O que significa quando a vanguarda capitalista começa a falar sobre desigualdade?

“Agora não é apenas George Soros, o bilionário de fundos especulativos, que alegremente se descreve como um traidor da classe e que tem se preocupado com as deficiências do que ele chama de fundamentalismo do livre mercado por décadas. Entre os plutocratas, esta perspectiva outrora radical está se popularizando”, escreve Chrystia Freeland, representante de Toronto no Parlamento do Canadá, jornalista e autora do livro Plutocrats: the rise of the New Global Super-Rich and the Fall of Everyone Else.

 

 

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O artigo foi publicado no sítio da revista Politico, 08-06-2014. A tradução é de Cláudia Sbardelotto.

Eis o texto.

No início deste ano, a maneira mais confiável para um bilionário aparecer nas manchetes era comparar a sugestão de aumento de impostos com a Alemanha nazista. Ultimamente, porém, a mudança mais interessante na política da plutocracia tem sido mais gentil.

Haverá mais analogias a Hitler, é claro, mas um outro grupo entre o super-ricos está começando a ir no sentido oposto. Alguns plutocratas aceitam a evidência de que o não está mais funcionando para a classe média, e estão tentando descobrir o que fazer sobre isso.

Agora não é apenas George Soros, o bilionário de fundos especulativos, que alegremente se descreve como um traidor da classe e que tem se preocupado com as deficiências do que ele chama de fundamentalismo do livre mercado por décadas. Entre os plutocratas, esta perspectiva outrora radical está se popularizando.

Pôde-se ver isso em Londres, no final de maio, em uma conferência sobre “capitalismo inclusivo”. Nos graciosos salões dourados do Guildhall, a sede histórica da cidade, um dos dois centros do mundo das finanças, os investidores internacionais que controlam 30 trilhões de dólares em capital – um terço do total global – se reuniram para discutir, como disse Paul Polman, CEO da Unilever, “a ameaça capitalista ao capitalismo”.

Polman e Lynn Forester de Rothschild, organizadora da conferência, escreveram em um ensaio introdutório que o capitalismo “muitas vezes provou ser disfuncional em aspectos importantes. Muitas vezes incentiva uma visão estreita, contribui para grandes disparidades entre os ricos e os pobres e tolera o tratamento irresponsável de capital ambiental. Se esses custos não podem ser controlados, o apoio para o capitalismo pode desaparecer”.

Isso foi apenas a abertura. A discussão iniciou com Fiona Woolf, a prefeita do distrito financeiro da cidade de Londres, que alertou que o capitalismo precisa ser “para todos, e não apenas para uns poucos privilegiados”. Em seguida foi oPríncipe Charles – sim, aquele príncipe Charles – que falou que o triunfalismo do capitalismo quando a União Soviéticaentrou em colapso tinha sido um erro e que “o trabalho a longo prazo do capitalismo é de servir as pessoas, e não o contrário”.

O discurso de abertura da manhã foi feito por Christine Lagarde, diretora executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela citou tanto a previsão de Karl Marx de que o capitalismo “carregou as sementes de sua própria destruição”, e acaracterização do Papa Francisco sobre a crescente desigualdade como “a raiz do mal social”. Ela pronunciou-se contra a reação favorita dos centristas sobre o aumento das desigualdades, “que, em última instância devemos nos preocupar com a igualdade de oportunidades, não a igualdade de resultados”. O problema, disse a senhora Lagarde, é que essa oportunidade nunca poderá ser igual em uma sociedade profundamente desigual. Ela pediu mais sistemas tributários progressivos e maior uso do imposto sobre a propriedade.

Estas prescrições podem ser naturalmente esperadas dos populistas que levaram Bill de Blasio à prefeitura de Nova York após 12 anos de reinado plutocrático de Mike Bloomberg ou dos partidários de Elizabeth Warren, a senadora liberal de Massachusetts. Mas elas vieram da diretora executiva do FMI, cuja organização tem sido a vilã na visão de mundo do movimento anti-globalização, o cérebro diabólico da “doutrina de choque” da plutocracia para dominar o planeta.

Essa narrativa ainda está bem viva – Lagarde recusou um convite para ser palestrante no início deste ano no Smith College depois que alunos e professores reclamaram que ela não deveria ter sido convidada porque o FMI era “um sistema corrupto” que alimenta a opressão e o abuso de mulheres em todo o mundo.

No Guildhall, o dia terminou com o discurso do orador principal da noite, um dos arquitetos e fiscalizadores do capitalismo global, Mark Carney, governador do Banco da Inglaterra. Ele disse que o aumento da desigualdade de renda era real e internacional: “No seio das sociedades, praticamente sem exceção, a desigualdade de resultados, tanto dentro de uma geração como intergeracionalmente, tem comprovadamente aumentado”. Ele refutou o argumento centrista popular que isso tem a ver com meritocracia: “Agora é a hora de ser famoso ou de ter sorte”. E ele avisou, com uma linguagem forte, que o sistema capitalista estava em risco: “Assim como qualquer revolução come seus filhos, o fundamentalismo de mercado sem controle pode devorar o capital social essencial para o dinamismo de longo prazo do próprio capitalismo”.

O espetáculo de plutocratas comendo risoto porcini em uma mansão georgiana e lamentando os excessos do capitalismo clama pela ironia de Tom Wolfe – um comentarista britânico foi nessa direção ao satirizar que a reunião teria sido mais apropriadamente chamada de um encontro sobre o “capitalismo exclusivo”.

Mas esse foi precisamente o ponto – e por que a conferência, e a tendência mais ampla é parte da questão. A maior parte da conferência “Capitalismo Inclusivo” não foi registrada, mas os participantes foram nominalmente convidados da plutocracia global, incluindo Eric Schmidt, presidente executivo da GoogleStephen Schwarzman, co-fundador e CEO da Blackstone, e os CEOs das companhias UBSGlaxoSmithKlineDow Chemical e Honeywell.

Há outros sinais dessa mudança. As finanças sociais, que levam em conta os objetivos sociais e ambientais, está se movendo de um nicho pequeno para a maioria – 1 trilhão de dólares foram investidos em fundos de financiamentos sociais nos Estados Unidos em 2012, um aumento de cinco vezes de 202 bilhões de dólares em 2007. Sallie Krawcheck, uma ex-executiva sênior do Citigroup e do Bank of America, em junho abriu um fundo de índice focado em empresas com um maior número de mulheres em cargos superiores e em seus conselhos de administração. Ela disse que o objetivo é ter um impacto social e ao mesmo tempo ganhar um retorno de investimento justo. Alguns outros líderes empresariais, em indústrias que não são consideradas como tendo muita consciência social, estão começando a apoiar políticas públicas que elevariam seus custos no curto prazo. Eles incluem o CEO do McDonalds, que em um discurso pouco notado, em maio ûltimo, disse que o “McDonalds vai ficar bem” se o salário mínimo subir.