Os “inimigos alemães” do Papa Francisco.

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(Nota do site – mesmo este espaço não dar destaque para assuntos constitucionais das religiões formais, este assunto de hoje interessa a toda a humanidade por mostrar duas visões de mundo que se refletem nas hegemonias e nos procedimentos cotidianos das práticas do mundo ocidental. Grato). Algo se move na Alemanha. A terra que viu nascer Lutero e Ratzinger, onde se traçaram as duas grandes linhas mestras da teologia conciliar (Tübingen e Regensburg), volta a apresentar-se hoje como exemplo das duas “almas” da Igreja católica: a reformista e a conservadora. Hoje [sexta-feira, 13], quando se completam nove meses do pontificado de Francisco, precisamente vozes alemãs exemplificam a discussão, o debate (e quem sabe um possível cisma adormecido) na Santa Sé.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526659-os-inimigos-alemaes-do-papa-francisco

 

A reportagem é de Jesús Bastante e publicada no sítio Religión Digital, 13-12-2013. A tradução é de André Langer.

 

O acesso à comunhão dos divorciados recasados foi a faísca que acendeu a mecha do debate, que a imprensa alemã analisou com crueza. “O mundo gosta dele, mas…”, diz a manchete do Die Zeit, que dá nomes e sobrenomes tanto aos antagonistas como aos paladinos do Papa Bergoglio na Igreja do gigante centroeuropeu. De um lado do campo de batalha estão o secretário pessoal de Joseph Ratzinger, Georg Gänswein, e o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, ambos criados no espírito de Tübingen (e do Papa emérito); do outro lado, os reformadores cardeais Reinhard Marx (um dos membros do C8 cardinalício), e Walter Kasper.

 

Os “inimigos” de Francisco são poucos, mas influentes. Podem ser vistos na cúria, entre os antigos colaboradores de Ratzinger e entre os que temem que uma Igreja mais aberta e dialogante acabe com as estruturas de poder, e com a própria visão da instituição como uma entidade mística e divina (e, portanto, inatacável). “Um poderoso clã de cardeais – conta o Die Zeit –, para quem o argentino, com seu espontâneo entusiasmo, modéstia, informalidade e, sobretudo, seu decidido ânimo reformista, converteu-se em uma ameaça à sua tradição de poderio”.

 

O mundo gosta do Papa, mas… e no interior da Igreja? A oposição silenciosa a Bergoglio, como se ressaltou, cada vez é menos silenciosa, e alguns já falam em cisma encoberto, que poderia plasmar-se caso se abrir as portas para os divorciados recasados, questão que não deveria ser tão relevante em um mundo no qual a doutrina teria que estar submetida ao mandamento do amor e da misericórdia, como aponta o próprio Francisco. Francisco é visto por este grupo como um “latino irresponsável, que chegou e atreveu-se a desafiar e a desestruturar a estrutura milenar da Igreja”.

 

Tanto Müller como Gänswein, explica o semanário alemão, lavraram sua profusa biografia eclesiástica na poderosa e milenar “sementeira”, ou melhor, “criadouro”, teológico da arquidiocese de Regensburg, de onde foram ditados dogma e doutrina católica desde 1108, e se decidiu o rumo da Igreja, quase tanto ou mais que no próprio Vaticano.

 

É a mesma sementeira de onde proveio o Papa emérito Joseph Ratzinger, que, em outubro de 2012, quatro meses antes de renunciar, elevou o seu discípulo, o cardeal Gerhard L. Müller, ex-bispo de Regensburg, ao cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a segunda posição mais importante e com mais poder no Vaticano – depois do Pontífice –, cuja função é análoga e, de fato, sucessora do que foi o Tribunal da Inquisição. Se dermos como certo o que foi dito, que o hoje emérito pensou em sua renúncia já em março de 2012, após sua viagem ao México, a nomeação de Müller poderia representar uma tentativa de perpetuar um modelo de controle doutrinal.

 

Die Zeit aponta Gerhard Ludwig Müller, de 64 anos, como o principal antagonista de Francisco, e analisa as posições eclesiásticas de um e de outro, embora colocando-os em posturas absolutamente encontradas, que provavelmente mereceriam uma consideração mais moderada. Estas são algumas delas:

 

“Enquanto Francisco está decidido a trabalhar por uma Igreja simples e misericordiosa, Müller lidera o grupo de cardeais para quem o poder e a riqueza da Igreja são matérias indiscutíveis. Enquanto Francisco chegou decidido a buscar e encontrar aliados, também entre os contrários, como é o caso da sua aproximação aos protestantes, o cardeal Müller vê neles grandes inimigos, dos quais a Igreja é obrigada a se defender”.

 

“Enquanto Francisco estende sua mão aos católicos desencaminhados, como, por exemplo, os divorciados, Müller fecha o diálogo com eles e insiste com mão de ferro em seguir proibindo-lhes a comunhão e um lugar na Igreja”.

 

“Enquanto Francisco afasta os fiéis de bispos esbanjadores e vaidosos como o ex-titular da diocese de Limburg, Tebarz-van Elst, o cardeal Müller protege-o abertamente, busca aliados em Regensburg e insiste em que deve voltar ao seu cargo e posição”.

 

“Enquanto a visão da Igreja de Francisco baseia-se em que os crentes e suas necessidades devem ser levadas em conta na hora de decidir as normas, para Müller é a Igreja quem rege sobre o mundo católico e é ela quem impõe aos seus fiéis o que é bom e o que é ruim”.

 

“Enquanto Francisco está decidido a encontrar e assinalar os pecadores no próprio Vaticano, Müller aferra-se persistentemente à sua necessidade de que seja seu tribunal quem deve administrar as condenações”.

 

“Enquanto a matéria-prima do apostolado de Francisco é reimplantar a misericórdia como distintivo católico, o capital do Müller é propagar e administrar o medo católico, matéria-prima do que foi desde tempos imemoráveis a função dos temidos guardiões da fé”.

 

O outro “inimigo alemão” de Bergoglio está muito próximo dele. Trata-se do prefeito da Casa Pontifícia, e secretário pessoal de Ratzinger, Georg Gänswein. Em recentes declarações, Il Bello Giorgio, mostrava como lhe foi difícil aceitar a renúncia de Bento XVI e como algumas das primeiras decisões do seu sucessor, como deixar o Palácio Apostólico e viver em Santa Marta, representavam para ele uma afronta ao seu mestre Ratzinger.

 

“Por acaso, o Papa anterior e os anteriores não eram nem viviam modestamente?”, declarou Gänswein, que sentiu a saída do Papa emérito como “uma amputação”. O relatório do Die Zeit cita Gänswein com declarações sobre o pontificado de Francisco com teor altamente irônico e amargo.

 

“O que estou fazendo é esperar para que chegue cada dia para me inteirar do que hoje será diferente de como foi”. E não há dúvida de que Francisco está dando muitos exemplos de que seu pontificado é e será diferente do que sempre foi.

 

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