Uma pesquisa mostrou que a poluição tem afetado a vida dos caranguejos-uçá que vivem nos manguezais de cidades litorâneas do Estado de São Paulo. Alguns animais já nasceram com má formações devido a grande quantidade de metais pesados encontrados em cinco cidades da região. Segundo os pesquisadores, a contaminação do meio ambiente é proveniente do Polo Industrial de Cubatão, do Porto de Santos e dos lixões instalados na região. Além disso, o caranguejo-uçá ‘mutante’ chega na mesa dos brasileiros e coloca em risco a saúde de muita gente.
http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2015/03/poluicao-provoca-o-aparecimento-de-caranguejos-mutantes-no-litoral-de-sp.html
Alguns apareceram com deformações como resposta à poluição.
Pesquisa revelou contaminação em cinco manguezais de Santos.
De acordo com a pesquisa, os maiores caranguejos ‘mutantes’, geralmente os mais ‘suculentos’, têm maior quantidade de metais pesados. Segundo o biólogo marinho e professor doutor Marcelo Pinheiro, as pessoas que consomem esse animal também acumulam esses metais pesados. “Isso pode acarretar em maior incidência de câncer, más formações e problemas neurológicos”, afirma ele, que também não recomenda o consumo desses animais provenientes da Baixada Santista.
Pinheiro começou a estudar esses caranguejos a partir de 1998. “Percebi que pouco se sabia cientificamente sobre essa espécie”, afirma. Junto com o Grupo de Pesquisa em Biologia de Crustáceos (CRUSTA) da Unesp de São Vicente, ele começou a fazer pesquisas sobre o caranguejo-uçá. Na primeira fase, foi estudada a biologia do animal e, na segunda etapa, o grupo pesquisou mais aspectos relacionados à biologia pesqueira deste recurso, também fazendo ações de educação ambiental.
São Vicente (Foto: Divulgação/CRUSTA)
Ele e outros pesquisadores do CRUSTA (Dr. Felipe Duarte) e Unifesp Baixada Santista (Prof. Dr. Camilo Pereira) se depararam com um animal encontrado por pescadores, em São Vicente. O exemplar do caranguejo-uçá apresentava má formação em uma das pinças. “O animal lutou com outro animal e perdeu uma parte do corpo. Em vez de regenerar um dedo só, ele regenerou cinco dedos. Parece uma mãozinha. Inclusive era funcional. Esse tipo de trabalho me sensibilizou e ampliamos os estudos”, explica o biólogo. O animal foi analisado em laboratório. O caranguejo apresentou alta incidência de células micronucleadas (resultantes de problemas ocorridos durante a divisão celular), aproximadamente três vezes mais alta do que os valores considerados normais.
A partir desse exemplar, a equipe resolveu fazer uma terceira etapa do projeto e estudar o caranguejo-uçá em áreas de manguezal do Estado de São Paulo, sujeitas a diversas fontes de poluição, como os lixões públicos Alemoa/Sambaiatuba e o Polo Industrial de Cubatão, que podem afetar o desenvolvimento e o ciclo de vida dos animais. O estudo visava fazer uma avaliação mais ampla dos problemas ambientais existentes e a sua influência sobre os organismos estuarinos.
Foram 18 subáreas de manguezal analisadas em seis áreas, abrangendo Bertioga, Cubatão, São Vicente, Peruíbe, Iguape e Cananeia. Os pesquisadores coletaram amostras de água, folhas da planta mangue-vermelho, sedimentos, além de partes dos tecidos, vísceras e carne dos caranguejos. “Além de conhecer a qualidade dos manguezais, estávamos querendo saber se o caranguejo poderia ser utilizado como alimento ou se estava contaminado por metais”, diz ele. Os pesquisadores utilizaram duas técnicas de análise dos materiais e utilizaram uma amostra de quase 300 caranguejos.
Quatro metais pesados (cádmio, cobre, chumbo e mercúrio), com níveis superiores aos permitidos por leis ambientais, foram encontrados nos materiais coletados em Bertioga, Cubatão, São Vicente, Cananeia e Iguape. A Estação Ecológica da Jureia foi a única área que não apresentou nenhuma contaminação. “A duas áreas extremamente contaminadas seriam Cubatão e Bertioga. Existe cobre e chumbo na água, enquanto o sedimento possui elevada concentração de cádmio e mercúrio”, diz ele. Em Cananeia e Iguape, os níveis de contaminação por mercúrio nos sedimentos também foram elevados.
Em Bertioga, a coleta foi feita perto do Rio Itapanhaú. No primeiro momento, os pesquisadores suspeitaram que a contaminação estaria relacionada ao rio, já que não há indústrias poluentes naquela região. “O que pode estar acontecendo, nós acreditamos, é que temos um lixão na BR-101 (Rio-Santos) que foi desativado. Mesmo coberto, o lixão pode estar emitindo substâncias prejudiciais ao meio-ambiente”, diz.
Em nota, a Prefeitura de Bertioga disse que o lixão foi desativado em 2001 e as medidas de controle foram aplicadas, como cobertura e instalação de drenos para gases. Em 2014, os proprietários da área realizaram uma investigação sobre a contaminação do solo, subsolo e água subterrânea e os resultados laboratoriais não apresentaram contaminação química. O laudo e o respectivo relatório foram apresentados para a Cetesb. A Prefeitura de Bertioga protocolou um processo na Cetesb para recuperação da área do antigo lixão, uma vez que não há resultado sobre contaminação química.
Para a secretária de Meio Ambiente de Bertioga, Marisa Roitman, é impreciso correlacionar a contaminação dos caranguejos ao antigo lixão de Bertioga, que funcionou por um curto período de tempo. Isto porque, segundo ela, o sistema estuarino da Baixada Santista é interligado, sendo que a contaminação pode vir do polo industrial de Cubatão ou do Porto de Santos, por exemplo.
(Foto: Mariane Rossi/G1)
A equipe da Unesp também verificou que os caranguejos-uçá de Cubatão têm 2,6 vezes mais células com micronúcleos do que os da Jureia, a área pristina (sem poluição). Áreas que apresentam caranguejos com uma maior quantidade de células com micronúcleos correspondem àquelas com maior concentração de poluentes, podendo repercutir em deformações. Os valores obtidos para micronúcleos estiveram correlacionados à concentração de metais pesados.
Para o biólogo, a poluição no ambiente tem relação com as mutações encontradas nos caranguejos nos últimos anos. “Aqui na Baixada Santista, principalmente nos manguezais de Cubatão e Bertioga, existe uma maior probabilidade de serem encontrados animais com má formação do que em locais menos poluídos, por conta do grande impacto causado pelos metais”, fala. Mesmo com a instalação de filtros e outras medidas ambientais, a contaminação em Cubatão estaria relacionada à atividade das fábricas, abundantes no Polo Industrial.
Segundo o especialista, em Iguape, as fontes de metais pesados são os resíduos de mineração que vieram com o Rio Ribeira de Iguape. Já em São Vicente, as principais vias de contaminação seriam os lixões, como o Sambaiatuba, visto que, mesmo após desativados, podem continuar emitindo metais pesados por até 25 anos. Outra causa seria o lixo que se acumula nos manguezais nesta região, reflexo de desconhecimento por parte da população como um todo. Os resultados obtidos indicam que caranguejos de áreas contaminadas têm maior probabilidade de contrair parasitas, sendo um possível indicativo de seu comprometimento fisiológico.