O novo Código Florestal e as mentiras que nos contam os ruralistas.

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Para o meio ambiente e para o futuro do planeta e dos povos, a aprovação do novo foi mais uma batalha perdida, entre tantas outras. Se o texto aprovado no Senado já era ruim, as alterações feitas na Câmara constituem um retrocesso, diante do consenso mínimo alcançado entre ambientalistas e ruralistas no Senado, e uma vitória para o . A posição do governo vai contra o texto aprovado, e a expectativa agora é que a presidente vete partes do texto, regulamentando o que se fizer necessário por decreto. Na hipótese de um veto integral, bastante improvável, provavelmente a decisão presidencial seria derrubada no Congresso.

 

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por João Gabriel Vieira Bordin*

florestal 300x233 O novo Código Florestal e as mentiras que nos contam os ruralistas 

Entre os pontos ambientalmente sensíveis do novo Código estão a desobrigação, por parte do produtor rural, de reflorestar a área de proteção permanente nas margens de rios acima de dez metros (além de mudar o parâmetro de medição das APPs em margens de rios, agora medido a partir de seu leito regular e não máximo); a anistia para quem desmatou ilegalmente até julho de 2008, com a suspensão de multas; a incorporação de APPs ao cômputo da Reserva Legal; a liberação de crédito agrícola mesmo para o produtor que estiver em débito com a legislação ambiental (além da garantia de sigilo sobre o status dos produtores rurais no Cadastro Ambiental Rural); a desobrigação de recompor a Reserva Legal para propriedades de até quatro módulos fiscais. De modo geral, o que o novo Código cria é a noção de áreas cultivadas consolidadas, ou seja, áreas já desmatadas e utilizadas com fins agrícolas, desabonando o agricultor da necessidade de reflorestá-las ou relativizando o modo e grau desse reflorestamento.

Argumentam, os defensores do novo Código, que, em primeiro lugar, penalizar os proprietários rurais em razão de desmatamento ocorrido no passado constituiria uma grande , na medida em que implicaria na retroatividade da lei, e que, em segundo, a perda das áreas já consolidadas como agriculturáveis traria prejuízos econômicos para a atividade agrícola e para a brasileira de modo geral. Ora, retroativa ou não, a lei florestal trata de interesse social, nacional e global, amplo e fundamental, que, portanto, deve prevalecer vis-à-vis ao interesse particular. Cabe ao poder público assistir financeira e juridicamente os produtores rurais no processo de reflorestamento e determinado em lei. Ademais, se é injustiça obrigar o agricultor a reflorestar área não desmatada por ele, desonerá-lo desse dever constitui injustiça ainda maior com o agricultor cumpridor da lei. Quanto aos supostos prejuízos econômicos decorrentes do reflorestamento, o possui imensas áreas agriculturáveis inutilizadas ou subutilizadas, situação resultante da histórica concentração de terras no país. Ora, o objetivo do desenvolvimento agrário deve ser o crescimento da produção mediante aumento da produtividade e não mediante expansão da fronteira agrícola.

Apesar da ideia cotidianamente veiculada de que haveria consenso entre ambientalistas, produtores rurais, cientistas, políticos, etc., sobre a necessidade de se reformular o Código Florestal de 1965, em vigor até hoje, a verdade é que tal iniciativa é de autoria de ruralistas e seus interessados. O projeto de lei, portanto, já nasce indelevelmente eivado pelo não compromisso com a proteção ambiental. O ensejo para as discussões em torno de um novo marco para a atual legislação foi dado na segunda metade da década de 1990 (anos nos quais foram registradas taxas recordes de desmatamento), quando novos mecanismos de proteção ambiental foram criados, aumentando a fiscalização e repressão sobre os crimes ambientais. Em 1998, promulgou-se a Lei de Crimes Ambientais, e o Ministério Público passou a atuar mais veementemente nas questões relacionadas à preservação do meio ambiente. Dez anos depois, novas medidas foram instituídas, incluindo a restrição a crédito bancário para os produtores que não estivessem em dia com a legislação ambiental.

Diante desse ataque, os ruralistas se mobilizaram, iniciando uma cruzada contra o velho Código Florestal de 1965. Pelo menos dois argumentos, in totum falaciosos, foram brandidos para sustentar a tese da necessidade urgente de reformar a legislação ambiental.

Afirmam eles, em primeiro lugar, que o Código de 1965 não tem base científica, e que, em segundo, engessa e impede o desenvolvimento da brasileira, prejudicando, sobretudo, os pequenos produtores. Ora, pautando semelhante argumento está a ideia essencialmente primitiva de que o desenvolvimento agrário se faz extensivamente e não intensivamente, ou seja, faz-se pela ampliação da fronteira agrícola, com todas as suas nefastas implicações ecológicas, e não pelo desenvolvimento técnico e tecnológico que possibilite melhor aproveitamento das terras agriculturáveis hoje disponíveis. Um bom exemplo nesse sentido é a , extensiva em demasia e responsável por grande parte do desmatamento na região amazônica. O primeiro argumento não é menos falacioso. Recentemente, pesquisadores da USP concluíram em estudo que os dispositivos expressos no Código Florestal são compatíveis com o que se sabe sobre as condições ecológicas de equilíbrio ambiental, e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência não poupou críticas à proposta da nova legislação.

O fato é que os ruralistas brasileiros ainda pensam como pensavam os colonizadores desde a época do Brasil colônia e imperial: há terra demais sobrando, inutilizada por uma cobertura vegetal que economicamente não oferece retorno algum. Se lhes fosse possível, passariam por cima não só das áreas e reservas de proteção ambiental, mas também das terras indígenas e quilombolas. Para os diretamente interessados no agronegócio, a reformulação do Código Florestal nada tem a ver com a proteção ao meio ambiente, a despeito da ladainha com que eles procuram afetar preocupação e consciência ambiental. Uma vez que a atual legislação tolhe-lhes a margem possível de destruir sem serem penalizados, querem flexibilizá-la a todo o custo, amparados pela grande mídia empresarial que repercute fazendo eco aos seus desconchavos.

Por fim, há ainda aquele outro argumento em que se escudam os ruralistas: uma vez que a legislação ambiental impede o desenvolvimento da agricultura, logo a produção de alimentos fica comprometida. Este argumento seria irrefutável se não fosse o simples fato de que o agronegócio não produz alimentos, à exceção talvez da carne. Produzem commodities para exportação e para servir de matéria-prima à alimentação de animais de corte, além da cana-de-açúcar para a produção de álcool. Quem produz alimentos – arroz, feijão, batata, alface, etc. – são pequenos agricultores, em muitos casos em regime de produção familiar. E não são eles os diretamente afetados pela legislação vigente, mas os grandes proprietários e seus latifúndios. Impressiona a desfaçatez inacreditável com que os ruralistas procuram se esconder à sombra do pequeno produtor e da ideia de que produzem alimentos. Em resposta às mentiras despudoradas da Confederação Nacional da Agricultura, entidade patronal que defende os interesses do agronegócio, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura entregou, há dois anos, aos parlamentares membros da bancada ruralista, um documento no qual afirma que os ruralistas não falam em seu nome.

A verdade é que, do ponto de vista da proteção ambiental, a questão do Código Florestal não é jurídica, mas política. A atual legislação ambiental brasileira é extremamente avançada e eficiente no que tange à preservação do meio ambiente. Não que não haja necessidade de atualizar e consolidar a lei, remendada ao longo de mais de 40 anos por decretos e resoluções. Mas a vulnerabilidade do antigo Código Florestal não reside em sua natureza jurídica, mas na falta de vontade política ao fiscalizar e punir os responsáveis por crimes ambientais – impunidade que, de resto, é um dos grandes males ingênitos da política brasileira. A nova legislação traz em seu seio uma concepção retrógrada da agricultura, incentiva práticas irresponsáveis e criminosas ao anistiar os proprietários rurais em desacordo com a lei, além de permitir a diminuição das reservas e áreas de preservação florestal. Ao flexibilizar as leis ambientais, e ao conceder anistia aos desmatadores, o novo Código Florestal vem para atender aos interesses econômicos de uma parcela muito pequena da população brasileira, bem como dos capitais internacionais investidos no agronegócio brasileiro, pondo em risco o direito à vida das futuras gerações.

* João Gabriel Vieira Bordin é cientista social.

** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.

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