O enfrentamento da colonialidade pelo jornalismo ambiental

Tangãi Uru-eu-wau-wa, Cinematographer. Credit: National Geographic/Alex Prtiz.

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Clara Aguiar e Eloisa Beling Loose

23 de janeiro de 2024

Promover a pluralidade de vozes e visões de mundo é um caminho para decolonizar nossa relação com a natureza.

Estrelado por indígenas do povo Uru-Eu-Wau-Wau, “O Território” foi consagrado no Emmy 2024 com a estatueta de Mérito excepcional na produção de documentários. Esse reconhecimento desempenha um marco significativo na promoção da decolonialidade. Isso porque amplifica narrativas compartilhadas pelas comunidades indígenas e desafia a visão tradicionalmente moldada por visões eurocêntricas. 

Em “O Território”, os Uru-Eu-Wau-Wau veem sua população ser dizimada e sua cultura ameaçada a partir do contato com os brancos. Em um cenário de incursões ilegais de extração de madeira, mineração e invasões de grilagem de terras – estimuladas por políticos de direita como o presidente Jair Bolsonaro – os jovens líderes indígenas, apoiados por ativistas ambientais, enfrentam os colonizadores montando a sua própria equipe de mídia independente. Por meio das tecnologias da comunicação, eles passam a expor e denunciar a realidade na qual estão submetidos. 

A perspectiva decolonial, embora recente nos estudos jornalísticos, está intrinsecamente relacionada aos pressupostos do jornalismo ambiental. Ao questionar práticas coloniais, esse campo se torna uma frente importante na luta por um mundo mais sustentável e justo. O jornalismo ambiental surge como uma especialidade engajada e crítica à lógica atual que negligencia os limites do planeta e os diversos saberes existentes. 

É preciso enfatizar que as reflexões sobre colonialismo e meio ambiente vão além da superexploração dos recursos naturais e da conservação da natureza, pois abrange os modos de ser e viver daqueles que habitam e dependem dela para a sua sobrevivência. Nesse sentido, o jornalismo possui um papel crucial na desconstrução de narrativas que perpetuam visões que naturalizam a subjugação do meio e do outro.

No jornalismo, os critérios de seleção de pautas e fontes são um reflexo das relações de poder estabelecidas a partir das práticas coloniais. Até os dias atuais, assuntos relacionados a nações colonizadoras ou que se alinham com as perspectivas dessas nações são frequentemente privilegiados em comparação às histórias que emanam de regiões colonizadas. A decolonialidade exige uma reavaliação dessas prioridades, incentivando uma abordagem jornalística mais equitativa que reconheça a complexidade e a diversidade das experiências.

O artigo “Jornalismo ambiental e decolonialidade: a ênfase em ouvir outras vozes”, escrito por pesquisadoras do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), aborda a importância do jornalismo comprometido com o meio ambiente em valorizar o pluralismo das fontes. As autoras apontam a urgência de que indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores e outros grupos marginalizados tenham a oportunidade de falar por si mesmos para romper com apagamentos legitimados pelo jornalismo hegemônico.  

A valorização dessas perspectivas – muitas vezes invisibilizadas no jornalismo – é fundamental para confrontar regras e normas institucionalizadas. Observa-se que, historicamente, houve a concessão de espaço apenas a fontes que ocupam uma posição de autoridade na sociedade, o que reflete exatamente a relação de dominação e inferiorização do outro característica do colonialismo.

Embora a diversidade de vozes seja um critério que qualificaria o jornalismo de forma geral, o jornalismo ambiental reforça a necessidade de proporcionar espaço de visibilidade para aqueles que possuem relações próximas, tradicionais e/ou sagradas com a natureza, diferentemente das fontes costumeiramente ouvidas pelos veículos que a enxerga apenas como potencial de exploração econômica. 

A separação entre sociedade e natureza facilita os processos de dominação. Ao abordar a natureza exclusivamente como um recurso a ser explorado, há o afastamento da ideia de que a humanidade é, também, uma espécie pertencente ao meio ambiente, conferindo uma hierarquização que subjuga outras formas de vida. 

A escolha de fontes e, consequentemente, de compreensões da realidade é um aspecto importante para nos situarmos socialmente. Ao escolher quais vozes e perspectivas são incluídas nas notícias, o jornalismo contribui para definir quem ou o quê é considerado relevante, importante ou digno de atenção. 

No processo de apuração, o jornalista recorre às fontes, pessoas que fornecem informações para a elaboração das matérias. É a partir dessas consultas que as narrativas são construídas e, consequentemente, alguns pontos de vista e pautas são mais (ou menos) visibilizados. Em outras palavras, ao selecionar e enfatizar certas narrativas em relação a outras, os veículos de comunicação podem orientar a atenção da sociedade para assuntos específicos, agendando debates e direcionando a discussão em torno de determinados enquadramentos. 

Tradicionalmente, as escolhas editoriais seguem baseadas pela escuta de fontes especializadas e/ou oficiais – a exemplo de políticos e representantes de grandes empresas – em detrimento das vozes afetadas pelas questões socioambientais, o que revela o quanto o jornalismo tende a trabalhar a favor da manutenção da colonialidade. É necessário evidenciar que disputas de poder e interesses econômicos são fatores que podem servir de explicação para essa tendência. Logo, o  jornalismo ambiental, uma prática engajada com a real sustentabilidade, se coloca numa posição de confrontação com esta perspectiva ao buscar decolonizar as narrativas e permitir a emergência da pluridiversidade.