‘Político é como cobra grande: quer engolir todo mundo’, diz líder yanomami.

“O maior perigo que estamos vendo é a mineração”, afirma Davi Kopenawa Yanomami. Segundo ele, “homem branco olha o brilho da terra. Eles querem arrancar a riqueza”. Ele está preocupado. “É costume do branco: ele não tem limite para parar”, diz, coroa nas cores preta, amarela e vermelha cuidadosamente ajeitada na cabeça. “Proteção do pajé”, explica.

 

 

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Há mais de 30 anos, Davi viaja pelo mundo em defesa do seu povo. Recebeu o apelido de “Dalai Lama da Floresta Tropical” e foi chave para o reconhecimento oficial da área yanomami na Amazônia em 1992, depois de quase dez anos de luta. O território é duas vezes maior que a Suíça.

Mas nem isso parece lhe dar garantia de que seu povo está seguro. Prova é a desconfiança com que fala de políticos: “É como cobra grande: ela quer engolir todo mundo”. “Os políticos estão querendo acabar com as leis que garantem e que protegem (os índios). Vai piorar”, disse em entrevista à BBC em Londres na terça-feira.

“Os políticos nacionais não querem saber de proteger a natureza. Eles querem usar o subsolo. Tem o político pequeno, fraco, que não tem dinheiro. Esses querem proteger. Os grandes não”. Davi vê com receio a possibilidade de que uma lei que regule a mineração em terras indígenas seja aprovada no Congresso. A discussão se arrasta há quase duas décadas, mas não deixa de ser vista por ele como a principal ameaça aos yanomami.

“O maior perigo que estamos vendo é a mineração”, diz. “Homem branco olha o brilho da terra. Eles querem arrancar a riqueza”.

Perigo dourado

Segundo a organização Survival International, que trabalha com Davi desde os anos 1980, há mais pedidos de mineradoras para explorar o território yanomami do que em qualquer outra área indígena no país. O grupo diz que são 650 requerimentos, que cobrem metade da reserva.

“Ele (o homem branco) faz uma procura de riqueza na terra, cava no buraco, derrubando as árvores e devastando a floresta. Então, para nós, isso é muito perigoso”, diz Davi. “O homem que tem bastante dinheiro, ele quer mais. Homem rico com a mão cheia de dinheiro, ele quer destruir mais. Assim (ele) continua”.

Em fevereiro, autoridades lançaram uma operação para retirar garimpeiros ilegais de terras yanomami. Cerca de mil deles atuam na área, disse a Survival.

Vieram, então, as tentativas de coagi-lo. Em julho, Davi pediu proteção policial devido a ameaças de morte que teriam sido feitas por homens armados contratados por garimpeiros ilegais, de acordo com a Survival.

Segundo ele, sua associação – a Hutukara – recebeu uma mensagem de que ele não estaria vivo até o final do ano.
‘Destruição nos cerca’

Davi nasceu ao redor de 1955 – a data é incerta. É xamã e porta-voz dos yanomami, que vivem isolados na Amazônia, perto da fronteira com a Venezuela. São cerca de 19 mil deles no Brasil.

Aprendeu português já adulto e tornou-se voz respeitada em todo o mundo na defesa indígena. Seu nome é provavelmente mais conhecido fora do Brasil do que dentro dele. Sua palestra na semana passada em Londres teve todos os convites esgotados.

O livro dele, A Queda do Céu, ditado em língua yanomami e que ainda será publicado em português, recebeu boas críticas. A obra revela sua história pessoal, a do seu povo e suas visões sobre o “homem branco”.

E são eles que, mais uma vez, preocupam Davi. Ainda pequeno, sua mãe escondeu-o sob um cesto quando homens de fora visitaram seu vilarejo pela primeira vez. Tinha quatro anos. “Ela pensou que eles iriam me levar.”

Do contato intensificado com homens brancos, nos anos 1950 e 1960, vieram as doenças que praticamente eliminaram os yanomami. Viu a morte de seus pais. Na década de 1980, milhares de garimpeiros invadiram a área dos índios, e 20% dos nativos morreram vítimas de doenças, segundo a Survival.

Davi diz que não morreu por ser “protegido pelo pajé”.

Em 1989, recebeu prêmio da ONU pela defesa do seu povo e passou a viajar o mundo. Descreve sua reserva vista da janela do avião: “Verde, verde, limpa, bonita, sem poluição, os pássaros voando, o vento. É muito bonita e eu quero que as pessoas a deixem”.

Se agora ele já está acostumado com grandes cidades, nem sempre foi assim. “Barulho, trens, carros, pessoas” chamaram atenção de Davi em suas primeiras viagens. “E elevadores”, diz.

O garimpo deixou de ser uma grande ameaça aos yanomami. O risco, agora, vem de doenças, como as sexualmente transmissíveis, e a construção de estradas e hidrelétricas que possam atingir povos indígenas.

“(Isso é) para melhorar para vocês, para ficar todo tempo iluminado sem parar. É bom para vocês. Para nós, não é bom. Isso é uma destruição que está ‘cercando nós'”.