PET

Indiana E O PET

Mulher indiana carrega garrafas PET para vender em centro de . Bhubaneswar. AP

 

Nota do website: Por que publicar não um artigo, mas uma notícia que tem mais um ano? No nosso entendimento é fundamentar ficar na memória do site e nos darmos conta de que uma notícia como esta é uma ilusão, e um perigo. Ilusão porque nos mantem como consumidores vorazes e negligentes com a percepção de que ‘agora sim o pet será reciclado e pode continuar tudo como está’! E um perigo porque sendo esta vida manipulada e virando uma ‘mercadoria/commodity’, como será com tudo o que tem o PET estando esta bactéria solta por aí?? 

 

Fácil de produzir a partir de derivados do petróleo, cômodo de moldar por sopro, transparente e acessível por menos de cinco reais o quilo, o PET (politereftalato de etileno) é um dos plásticos mais utilizados para engarrafar todo tipo de bebidas, e também na indústria têxtil. A cada ano, são produzidas no mundo cerca de 50 milhões de toneladas desse material, mais ou menos 16% do total de plásticos fabricados. Sua reciclagem é ineficaz e ele é pouco biodegradável, razões pelas quais é uma excelente notícia que os cientistas tenham descoberto uma bactéria capaz de usá-lo como alimento. Depois de isolada num aterro sanitário com grande volume de material PET, o organismo foi batizado de Ideonella sakaiensis. Nasce uma estrela da reciclagem.

A presença da Ideonella sakaiensis num lixão, ou numa usina de reciclagem de PET, poderia parecer óbvia, mas também apresenta um enigma evolutivo de sumo interesse: o PET existe há apenas 70 anos, e, portanto, foi esse exíguo tempo que a bactéria teve para evoluir e transformar o plástico na sua principal fonte de carbono. A solução desse enigma não é um mero desafio teórico, mas também algo de grande utilidade para desenvolver enzimas que degradem outros plásticos de uso comum.

  • A solução desse enigma não é um mero desafio teórico, mas também algo de grande utilidade para desenvolver enzimas que degradem outros plásticos de uso comum

Kohei Oda, Kenji Miyamoto e seus colegas do Instituto de Tecnologia de Kyoto, da Universidade Keio, em Yokohama, e de outras instituições japonesas, que apresentam suas descoberta na Science, colheram 250 amostras ambientais (sedimentos, terra, águas residuais) numa usina de reciclagem de garrafas do PET e as selecionaram conforme sua capacidade de usar películas desse plástico como sua principal fonte de carbono, ou seja, como seu alimento básico. A amostra 46 continha um consórcio microbiano com essas características, composto por bactérias, leveduras e protozoários. A análise revelou depois que a chave era uma só bactéria do consórcio, uma nova espécie do gênero Ideonella, assim chamado por ter sido descrito em 1994 pelo instituto Ideon, ligado à universidade sueca de Lund.

Os dois genes-chaves que permitem à Ideonella sakaiensis processar e comer o PET codificam (contêm a informação para fabricar) duas enzimas das quais não se tinha notícia até agora: primeiro, a enzima PETasa sai da bactéria e transforma o PET em um composto intermediário, chamado MHET (mono(2-hidroxietil) tereftalato), que pode ser tragado pela bactéria; então a segunda enzima, a MHET hidrolase, rompe esse composto para gerar os dois compostos básicos (monômeros) com os quais se fabrica o PET na indústria: etilenoglicol e ácido tereftálico. Trata-se de dois derivados do com os quais se sintetiza o PET, mas a Ideonella sakaiensis os utiliza como alimento, com o que o plástico acaba por desaparecer por completo. O único senão: o processo leva seis semanas.

De onde saíram essas duas enzimas, ou os dois genes que as codificam? Nas bases de dados genéticas, o que mais se assemelha à enzima PETasa da Ideonella sakaiensis é uma enzima diferente, que degrada outros compostos, e que só tem 51% de homologia (semelhança) em sua sequência de blocos elementares (aminoácidos). E algo parecido, detalhes à parte, ocorre com a MHET hidrolase, a segunda enzima-chave da Ideonella sakaiensis.

Novas enzimas costumam evoluir a partir de outras preexistentes que tenham certa tolerância na escolha do substrato. São chamadas de enzimas promíscuas, que servem tanto para o roto quanto para o rasgado. As duas enzimas da Ideonella sakaiensis têm uma notável especificidade pelo PET, que só teve 70 anos para evoluir, um tempo muito curto para os padrões da evolução. Ou melhor, da biologia evolutiva.

E há outro detalhe surpreendente: os dois genes em questão se ativam só na presença do PET. Tal “ativação por substrato” é um mecanismo muito comum em velhas rotas metabólicas, aquelas de sempre. Parece evidente, entretanto, que isso não precisa ser o resultado de milhões de anos de paciente evolução. Basta um século, ou menos.

Na melhor das hipóteses, a Ideonella sakaiensis nos permitirá degradar nossos plásticos. Na pior, quando desaparecermos do planeta Terra não faltará quem se ocupe de limpar nossos resíduos. A vida sempre encontra seu caminho.