
Sam Falconer
19 ago 2025
[Nota do Website: Quando vai se juntando as ‘histórias’ que envolve a visão de mundo, pós Thomas Edson, fortemente plasmada nos EUA, a partir da metade do século XIX, constata-se que há um forte toque autofágico, exatamente por faltar nesta visão, em nosso ponto de vista, empatia, humildade, humanismo e um sentido de transcendência. E isso vem se avolumando de tal forma que o supremacismo que parecia ser somente branco, masculino e eurocêntrico, contamina todas as etnias, as culturas e os modo de vida e sentir em todo o planeta, em tempos atuais].
Os polímeros sintéticos deveriam nos libertar das limitações dos nossos recursos naturais. Em vez disso, levaram a uma crise ambiental.
Em 1864, a Scientific American publicou um concurso lançado por uma empresa fabricante de mesas de bilhar: “Dez mil dólares por um substituto para o marfim”. Os proprietários da Phelan & Collender ficaram satisfeitos; escreveram à revista para explicar o que estavam procurando em uma “alternativa ao marfim” que pudesse ser usada para fazer bolas de bilhar e esperavam que isso “tivesse o efeito de estimular o gênio de alguns de seus numerosos leitores”. O material verdadeiro das presas de elefante havia se tornado escasso, mas sua elasticidade, dureza e densidade eram difíceis de encontrar em outro material.
Um impressor de Albany, Nova York, chamado John Wesley Hyatt, criou uma solução em celuloide, um material moldável e composto de nitrato de celulose, um polímero que mantinha a bola unida; cânfora, um composto orgânico que proporcionava flexibilidade e durabilidade; e osso bovino moído, para dar à bola a mecânica ideal para o jogo. Em vez de aceitar a recompensa de US$ 10.000 e abrir mão dos direitos de sua invenção, Hyatt patenteou seu objeto em 1869 e abriu sua própria empresa, vendendo bolas de bilhar de celuloide que o cientista conservacionista Artur Neves, escrevendo em 2023, chamou de “o objeto fundador da indústria do plástico”.
A criação do “primeiro plástico” foi essencialmente uma resposta a um problema de sustentabilidade. Havia apenas um número limitado de elefantes, tartarugas e bichos-da-seda disponíveis, e suas presas, cascos e fibras eram cada vez mais procurados. Artigos e anúncios dos primórdios da indústria do plástico retratam esses materiais como um alívio da pressão sobre os recursos naturais. Em um artigo de 2023 na PNAS Nexus, Neves e seus colegas descreveram as bolas de bilhar de celuloide da Hyatt como um dos “primeiros esforços bem-sucedidos para substituir materiais e auxiliar a sobrevivência de animais ameaçados de extinção”.
A bola de bilhar e outros compósitos poliméricos reforçados foram predecessores dos plásticos comerciais. Mas o termo “plástico” era nebuloso, mais uma linguagem de marketing do que uma categoria científica. Philip H. Smith, escrevendo na Scientific American em 1935, definiu-o como “o nome dado a um grupo de substâncias escolhidas mais ou menos arbitrariamente que, quando adequadamente compostas e tratadas, tornam-se plásticas e podem ser moldadas ou fundidas em determinadas formas”.
Em American Plastic: A Cultural History , publicado em 1995, Jeffrey L. Meikle escreve que o medo de uma escassez de marfim que estimulou o desenvolvimento de plásticos mudou no século XX para a ideia de democratizar itens de luxo. A produção em massa de plásticos para uma ampla gama de usos começou na década de 1940, quando a produção nos EUA quase triplicou durante os anos de guerra. Essa expansão coincidiu com a substituição de materiais de base biológica (como algodão, soja e açúcar) em bases poliméricas por combustíveis fósseis, que foram promovidos como um recurso abundante. Para dar aos produtos propriedades específicas, aditivos como corantes, plastificantes (como ftalatos e bisfenol A) e retardantes de chama foram incluídos nos polímeros durante a fabricação.
Você sabe onde essa história vai dar. Na década de 1970, Meikle escreve em seu livro, “a capacidade do plástico de transcender a natureza muitas vezes não parecia mais utópica, mas simplesmente desastrosa”. O plástico inaugurou uma era de excesso de coisas baratas de fabricar. Materiais originalmente celebrados por sua durabilidade e longevidade tornaram-se populares em itens de uso único. Noventa por cento dos plásticos não são tecnicamente recicláveis, e alguns agora argumentam que as campanhas de reciclagem apenas encorajaram as pessoas a se sentirem melhor comprando mais coisas de plástico. Como o plástico não é biodegradável, ele simplesmente se acumula, fragmentando-se em pedaços cada vez menores ao longo de centenas ou milhares de anos. Em 2009, foi publicada a primeira revisão abrangente do impacto dos plásticos no meio ambiente e na saúde humana — uma coleção de consequências e alertas que se tornaram ainda mais graves.
Agora, pesquisadores estão investigando a ampla presença e os efeitos dos microplásticos — pequenas partículas que liberam produtos químicos tóxicos no meio ambiente. Itens descartáveis, como garrafas de água, são uma parte óbvia do problema, mas há muitos outros culpados. Até meados da década de 1990, as fibras naturais dominavam a indústria da moda; em 2023, os polímeros sintéticos representavam 67% da produção global de fibras, com o poliéster sozinho representando 57% de todas as roupas, têxteis para o lar e calçados novos. Esses produtos liberam fibras microplásticas a cada lavagem, contribuindo para a poluição das águas subterrâneas. Esses contaminantes, que são basicamente impossíveis de limpar, não estão presentes apenas no solo e na água: um novo estudo descobriu que as folhas das plantas absorvem microplásticos do ar. Todos os animais estudados, incluindo nós, não estão apenas comendo plástico em nossa comida e bebendo em nossa água; agora temos plástico em nossos órgãos.
A solução para um problema de sustentabilidade ambiental tornou-se uma das maiores e mais intratáveis crises ambientais do nosso tempo. Como Rebecca Altman escreveu em um artigo de 2021 na Science, o celuloide “supostamente poupou o elefante, especialmente da indústria de bolas de bilhar. [Mas] dados de mercado mostram que o celuloide não diminuiu a demanda por marfim, que cresceu nos anos após a introdução do celuloide”. O celuloide, acrescenta ela, também acelerou a demanda por cânfora, um produto destilado de uma árvore perene predominante em Taiwan. A competição pelo controle do comércio de cânfora destruiu as florestas de Taiwan e deslocou suas comunidades indígenas. O advento dos polímeros sintéticos não libertou a humanidade dos limites dos recursos naturais (nt..: destaque em negrito feito pela tradução para mostrar como tudo se torna uma farsa quando estamos lidando com o capitalismo cruel e indigno!).
O que começou como uma competição para inventar uma alternativa ao marfim transformou-se em competições para inventar métodos de limpeza da Grande Mancha de Lixo do Pacífico e de outros icebergs de plástico espalhados pelos oceanos do mundo todo. Em 1942, Williams Haynes, historiador e promotor da indústria química, declarou que os materiais sintéticos teriam “mais impacto na vida de nossos bisnetos do que Hitler ou Mussolini”. Ele não poderia imaginar que o maior impacto nas gerações futuras seriam os fragmentos de nanoplástico em seus cérebros (nt.: destaque em negrito dado pela tradução para demonstrar como a visão que se consolidou nos EUA, sobre ‘meritocracia’, dinheiro e supremacismo branco eurocêntrico -masculino patriarcal e egóico- não importando onde e que etnia, realmente está levando a humanidade, e todos os não-humanos-, a um possível extermínio!).
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2025