O silêncio das autoridades públicas diante de afrontas aos direitos constitucionais.

“Ao silenciar, o governo compactua com as ofensivas dos ruralistas contra a vida dos povos indígenas, estes que historicamente são discriminados, perseguidos, ameaçados, vitimados por doenças e têm suas lideranças assassinadas em emboscadas, tocaias e em ações de setores que tomam nas mãos o que consideram ser a ‘‘”. O comentário é de Roberto Liebgott da equipe Cimi Sul em artigo publicado no portal do Cimi, 10-12-2013 sobre o ‘leilão da resistência’ promovido pelos ruralistas no Mato Grosso do Sul.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526545-o-silencio-das-autoridades-publicas-diante-de-afrontas-aos-direitos-constitucionais

 

Eis o artigo.

Realizou-se no dia 7 de dezembro, em Campo Grande (MS), o chamado “leilão da resistência”. O evento (que teria o objetivo de arrecadar dinheiro para a contratação de seguranças armados – diga-se pistoleiros – e atacar comunidades indígenas) foi promovido, com ampla divulgação na mídia e internet, pela Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) e, além delas, contou com o apoio e presença de parlamentares, especialmente aqueles vinculados à bancada da agropecuária (ruralistas) do Congresso Nacional.

Os propósitos das entidades ruralistas, de mobilizar “produtores rurais” contra os povos indígenas que lutam pela demarcação de suas terras, bem como seu potencial para incitar a violência direta contra estes povos, vinham sendo denunciados há mais de um mês por organizações da sociedade civil e por lideranças indígenas.

São tão suspeitas as razões para esta iniciativa que Kátia Abreu (presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA – e senadora pelo PMDB) apressou-se em afirmar que não serão criadas milícias e nem adquiridas armas com os recursos arrecadados pelo leilão. A defesa veemente e o uso destes termos indica que esta possibilidade existe, posto que foi pensada e ventilada e precisou ser rebatida. E os recorrentes eventos de violência contra os povos indígenas, envolvendo armas de fogo e jagunços encapuzados já são, por si só, um perigoso indício do que pode vir a ocorrer em nosso país depois destas iniciativas com caráter público, no entanto marcadamente criminosas.

Considerando ser uma ação que põe em risco a segurança e a vida dos povos indígenas e acolhendo uma ação impetrada pelo Conselho da Aty Guasu e Conselho do Povo Terena, em 4 de dezembro de 2013, a juíza Janete Lima Miguel, da 2ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande, determinou que o leilão não fosse realizado. Na decisão, ela argumenta o que se denunciava, ou seja, que o leilão “tem o poder de incentivar a violência (…) e colide com os princípios constitucionais do direito à vida, à segurança e à integridade física”. E conclui ainda que “esse comportamento por parte da parte [fazendeiros] não pode ser considerado lícito, visto que pretendem substituir o Estado na solução do conflito existente entre a classe ruralista e os povos indígenas”

A 4ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande (MS), depois de acionada pelos representantes dos ruralistas, liberou (no final da noite do dia 6) a realização do tal leilão da resistência. Os indígenas recorreram junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e, em caráter liminar, o desembargador Lionel Ferreira manteve o leilão desde que as três condicionantes impostas pela Justiça Federal de Mato Grosso do Sul fossem adotadas: 1. O dinheiro arrecadado com o leilão será depositado numa conta judicial e controlado pela Justiça; 2. Os leiloeiros deverão discriminar os nomes dos arrematadores e os valores pagos; 3. A utilização dos recursos arrecadados com o leilão só poderá ser feita depois de a Justiça ouvir o Ministério Público Federal (MPF) e as organizações indígenas Conselho da Aty Guasu e Conselho do Povo Terena.

O que mais chamou atenção, no caso desse leilão criminoso foi o silêncio absoluto do governo federal, especialmente do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, da presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Augusta Assirati, da Ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e dos integrantes da Secretaria Geral da Presidência da República, onde estão empoleirados, além do ministro Gilberto Carvalho, o senhor Paulo Martins Maldos, que durante décadas acompanhou toda espécie de violações aos direitos indígenas e hoje, no governo, silencia diante de uma iniciativa que abertamente convoca setores da sociedade civil a unirem-se para angariar fundos específicos e com isso combater direitos indígenas resguardados pela Constituição Federal.

Esses representantes do governo federal são omissos quanto ao leilão criminoso e igualmente responsáveis por toda e qualquer prática de violência que vier a ocorrer contra as comunidades e lideranças indígenas. Lamentavelmente ações de violência passaram a acontecer de forma mais intensa nas últimas semanas em Mato Grosso do Sul, onde lideranças Terena, Guarani e Kaiowá estão sendo ameaçadas de morte e sofrendo atentados. E, no caso do leilão dos ruralistas não há, por parte dos integrantes do governo, como tentar justificar de que não sabiam de nada, uma vez que o evento foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação e anunciado no Congresso Nacional por parlamentares que compõem a base de sustentação do governo federal. Além disso, jornalistas de diferentes agências de notícia informam, nas reportagens divulgadas sobre esse absurdo leilão, que procuraram escutar instâncias do governo, mas que, apesar de inúmeras tentativas não obtiveram sucesso.

Este fato se soma a tantos outros e demonstra que no governo da presidente Dilma os “senhores do ” estão muito à vontade, dando as cartas em um perigoso jogo no qual se busca barganhar e violar as regras constitucionais. Ao silenciar, o governo compactua com as ofensivas dos ruralistas contra a vida dos povos indígenas, estes que historicamente são discriminados, perseguidos, ameaçados, vitimados por doenças e têm suas lideranças assassinadas em emboscadas, tocaias e em ações de setores que tomam nas mãos o que consideram ser a “justiça”.

O governo assume, neste caso, uma atitude omissa em relação aos povos indígenas, que mais uma vez encontram-se ameaçados. E, em relação às terras que estão sendo identificadas como de ocupação tradicional indígena, o governo federal tem se negado ao cumprimento de suas atribuições de proteger e fazer respeitar os bens da União. Vale ressaltar que o Art. 20, XI da Constituição Federal estabelece que “são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”. Assim, além da grave omissão diante de um risco concreto de prática de crimes contra a vida dos indígenas, as autoridades (no exercício do poder) praticam crime de improbidade, já que é sua obrigação constitucional fazer a defesa dos bens públicos, que precisam ser zelados, respeitados e protegidos.

E se – nos jogos de interesses dos governantes e nos discursos desenvolvimentistas tão propagados na atualidade – a vida das pessoas, comunidades e povos indígenas não têm importância política, jurídica, econômica, as terras por eles ocupadas (ou a serem ocupadas) deveriam ser prioridade das autoridades federais uma vez que (elas – as terras) constituem-se em importantes fontes de riquezas para o país, especialmente pelo potencial energético, ambiental e mineral. O governo, ao permitir que grileiros, fazendeiros e empresários explorem, depredem e dilapidem os territórios indígenas, pactua com os crimes contra o patrimônio público, contra a sociedade, contra o país.

Chama igualmente atenção o fato de não ter havido, de outras instituições ou poderes do Estado, manifestações públicas e até jurídicas contrárias ao leilão criminoso dos ruralistas. E não se pode deixar de lembrar que os discursos difundidos pelos meios de comunicação e redes sociais foram proferidos pelos representantes dos setores do agronegócio e por parlamentares da Câmara dos Deputados e Senado, bem como por deputados e vereadores nos estados de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Apesar dos conteúdos agressivos e que instigavam a prática de violência contra os povos indígenas, quase não se ouviu de personalidades, inclusive eclesiais, como do arcebispo de Campo Grande (MS), e de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Juízes para a Democracia (AJD), posicionamentos de repúdio ou contestação ao leilão e seus proponentes e incentivadores.

Foi necessário às organizações indígenas (Conselho da Aty Guasu e Conselho do Povo Terena) ingressarem com uma ação judicial solicitando o cancelamento do leilão e, com isso, impor que houvesse (contra ou a favor) uma manifestação de um dos poderes públicos, o Judiciário. Somente depois desta ação se conseguiu, ao menos em parte, evitar que as organizações dos ruralistas, com o aval de parlamentares e a omissão do governo federal, pudessem livremente angariar e utilizar dinheiro deste leilão para “segurança privada ou milícias” – o que resultaria na intensificação das ameaças, dos ataques e, consequentemente, dos assassinatos de indígenas em Mato Grosso do Sul. Também, em função da mobilização indígena, se escancaram interesses e iniciativas que violam e contrariam nossos mais caros princípios de justiça e humanidade estabelecidos na Constituição Federal e num conjunto de acordos e convenções internacionais dos quais o país é signatário.

O que está em jogo, neste caso, não é o fato de liberar ou coibir um simples leilão promovido por corporações rurais. Está em jogo o estabelecimento de limites para ações individuais e coletivas que denotam uma vontade de fazer justiça com as próprias mãos. É uma luta em torno de limites tão caros a um regime democrático e diz respeito, também, às premissas da justiça e da dignidade humana, que não podem e não devem se dobrar ao capitalismo e aos ditames autoritários de quem detém o poder e o dinheiro.

 

Indígenas Munduruku ocupam sede da AGU em Brasília

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526544-indigenas-munduruku-ocupam-sede-da-agu-em-brasilia

Cerca de 50 Munduruku de aldeias do Alto e Médio Tapajós, no Pará, ocupam desde o início da tarde desta terça, 10, a sede da Advocacia-Geral da União (AGU). O movimento ocorre por tempo indeterminado, sendo organizado pela Associação Da’uk, formada em uma assembleia de caciques Munduruku há pouco mais de um mês.

A reportagem é publicada pelo portal do Cimi, 10-12-2013.

Os indígenas pedem ao ministro Luiz Inácio Adams a revogação da Portaria 303, a demarcação da Terra Indígena Munduruku no Médio Tapajós e que a AGU não recorra de decisão do juiz Illan Presser, da 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, que suspendeu o leilão para a Usina Hidrelétrica de São Manoel, no Rio Teles Pires.

O leilão estava marcado para acontecer nesta sexta, 13. Se construída a usina no Rio Teles Pires, na divisa entre os estados do Mato Grosso e Pará, aldeias e locais sagrados dos povos Kayabi e parte das aldeias Munduruku serão inundados e deixarão de existir, o que promoverá diásporas e consequências insondáveis para a continuidade da vida destes povos.

Durante a ocupação da sede da AGU, uma comissão de Munduruku tentará audiência com o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), o desembargador Mário Cesar Ribeiro. O objetivo é tentar sensibilizá-lo para que mantenha a decisão do juiz Presser pela suspensão do leilão. Durante a ocupação, os indígenas Munduruku distribuíram ainda uma carta contra a usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará.

“A Portaria (303) é ruim porque permite a construção de usinas em nossos rios sem consulta ao povo e também dificulta a demarcação das terras tradicionais, que no Médio Tapajós ainda não aconteceu”, explica Josias Manhuary Munduruku. A liderança frisa que a AGU é quem briga na Justiça para que os processos que envolvem a construção de UHE, PCH e barragens sejam executados. “AGU é inimigo nosso. Não faz nada de bom”, ataca.

Há quatro meses os Munduruku do Médio Tapajós aguardam a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicar estudo identificando da terra indígena.