Novo estudo aponta graves consequências do desmatamento da Amazônia.

As florestas úmidas não são somente reservatórios de biodiversidade e de carbono: elas também contribuem amplamente para abastecer as regiões tropicais com chuvas. Ao associar observações por satélite a simulações digitais, pesquisadores britânicos conseguiram avaliar essa contribuição. Seus resultados, publicados na quinta-feira (6) na revista “Nature”, preveem uma forte queda nas precipitações na bacia amazônica caso o desmatamento continue no ritmo atual.

 

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A reportagem é de Stéphane Foucart, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 07-09-2012.

“Para mais de 60% das terras tropicais, o ar que circulou acima das zonas de densa vegetação produz pelo menos duas vezes mais chuvas do que aquele que circulou acima de zonas esparsas”, escrevem, na conclusão do estudo, Dominick Spracklen (Universidade de Leeds, Reino Unido) e seus coautores.

“Esses resultados são importantes, ainda que não fossem inesperados”, comenta Simon Lewis, pesquisador no departamento de geografia da Universidade de Leeds, que não participou do estudo. “As florestas tropicais reciclam a água da chuva devolvendo-a à atmosfera: elas participam do transporte da umidade por centenas de quilômetros. Esses estudos mostram, cuidadosamente, que o desmatamento em grande escala em um local pode afetar uma vegetação muito distante de lá, ao reduzir as precipitações”.

Em 2007, um estudo publicado na “Geophysical Research Letters” já havia sugerido que uma redução de 40% da superfície da floresta amazônica poderia desencadear uma mudança irreversível do clima regional para condições áridas.

Na mesma linha, mas com outros indícios, os trabalhos de Spracklen indicam que até 2050 a continuidade do desmatamento da Amazônia no atual ritmo levaria a uma queda média de 12% das precipitações sobre essa bacia durante a estação úmida e de 21% durante a estação seca.

A projeção desse declínio é ainda mais preocupante pelo fato de que envolve regiões que “já têm uma forte probabilidade de sofrer secas mais fortes até o final do século, caso a temperatura global aumente 3 graus Celsius”, escreve Luiz Aragão, pesquisador na Universidade de Exeter (Reino Unido), em um comentário publicado pela “Nature”.

As consequências dessa sobreposição de efeitos “aridificantes” – desmatamento e aquecimento – “poderão ser enormes”, diz Luiz Aragão. Em termos ambientais, mas também econômicos.

Primeiro, esse duplo efeito “teria um severo impacto sobre aquilo que restaria da floresta, possivelmente levando a condições secas demais para que ela consiga resistir”, detalha Simon Lewis. Começaria então uma espiral de declínio e, mesmo considerando que o desmatamento possa cessar completamente, o maciço florestal estaria condenado a longo prazo.

Segundo, uma grande redução das precipitações não ameaçaria unicamente a floresta em si, mas também as atividades agrícolas da bacia amazônica, que hoje geram cerca de US$ 15 bilhões por ano (cerca de R$ 30 bilhões) de rendas segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Além disso, como ressalta Luiz Aragão, a hidreletricidade amazônica cobre cerca de 65% da demanda em energia elétrica do país. Só que a eficiência das usinas está condicionada à vazão dos rios, e, portanto, parcialmente às chuvas.

No entanto, os trabalhos conduzidos por Spracklen não são o que se chama de estudo de “atribuição”: eles não avaliam o peso relativo da variabilidade natural do clima, do aquecimento em andamento e do desmatamento nos últimos grandes episódios de seca que atingiram recentemente a área.

Em 2005, uma primeira grande seca havia sido chamada de “seca do século”, antes de ser destronada, somente cinco anos mais tarde, por um episódio ainda mais grave.

A análise desses dois fenômenos excepcionais, conduzida por Simon Lewis e publicada em fevereiro de 2011 na revista “Science”, havia mostrado que em caso de reincidência de tais acontecimentos a floresta amazônica poderá não só deixar de exercer seu papel de esponja de dióxido de carbono (CO2) – ela absorve e armazena mais de 1 bilhão de toneladas de CO2 a cada ano – , como também poderia se tornar emissora de gás de efeito estufa.

Uma perigosa reviravolta, que perturbaria o ciclo do carbono, mas também… os mecanismos econômicos internacionais de compensação de carbono baseados no papel de regulador climático da floresta tropical.

De qualquer forma, Lewis acredita que o estudo publicado é “uma razão a mais para utilizar as terras já esvaziadas de maneira mais eficaz e parar de transformar a floresta tropical em terras agrícolas”.