto pelo adiamento de uma dívida de quase R$ 4 bilhões da empresa com o DNPM (que cresceria para mais de R$ 5 bilhões), pelos royalties da exploração de minério de ferro. A assessoria de Lobão disse na época que o ministro não tomou decisão sobre o assunto nem tinha ingerência sobre os atos do DNPM.

Edison Lobão é mais um político que enriqueceu nos últimos anos. Em 2002, declarou R$ 1,66 milhão em bens. Em 2010, R$ 5,09 milhões.

A Vale começou a pagar no ano passado parte dessa dívida com o DNPM. Após um ano e meio de negociação, a empresa reconheceu uma dívida de R$ 1,4 bilhão.

O caso Jucá

A Vale volta à cena em caso envolvendo o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), quando autorizou a exploração madeireira em terras indígenas, autor de projeto de lei que autoriza a mineração em terras indígenas, líder do governo Lula, líder do governo Fernando Henrique, o senador também está sendo investigado.

No dia 26 de agosto o ministro Dias Toffoli avaliou um caso encaminhado pela então subprocuradora-geral Cláudia Sampaio Marques, em parecer aprovado pelo procurador-geral (à época), Roberto Gurgel, onde ela aponta um esquema envolvendo a Diagonal Consultoria S/C Ltda, cujos “verdadeiros donos são Álvaro e Romero Jucá”.

Segundo a denúncia acolhida pela procuradora, quando alguma propina precisa ser paga, por empreiteiras que realizam obras públicas, a Diagonal Urbana é “contratada”. Isto pela influência do senador nas verbas do orçamento. O denunciante dá como exemplo um serviço em Carajás com a Vale. Ele coloca a palavra “serviço” entre aspas. Esse serviço “liberou mais de 5 milhões de reais para a Diagonal”, conforme o resumo feito por Cláudia. Vejamos mais um trecho:
“Esse trabalho foi fruto de uma atuação do Senador Romero Jucá em favor de uma pendenga da Vale que ele resolveu. Com o dinheiro em conta a Diagonal retorna aos seus donos pagando campanha (…), ou pagando as contas do falido Shopping Paço Alfândega em Recife, ou ainda comprando casas em Brasília para a mãe da filha do Senador”.

Diante da inexistência inicial de elementos que indicassem o envolvimento de Jucá nos fatos, foram feitas diligências em São Paulo e outros estados. A Procuradoria da República em São Paulo, então, “constatou, uma vez mais, o possível envolvimento de Romero Jucá nos fatos investigados”, o que levou ao encaminhamento dos autos, “novamente”, ao STF.

Álvaro Jucá, irmão do senador, declarou, então, que fundou a Diagonal e esteve ligado a ela entre 1990 e 2001. Depois ficou apenas como diretor-executivo e retornou a ela em 2010, como sócio. Ele contou que a Diagonal fez doações de campanha, em 2010, para o Diretório Estadual do PMDB em Roraima. Que comprou um imóvel em 2004, no Setor de Mansões Dom Bosco, em Brasília, onde mora a filha de Jucá, sua sobrinha. E que a aquisição desse imóvel “ocorreu por ocasião de um possível serviço que seria feito pela Diagonal em Brasília, mas que acabou não dando certo”.

A denúncia entregue pelo Ministério Público ao STF informa que, no caso dos documentos encaminhados pela Vale, a empresa informou a existência de apenas dois contratos. Mas foram enviadas notas fiscais relativas a diversos outros firmados com a Diagonal. A Vale apresentou notas fiscais no valor de R$ 28 mil, em relação a um contrato de R$ 259,5 mil.

Dias Toffoli analisou as provas complementares e não viu qualquer alteração que indique o envolvimento de Jucá na prática de qualquer ato ilícito. “A realização de doações em favor de agremiações partidárias por empresa em que o irmão de político figure como quotista, em princípio, não importa em qualquer ilegalidade”, escreveu o ministro. A falta de registro de propriedade e utilização do imóvel pela filha de Jucá, também não.

Como não viu indício de tráfico de influência de Jucá em benefício da Vale, o ministro devolveu o caso à Procuradoria-Geral da República para nova manifestação, que justifiquem o aprofundamento das investigações no STF.

A PGR informa que o caso está em segredo de justiça e não pode se pronunciar a respeito.

A gerente de imprensa da Vale ligou para a reportagem, tentando convencê-la de que não havia um caso para publicação. “Trata-se de uma denúncia anônima, a investigação é em relação à Diagonal, e não à Vale, e o ministro já disse que não há qualquer ilegalidade”.

As leis e seus efeitos

O coordenador geral da organização indigenista Operação Amazônia Nativa (Opan), Ivar Busatto, lembra que foi Romero Jucá quem autorizou contrato de indígenas com madeireiras, nos anos 80, quando era presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Ele abriu a porteira para um processo de degradação ambiental, social, cultural, favorecendo o crime organizado em terras indígenas”, afirma.

Agora é a vez do PL 1610, de 1996, de autoria de Romero Jucá, que autoriza a exploração de minérios em terras indígenas. Em discussão no Congresso, pode ser aprovado em 2013. “Quer abrir outra porteira”, diz Busatto. O deputado Padre Ton diz que o relator do PL é o deputado Édio Lopes (PMDB-RO), “ligado a Jucá”.

A inexistência ou desatualização de leis também tem suas implicações. Um documento do Ministério Público Federal em Roraima, assinado no ano passado pelo procurador Fernando Machiavelli Pacheco, informa que há procedimentos em trâmite no DNPM por mais de vinte anos, sem qualquer decisão, “aguardando eventual lei nova que venha a beneficiar determinados particulares”.

“Se você for ao DNPM em Rondônia é uma desorganização só”, conta o deputado Padre Ton. “Os processos estão todos comidos por cupim. É a coisa mais escabrosa que possa existir”. O que mais preocupa o deputado é a configuração do parlamento brasileiro, “que acaba aprovando projetos a toque de caixa, ou na calada da noite”.

Na discussão do novo Código da Mineração, mais problemas. Carlos Bittencourt, do Ibase, conta que as médias e pequenas empresas fazem pressão para manter o mecanismo atual de prioridades na exploração: quem chega primeiro. Ele defende o mecanismo de licitações previsto no novo marco regulatório. Mas critica o debate político “subterrâneo”, como os próprios minérios.

“É muito invisibilizado, talvez mais nefasto que o Código Florestal, pois as florestas se renovam”, diz Bittencourt. “Os minérios se esgotam. Isso pode significar a extinção, em 40 anos, de uma série de recursos de alta qualidade. O novo Código melhora em alguns aspectos o controle, mas é expansivo, para viabilizar o Plano de Mineração 2030. Este diz que se poderá até quintuplicar a extração de alguns minérios. Isso significa que você diminui pela metade o tempo de duração de algumas reservas. Sobrariam só algumas minas marginais”.

E os políticos não parecem interessados em agregar qualquer transparência à discussão. Salvo o ex-deputado Ricardo Archer, os políticos procurados pela reportagem não deram retorno aos pedidos de entrevista. Entre eles o ministro Edison Lobão, o senador Romero Jucá, os deputados Eduardo Cunha e Leonardo Quintão. O Ministério das Minas e Energia recebeu pedidos de esclarecimentos sobre os diversos temas da reportagem, além da solicitação de entrevista com o ministro, mas não deu retorno.

A assessoria do diretor-geral do DNPM, Sérgio Dâmaso, informou que enviaria um email com esclarecimentos sobre indicações políticas e as denúncias envolvendo servidores. Mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno. Em um dos telefonemas, o assessor disse que as indicações políticas saem diretamente do Ministério das Minas e Energia, e não do DNPM. Este apenas as acata.

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