Os seres humanos que realmente se integram com o sagrado da Vida e da Natureza.
John Cannon, Traduzido por Carol De Marchi e André Cherri
21 Dezembro 2022
- Investidores de um fundo de US$ 1,7 bilhões anunciado na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas de 2021, a COP26, dizem já ter desembolsado cerca de 19% do dinheiro — US$ 321 milhões — para reforçar os direitos à terra das comunidades indígenas e locais, de acordo com relatório divulgado em novembro.
- Entretanto, organizações lideradas por grupos indígenas ou comunidades locais receberam diretamente apenas US$ 17 milhões desse montante — o equivalente a 7% do total doado até agora; o restante foi distribuído entre ONGs internacionais (que receberam 51% do valor), governos, agências multilaterais e fundos regionais, entre outros.
- Diversos estudos já constataram que garantir a posse de territórios tradicionais pelas comunidades indígenas e locais é uma das formas mais seguras de conter os efeitos das mudanças climáticas e deter o avanço do desmatamento.
Investidores de um fundo de US$ 1,7 bilhões anunciado na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, a COP26, dizem já ter desembolsado cerca de 19% do dinheiro — US$ 321 milhões — para reforçar os direitos à terra das comunidades indígenas e locais, de acordo com o relatório anual do grupo divulgado em novembro.
O montante coloca o grupo formado por 22 filantropos e governos no caminho de cumprir a promessa no prazo de cinco anos, conforme previsto. Entretanto, organizações lideradas por grupos indígenas ou comunidades locais receberam diretamente apenas US$ 17 milhões segundo o relatório — o equivalente a 7% do total doado até agora. O restante foi distribuído entre ONGs internacionais (que receberam 51% do valor), governos (17%), agências multilaterais (10%) e fundos regionais (8%), entre outros.
“Há fortes evidências de que as soluções [das comunidades indígenas e tradicionais] para mitigar o clima e proteger a natureza são altamente eficazes, mas eles recebem apenas uma pequena fração do financiamento climático de que precisam para proteger as florestas”, disse Zac Goldsmith, ministro do Reino Unido para Territórios Ultramarinos, Commonwealth, Energia, Clima e Meio Ambiente, na ocasião do lançamento do relatório. O governo britânico está entre o grupo de doares que assinaram o Compromisso para a Posse Florestal de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais durante a COP26, realizada em Glasgow, Escócia.
Membro de uma comunidade local do Monte Hagen, Papua Nova Guiné. Foto: eGuide Travel via Flickr (CC BY 2.0).
Defensores da posse de territórios tradicionais pelas comunidades indígenas e locais dizem que garantir esses direitos e aumentar a capacitação desses grupos é uma das formas mais seguras de deter o aumento da temperatura média global para 1,5° Celsius acima dos níveis pré-industriais, uma meta estabelecida na conferência climática das Nações Unidas de 2015, em Paris.
Apesar de outra promessa dos líderes em Glasgow de acabar com o desmatamento no mundo inteiro até 2030, as florestas tropicais, vistas como um baluarte contra o aumento dos níveis de carbono na atmosfera, continuam desaparecendo. De acordo com um relatório recente do World Resources Institute (WRI), poucos países estão fazendo progressos em direção a essa meta.
Mas as comunidades indígenas e locais poderiam ajudar a conter essa perda, dizem os especialistas. “Os principais cientistas climáticos do mundo pediram o fortalecimento dos direitos e do papel dos povos indígenas e comunidades locais”, disse o líder indígena costarriquenho Levi Sucre, co-presidente da Aliança Global de Comunidades Territoriais, na conferência da ONU sobre mudanças climáticas deste ano, a COP27. “Somos uma estratégia de mitigação dos riscos climáticos, e uma solução justa para enfrentar a mudança climática”. A Aliança Global de Comunidades Territoriais é uma plataforma global para as comunidades indígenas e locais.
De acordo com o World Resources Institute, 2,5 bilhões de pessoas dependem dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos do território habitado por essas comunidades indígenas. Globalmente, estes grupos administram cerca da metade das terras do planeta, e estudos científicos sugerem que a natureza se beneficia disso. Essas terras contêm cerca de 80% de toda a biodiversidade mundial, e as florestas tendem a permanecer de pé quando esses povos estão no controle do território — especialmente quando os governos reconhecem formalmente esses direitos: as taxas de desmatamento são 50% mais baixas em Terras Indígenas na Amazônia em comparação com outras áreas, segundo o WRI.
“Para nos ajudar a ter sucesso, nossos governos devem reconhecer nossos direitos”, disse Sucre. “E todo o sistema de financiamento de soluções climáticas deve superar sistemas burocráticos estabelecidos, além de crenças sobre nossas capacidades que nos impedem de acessar fundos climáticos, recursos que somos absolutamente capazes de administrar para o benefício de todos.”
Indígena Tikuna em canoa na região do Alto Solimões, estado do Amazonas. Foto: de Rhett A. Butler/Mongabay.
Ainda assim, o relatório dos 22 financiadores revela que menos de um décimo do valor doado até agora foi destinado a grupos indígenas e comunitários de maneira direta. No Brasil, entre as organizações de povos originários que receberam doação direta estão o Fundo Indígena da Amazônia Brasileira – Podáali e o Fundo Indígena do Rio Negro, ambos apoiados pelo governo da Noruega, e a Rede de Sementes do Xingu, com verba da Good Energies Foundation.
“Estamos muito perturbados com o fato de que tão pouco desse dinheiro está indo diretamente para os povos indígenas e comunidades locais”, disse à Mongabay Kevin Currey, um oficial de programa da Fundação Ford, um dos principais financiadores, comprometido com a doação de um total de US$ 100 milhões. Ele afirmou que os doadores querem garantir uma colaboração mais próxima a esses grupos durante os próximos quatro anos. “O fato de ser uma porcentagem de um dígito é alarmante e realmente nos provoca a fazer mais”, acrescentou Currey.
Segundo ele, as organizações indígenas estão se unindo para desenvolver mecanismos financeiros como o Fundo Territorial Mesoamericano, no México, e o Fundo Nusantara, na Indonésia, nos quais eles teriam acesso direto aos financiamentos. “O que estamos ouvindo é que eles querem liderar, tomar as decisões”, disse Currey. “Agora precisamos elaborar um plano como grupo de financiadores para ter certeza de que não estamos apenas colocando mais dinheiro no sistema, mas que estamos colocando o dinheiro nos lugares certos”, disse Currey.