Para Eric Sadin, a sociedade está pagando as consequências da sua “indolência” diante do poder

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María Daniela Yaccar

22-11-2023

[NOTA DO WEBSITE: Sem dúvida de que o futuro está sendo roubado de todos os nossos descendentes exatamente por sermos uma sociedade relapsa, perigosa e patologicamente negligente consigo mesma por completa opção consciente de ser escrava de seus desejos mais sórdidos].

O autor de La era del individuo tirano defende que hoje as pessoas reduziram a sua ação política ao voto e a expressar-se “patologicamente” nas redes sociais. Diz que os novos tempos exigem a “mobilização das nossas próprias forças”.

“Estamos arrasados”, diz Eric Sadin em Hacer disidencia. Una política de nosotros mismos (Dissidência. Uma política de nós mesmos). Nossos corpos e mentes estão “exaustos” devido à dureza das condições de vida e à expansão das tecnologias que consomem nossas energias. Mas o problema não está só lá fora: estamos pagando as consequências da nossa “indolência”, de não ter enfrentado mais o poder, de não ter defendido o que conquistamos. Ao mesmo tempo, desistimos de imaginar “caminhos divergentes”. Reduzimos a nossa ação política a votar e a nos expressar “patologicamente” nas redes sociais. Os novos tempos exigem mais a “mobilização das nossas próprias forças”, em vez de depositarmos todas as nossas expectativas no Estado.

Atualmente, há uma conjunção de diversos fatores que envolvem os “métodos degradantes” no local de trabalho, a ideologia do autoempreendedorismo, um agravamento das desigualdades e um afastamento do princípio da solidariedade e dos serviços públicos. O perigo é grande: “o humano” está desaparecendo. Segundo o filósofo e escritor francês, embora tenhamos tido um ganho de consciência – com uma crítica “cada vez mais virulenta e extensa” ao capitalismo –, permanecemos na retórica e não estamos conseguindo mudar nada. Este livro, editado pela Herder, trata de como chegamos até aqui, o que inclui também uma proposta de enfrentamento daquela “política de nós mesmos” a que se refere o título. Na Argentina, onde Milei acaba de ser eleito presidente, a leitura do diagnóstico faz mais sentido do que a proposta, que soa distante, como uma utopia.

Hacer disidencia… é uma continuação do notável A era do indivíduo tirano onde Sadin falou sobre como erroneamente nos percebemos empoderados com nossas “próteses digitais”, da morte do comum, da crescente atomização da sociedade e da violência. Ele diz, em seu novo livro, que muitas vezes lhe perguntaram “o que fazemos?” num contexto tão apocalíptico como aquele que pintava. Com uma “abordagem estratégica” e um tom de autocrítica, Hacer disidencia é, pois, a sua resposta a essa pergunta.

Citando Tolstoi, que disse que “o que produz o movimento dos povos é a atividade de todas as pessoas que participam do acontecimento”, Sadin propõe que seus leitores deixem de ser “espectadores do teatro do nosso mundo” para se tornarem atores.

Não é fácil fazer mudanças porque – como explica no primeiro capítulo – desde a “virada neoliberal” dos anos 80, vêm ocorrendo mudanças no mundo do trabalho que são “eminentemente” políticas. Normas “implacáveis”; ausência de interlocutores diretos; hierarquias indiscerníveis. Há algum tempo, neste patamar “a prioridade não é dar a sua própria contribuição, mas se acomodar a objetivos previamente definidos”, então “qualquer um (…) equivale a qualquer um” e “cada pessoa é reduzida a um ser sem qualidade”. Surgiu ali um novo ethos. A concepção de empresa, que implica uma “situação de antidemocracia”, foi imposta “massivamente”.

Por volta de 2010 tudo isto se aprofunda com a “inovação tecnológica”: as ordens provêm de sinais provenientes de dispositivos tecnológicos. O exemplo mais claro é o Uber. Consequências desta “nova condição civilizatória” dependente da inteligência artificial: despersonalização, negação da singularidade e da integração das pessoas, desorientação, sensação de invisibilidade, tristeza. O autor acrescenta, mais adiante em seu livro, os desvios de uma “telessocialização” generalizada que se tornou normal após a pandemia, apagando os corpos e estabelecendo um sistema de castas.

Tudo isso lhe importa mais do que o controle digital da população. Estamos caminhando para uma “mercantilização total de nossas vidas”; estamos em meio a um processo que reduz o ser humano à categoria de “meros meios”; já somos “quase coisas”. “Proliferaram processos que representam uma afronta radical (…) à nossa condição humana, a ponto de quebrar corpos, destruir espíritos, acabar com a autoestima (…)”. Sadin acredita que é necessária uma “cultura da rejeição” que se oponha à “instrumentalização das pessoas e da vida”.

Em seguida, aborda a questão da “ingovernabilidade permanente” – presente em seu trabalho anterior – e analisa a desconfiança das “massas” no discurso oficial – muito claro nas redes – e mobilizações como as da Primavera ÁrabeOccupy Wall StreetIndignadosColetes Amarelos e a mobilização do povo chileno, que começaram na “esperança” e terminaram na “decepção”. Nestes tempos, para o pensador, a insatisfação assume sobretudo uma “forma verbal”, repetida a ponto de nada produzir e se voltar a um “neoconformismo”. Em outras palavras: estamos mais conscientes, mas também mais impotentes. Representa graficamente este último com a figura de Greta Thunberg. Questiona um “humanismo ecológico” que não consegue atender as “prioridades da época”.

Diante do “esgotamento de um modelo”, de um “fim de ciclo”, Sadin – que cita MarxFoucault e Arendt, também Kant e Diderot, e vai muito mais para trás ao trazer de volta Aristóteles – propõe rever as noções que temos do Estado e da democracia. Já não basta denunciar ou manifestar-nos apenas quando estamos desesperados ou dar piruetas de maneira individual. E para ele, já não funcionam soluções como a renda básica universal – “uma esmola” dada aos pobres pelos poderes públicos, com o Estado posicionado como se fosse “Deus Pai”.

Trata-se de romper com a “equação” que nos paralisa há mais de um século: por um lado, o que pode surgir das bases; do outro, o que pode vir do Estado. Numa terceira fase, deveria renascer “a característica da nossa condição política”, com “a institucionalização da alternativa” (aqui cita Castoriadis): o dinheiro público deveria encorajar a criação de projetos movidos por “objetivos virtuosos”, implementados por coletivos que em todas as áreas da vida – como a educação, a cultura, a saúde, a produção artesanal – “favorecem o desenvolvimento das pessoas, melhoram a expressão da criatividade, o estabelecimento de relações de equidade e solidariedade e o respeito pelos equilíbrios naturais”. Dessa forma, as “doses de tristeza” que nos invadem poderiam ser substituídas por “doses de alegria”.